viomundo - publicado em 23 de outubro de 2013 às 17:19
Made in China
por Luiz Carlos Azenha
Em 2002 fui a Serra Leoa, na África, país devastado por uma guerra civil violentíssima. Viajamos de Freetown ao interior. Fomos à região das grandes minas de diamantes, tão grandes que no passado haviam merecido uma visita da rainha Elizabeth e seus piratas britânicos.
Lá, ainda encontramos mineiros cavando com pás e enxadas, em condições duríssimas de trabalho, regime de semi-escravidão.
A 100 metros da mina não havia energia elétrica, nem água encanada, registrei em minha reportagem para o Jornal Nacional. Na vizinhança de onde haviam sacado alguns bilhões de dólares em diamantes.
Mais ou menos dez anos depois, os repórteres Aline Midlej e Henry Ajl foram ao leste do Congo, na África, contar a história do Coltan, um minério importantíssimo para a indústria eletroeletrônica. O Congo tem uma história trágica. O colonialismo belga praticou ali crimes que custaram a vida de milhões de pessoas.
Quando um líder nacionalista assumiu o poder nos anos 60, prometendo organizar a exploração das riquíssimas jazidas minerais, foi derrubado, caçado e morto. Era Patrice Lumumba, que contrariou o interesse de mineradoras.
Pouco mudou desde então: a fraqueza do Estado congolês serve aos propósitos ocidentais. Ficam mais simples e lucrativas as alianças com poderes locais e regionais para extrair os minérios. Aline e Henry localizaram os barris nos quais o Coltan congolês era embarcado… para a Bélgica.
Os lucros que ficam no Congo servem para financiar as milícias que se enfrentam pelo controle dos recursos minerais.
As histórias que contei acima servem para ilustrar o que foi, é e continuará sendo a história do colonialismo ou, se quiserem, do neocolonialismo. Uma disputa pelo controle e lucro dos recursos naturais.
Em tempos de leilão de Libra, é importante registrar que a mineradora Vale, privatizada na bacia das almas pelos tucanos de Fernando Henrique Cardoso, já cavou imensas crateras em solo brasileiro para servir, acima de tudo, a seus acionistas internacionais.
A Lei Kandir, de extração bicuda, garante a isenção de ICMS na exportação de produtos primários.
Ou seja, como denuncia o jornalista Lúcio Flávio Pinto, entre outros lugares aqui e aqui , o Pará é um caso de colonialismo internacional montado sobre o colonialismo interno, das elites sudestinas.
Os buracos de Carajás deixam pouquíssimo desenvolvimento local, enquanto financiam o distrito financeiro de Shangai e os principais acionistas privados da Vale.
Os efeitos perversos da privataria persistem e se aprofundam, como demonstra o Brasil de Fato:
Vale, o maior saque de minério do mundo
Mapa obtido pelo Brasil de Fato mostra que o maior projeto de minério do mundo, o S11D, já estava projetado na década de 1980
21/10/2013
Márcio Zonta, correspondente no Pará
A mineradora Vale prepara outro Programa Grande Carajás. A empresa vai explorar a partir dos próximos anos uma jazida de minério de ferro considerada a maior do mundo na Serra Sul de Carajás, no Pará.
O projeto conhecido como S11D, já em fase de implantação, será o maior investimento de uma empresa privada no setor mineiro no Brasil. São 40 bilhões de reais destinados à nova mina, usina e logística, que envolve a expansão da Estrada de Ferro de Carajás – EFC e a ampliação do Porto de Itaqui, em São Luis (MA).
Em 2016, o Projeto Ferro Carajás S11D terá uma estimativa de extração de 90 milhões de toneladas métricas de minério de ferro. A quantidade preenche 225 navios conhecidos como Valemaz, o maior mineraleiro do mundo.
Assim, a Vale passará a explorar na Serra de Carajás, com o Projeto de Ferro Serra Norte, efetivado desde 1985 e o S11D, 230 milhões de toneladas métricas de minério anualmente. A produção atual é de 109 milhões de toneladas por ano.
Embora a mineradora trate o S11D como uma novidade e parte da imprensa nacional frise o empreendimento como a redescoberta de Carajás, a exploração da Serra Sul estaria há muito tempo nos planos da Vale.
É o que denota um mapa, ao qual a reportagem do Brasil de Fato teve acesso, elaborado pela então Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) – antiga estatal – em 1984, onde o plano de extração do corpo mineral da parte sul da Floresta Nacional de Carajás já está presente.
Para especialistas no assunto, o mapa evidencia ainda com mais clareza a escandalosa privatização fraudulenta da Vale, e aponta para um dos maiores saques de minério do mundo.
“A Vale sempre falou nesse projeto, a empresa sabia de sua capacidade antes mesmo da privatização”, ressalta Frederico Drummond Martins, analista ambiental, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, responsável pela Floresta Nacional de Carajás.
O novo velho projeto
No Relatório de Impacto Ambiental do Projeto Ferro Carajás S11D, a Vale menciona que os trabalhos de pesquisa realizada na jazida mineral da Serra Sul tiveram início no final dos anos de 1960. Porém, o documento cita que foram entre os anos de 2003 e 2007, que se aprofundaram os estudos no bloco D, do corpo S11.
Segundo a notificação, somente em 2008 o resultado da análise das amostras indicou uma reserva de minério lavrável de um montante de 3,4 bilhões de toneladas de minério no local.
Porém, para Frederico, muito antes disso a mineradora teria conhecimento da quantidade de minério na região a ser futuramente explorada. “Não só a empresa, mas o governo brasileiro também sabia. Na época da privatização a Vale já possuía decreto de lavra para a Serra Sul”, denuncia.
As obras para o ramal ferroviário estendido da EFC até a jazida da Serra Sul, conseguido há pouco pela Vale, numa licença junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), é apontado no mapa de 1984, e citado na legenda do gráfico como “Ramal Ferroviário Projetado”.
Dessa forma, o mapa aponta que existia uma pré-concepção de exploração da S11D, ressaltando ainda mais a espoliação que significou a privatização da Vale.
Patrimônio público
Em 1997, a mineradora foi incluída no Plano Nacional de Desestatização (PND), uma política implantada pelo presidente em exercício Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que visava privatizar 70% do patrimônio nacional para pagamento da dívida brasileira.
A mineradora foi vendida por R$ 3,3 bilhões de reais. O valor estimado na época do leilão era de R$ 92 bilhões de reais, ou seja, valor 28 vezes maior do que o que foi pago pela empresa.
Porém, o critério de avaliação do valor da mineradora escolhido pelos bancos, entre eles o Bradesco, considerou apenas o fluxo de caixa existente no momento da aquisição, sem levar em consideração o potencial das jazidas processadas da Serra Norte e o imenso poderio da reserva mineral da Serra Sul, estimado em 10 bilhões de toneladas de minério.
“Esse projeto de novo não tem nada, inclusive quando compraram o subsolo da Serra de Carajás na privatização eles já tinham conhecimento desse tanto de minério, o mapa é claro e mostra isso. É o maior saque de minérios do mundo!”, indigna-se Raimundo Gomes Cruz, sociólogo do Centro de Educação, Pesquisa e Apoio Sindical (CEPASP) no Pará.
Por que agora?
Estudos geológicos apontam que a Serra Sul tem potencial maior do que a vizinha Serra Norte, onde já está localizada a maior mina de ferro do mundo.
A exploração do S11D será apenas uma parte das 45 formações de minério de ferro que compõem a cordilheira Serra Sul. Ainda mais outros corpos, A, B e C futuramente serão explorados pela mineradora.
O projeto S11D constante nesse mapa histórico da antiga estatal CVRD, sairia num momento estratégico do papel para se tornar realidade.
Conforme explica o professor de economia da Universidade Federal Fluminense, Rodrigo Santos, o mercado de minério de ferro é extremamente concentrado, de modo que mais de 2/3 da oferta global da matéria prima depende da Vale, e das mineradoras anglo-australianas BHP Biliton e da Rio Tinto.
“A Vale, nesse caso, vem apostando no S11D como seu principal projeto, porque esse tem potencial para ampliar suas vantagens como líder nesse mercado”, avalia Rodrigo.
Ademais, em tempos de espionagem dos Estados Unidos e Canadá ao Ministério de Minas e Energia (MME), o S11D, seria inclusive uma das preocupações dos concorrentes, pois demarcaria ainda mais a liderança do mercado global da Vale frente a Rio Tinto e BHP Billinton, respectivamente segunda e terceira no ranking mundial de extração mineral.
“Considerando essa estrutura oligopólica e as características dos mercados de bens minerais, o controle e substituição de reservas de classe mundial, como Carajás, constitui uma das principais estratégias de competição”, explica Santos.
Segurança Nacional?
A região de Marabá, da qual a Serra de Carajás fazia parte na década de 1980, era submetida ao Grupo Executivo das Terras do Araguaia – Tocantins (Getat), criado em 1980 pelo regime militar com a finalidade de executar as medidas necessárias à regularização fundiária no sudeste do Pará, norte de Tocantins e oeste do Maranhão.
O órgão era vinculado à Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional. O mapa elaborado pela Vale em 1984, continha informações territoriais do Getat.
Flavio Moura, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e historiador da região, relata que o Getat era uma saída militar para controlar o conflito pela posse de terra na região, além de garantir a estratégia ditatorial da época de implantação dos grandes projetos na Amazônia. “O Estado militarizado foi o testa de ferro do capital nessa parte do país”, diz.
Ao observar o mapa, Moura não tem dúvida: “Esse material nos dá a imensidão do controle dos recursos naturais da região, por isso vemos por que a Guerrilha do Araguaia foi exterminada e qualquer forma de movimentos sociais é combatida pela aliança militar-empresarial, como foi o Massacre de Eldorado dos Carajás”, define.
A reportagem do Brasil de Fato submeteu o mapa, também, a um topógrafo aposentado do Exército de Marabá. Humberto Martins Fonseca relembra que a região de Carajás sempre foi alvo de maior proteção e intervenção militar.
“A ideia que passavam para gente era que tinha muita riqueza no subsolo de Marabá, por isso teríamos que defender esse patrimônio”.
Passados 30 anos do programa de exploração de minério no Pará, Fonseca reflete. “Hoje vemos no que deu, na verdade não estávamos protegendo as riquezas de ninguém, somente de nós mesmos, porque estamos entregando tudo e ficando sem nada”, lamenta.
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