O México quer se aproximar dos países da América Latina, e começou a consultar os maiores da região sobre a possibilidade de uma negociação regional, uma espécie de Área de Livre Comércio das Américas (Alca) sem Estados Unidos ou Canadá, como definiu um importante diplomata argentino que tratou do tema com autoridades mexicanas, durante a visita ao México do presidente Néstor Kirchner, na sexta-feira. O governo brasileiro já foi informado de que deve receber essa sondagem, na visita de Luiz Inácio Lula da Silva ao México, nesta semana. A reportagem é de Sérgio Leo e publicada no jornal Valor, 6-08-2007.
"É perfeitamente razoável", comentou, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que confirmou ter notícia do interesse mexicano em retomar negociações para um futuro acordo de livre comércio regional. "Já existe uma base, uma resolução aprovada pelos membros da Aladi (Associação Latino-Americana de desenvolvimento e Integração) com o compromisso de buscar um espaço econômico comum".
Em entrevista ao Valor, por meio eletrônico, ainda antes da visita de Kirchner e Lula, o ministro da Economia do México, Eduardo Sojo, reiterou que seu país está interessado em "participar como membro associado" do Mercosul, e que o governo mexicano, "muito interessado" em ampliar a liberalização do comércio entre as duas maiores economias latino-americanas, pretende buscar "todas as modalidades possíveis" para ampliar o acordo de reduções tarifárias existente entre o México e o Brasil. A visita de Lula ao México é "de vital importância para o México", garante o ministro.
O acordo comercial existente, chamado ACE 53, tem um número limitado de produtos com menores tarifas no comércio entre os parceiros e há resistências do setor agrícola mexicano e de indústrias brasileiras, como a de eletroeletrônicos, para sua expansão ou transformação em acordo de livre comércio. "Serão os próprios setores empresariais que recomendarão quais produtos e setores serão incluídos nas negociações" de ampliação do acordo, diz o ministro Sojo.
O interesse na aproximação com o Brasil provoca uma reação enfática do ministro mexicano quando lhe perguntam sobre a disputa entre México e Brasil nas negociações multilaterais da Organização Mundial do Comércio - onde o México e aliados como Colômbia e Chile reivindicam maior abertura para o comércio de bens industriais, contra a posição defensiva de Brasil, Índia, Argentina e outras nações em desenvolvimento. "De nenhuma maneira", diz Sojo. Os laços históricos entre os dois países "impossibilitam ver-nos como adversários", diz.
"Temos trabalhado conjuntamente como membros do G-20", garante o ministro, referindo-se ao grupo de países em desenvolvimento favoráveis à maior abertura dos mercados agrícolas. Brasil e México tentam, juntos, criar pontos de convergência e aproximar "posições extremas", argumenta. Amorim, conciliador, também evita polemizar, e fala até em buscar alguma fórmula para permitir maior integração do México ao Mercosul, já que a condição de membro associado só é possível a países com quem o bloco já tenha acordo de livre comércio.
"O México já é observador em nossas reuniões, podemos pensar em uma categoria de observador especial, uma maior institucionalidade a essa participação", especula Amorim. Na visita ao México, Kirchner chegou a defender o ingresso do México no Mercosul, idéia impossível porque exigiria que o país abandonasse o Nafta, acordo de livre comércio com EUA e Canadá. Mas o convite foi visto na comunidade internacional como gesto político de Kirchner, no esforço de maior aproximação com um dos governos mais à direita no espectro político regional.
O ensaio de acercamento do México com os latino-americanos, na tentativa de vencer a imagem de satélite dos Estados Unidos, é evidente, e faz com que o ministro da Economia faça questão de falar também da agenda política bilateral. "Brasil e México estão convocados a desempenhar um importante papel na construção de uma ordem internacional mais justa, pacífica e segura, fincada no multilateralismo", discursa Sojo, que defende "ações conjuntas em fóruns internacionais".
Ele dá como exemplo a questão climática. "Já começamos conversas para troca de experiências para enfrentar a mudança climática, reduzir a emissão de gases que provocam efeito estufa, aproveitar energia renováveis e produzir e usar biocombustíveis". O México apóia o esforço brasileiro de criação de padrão único para o etanol e quer usar o memorando de cooperação em bioenergia, que prevê ação conjunta no setor.
No campo comercial, ainda, segundo Sojo, "uma área de grande oportunidade" é o setor de serviços, que representa 66% da riqueza do país e 60% dos empregos. "Tanto México quanto Brasil temos desenvolvido empresas fortes na exportação de informática, software, consultoria, construção, turismo e telecomunicações", exemplifica, ao prever mais investimentos no setor. O México, lembra, já tem investimentos superior a US$ 15 bilhões no Brasil, o mais recente, de US$ 400 milhões, pela Femsa, fabricante da cerveja Sol.
Por enquanto, os dois países só capricham em manifestações de boa vontade, que coincidem com uma aparente guinada ao exterior por parte também da Argentina. A mais forte candidata à sucessão de Kirchner, sua mulher, Cristina, é vista como mais interessada em temas internacionais - ainda que a competência da candidata seja uma incógnita, alimentada pelo assessores que a protegem de contatos potencialmente reveladores com a imprensa. A visita de Kirchner ao México foi vista por diplomatas da região, porém, como um importante indício de mudança na introvertida política externa argentina.
A idéia de aproveitar a Aladi como base para um acordo ainda terá de superar obstáculos como a resistência interna nos países e a heterogeneidade desse arranjo regional, que tem a comunista Cuba entre seus integrantes. É, no entanto, uma novidade na agenda regional, onde a agitação do presidente venezuelano Hugo Chávez tem tido mais êxito em impor os temas de discussão.
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