Da colaboração com Jean-Paul Sartre à fundação de “Le nouvel Observateur”, ao encontro com a ecologia e à acusação da razão econômica das tecnologias digitais. A trajetória deAndré Gorz um intelectual militante que desenvolveu a crítica ao capitalismo a partir das transformações do trabalho. O artigo é de Benedetto Vecchi e publicado pelo jornal Il Manifesto, 26-09-2007.
Eis o artigo.
"A láurea em engenharia química forneceu aquelas competências técnicas e científicas que se tornaram úteis a André Gorz quando escrevia sobre automação do trabalho, crise ecológica, tecnologias digitais, ou seja, os temas que caracterizaram sua produção intelectual destes últimos trinta anos. Nos livros eles assomavam entre uma página e outra e forneciam sempre uma sólida base argumentativa às suas análises quando sustentava, por exemplo, que a redução do trabalho a 35 horas era apenas o primeiro passo, porque a produtividade individual e coletiva tinham crescido tanto que atualmente eram necessárias apenas 20 horas semanais para produzir os mesmos bens. Contanto, porém, que o trabalho fosse redistribuído.
“Les temps modernes”
Sua batalha em favor da redução do horário de trabalho o havia conduzida, no ápice entre os anos oitenta e noventa, a uma vivaz e fecunda relação com o sindicato francês da CFDT e os sindicatos dos metalmecânicos alemães e italianos. Vivaz, porque convidava as organizações sindicais a se darem conta que a fábrica estava mudando com a substituição dos homens e das mulheres pelas máquinas. Fecunda, porque André Gorz se colocava sempre à escuta das argumentações de quem era submetido à fábrica. Um intelectual militante, isto é o que foi André Gorz.
Nascido em 1923 em Viena, conseguirá, em 1943, a láurea em engenharia química em Losana, na Suíça, donde sua família se refugiara após o Anschluss da Áustria à Alemanha. Com a Áustria e a Alemanha André Gorz teve sempre uma relação trabalhosa, a ponto de mudar de nome (o nome de batismo era Gerard Horst) e decidir não se dirigir à Alemanha por causa da política de extermínio do regime nazista, até que, no final dos anos oitenta, será convidado pelo sindicato metal-mecânico alemão para um ciclo de conferências sobre como estava mudando o trabalho e sobre a proposta de sua redução. Escreveu, então, que mudar de nome fora um ato público de denúncia política daquela nazificação da Áustria e da Alemanha que não tinham feito as contas com o passado recente. E na França, o país para onde se transferira após o fim da Segunda Guerra mundial, tomou, então, o nome de Michel Bousquet, que depois abandonará pelo de André Gorz que será a assinatura dos seus primeiros escritos, até tornar-se uma assinatura conhecida da revista “Les temps modernes”, onde trabalhará com Jean-Paul Sartre.
São os anos em que, junto com tantos outros, põe as bases de uma renovação do marxismo, enveredando pela via da análise cheia de insídias do neocapitalismo que o conduz, junto com outros, a fundar “Le Nouvel Observateur”. Para quem escreve, o encontro com André Gorz ocorre no crepúsculo dos anos oitenta, com a publicação de Adeus ao proletariado. Gorz está convencido que a automação do trabalhão industrial (manufatureiro para Marx) levará a uma diminuição radical da ocupação industrial, mas tal ocorrência é uma chance que é acolhida pela esquerda marxista heterodoxa: a automação não é contestada, mas antes acelerada, acompanhando-a com uma redução radical do horário de trabalho: “Trabalhar menos, trabalharem todos” é o horizonte político em que Gorz se situa e ao qual sempre permanecerá fiel.
A zanga da ecologia
Há depois a ecologia, um tema que é enfrentado à luz do desejável encontro entre o movimento operário e o ambientalismo – Ecologia e política, O caminho do Paraíso, Capitalismo, socialismo, ecologia. Sua tentativa de conjugar marxismo e ambientalismo será, de fato, a outra zanga sobre a qual se concentrará sua produção durante todos os anos noventa. Gorz olha com interesse para aquele filão de pesquisa anti-utilitarista que tem seu núcleo na França. Provém daí o texto La strada del paradiso. Os trabalhos mais fecundos desta década são, no entanto, A miséria do presente, a riqueza do possível e Metamorfosi del lavoro (Bellati Boringhieri), uma crítica às culturas políticas da esquerda a partir daquela contra-revolução que talvez tenha sido chamada de pós-fordismo.
Quase na surdina, há alguns anos André Gorz enviou às editoras um outro livro – O imaterial – no qual o monstro a ser olhado na face e combatido era a vulgata neoliberal da tecnologia digital. Ali também há páginas que mereceriam ser lidas e discutidas a fundo. Gorz é por uma renda cidadã, mas convida a proteger as costas de um inimigo insidioso, coisa que seria uma proposta que, mais do que recompor o trabalho hetero-dirigido (noção que preferia àquela de trabalho dependente ou trabalho assalariado), podia ulteriormente fragmentá-lo. Vem depois o silêncio, embora as vozes de um novo trabalho seu ricocheteassem de um site da Internet a outro. A dura tarefa de viver deve, no entanto, ter-se tornado insuportável. Faltará aquele seu argumentar em que a riqueza do possível deve, em todo o caso, fazer as contas com as misérias do presente.
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