Mobilidade humana, um ensaio de Salvatore Palidda editado por Raffaello Cortina. As migrações como paradigma das relações sociais na sociedade contemporânea. Leis e políticas da segurança sobre migrações funcionam como uma porta giratória regulada pela necessidade do mercado de trabalho. A reportagem é de Roberto Ciccarelli e publicada pelo jornal Il Manifesto, 25-05-2008.
O último livro de Salvatore Palidda “Mobilidade Humana” (Rafaello Cortina) é uma narrativa em primeira pessoa de um jovem aluno siciliano emigrado para a Milão do início dos anos sessenta, depois um jovem militante pela tutela dos trabalhadores italianos na Alemanha dos anos setenta, enfim pesquisador em Paris nos anos oitenta, depois de uma breve experiência operária em França. É uma exploração, na qual não faltam as características polêmicas do panfleto, seu recente estudo sobre migrações inspirado no grande sociólogo franco-argelino Abdelmalek Sayad, que denunciou a “preocupação de estado” que oculta o senso político da imigração, ato político e essencial subjetivo do migrante, e não ameaça à segurança do estado e de seus cidadãos.
Uma totalidade social
O entrelaçamento proposto por Palidda entre a biografia do estudioso e o objeto de seu estudo é uma tomada de posição política: o vasto repertório metodológico usado nas análises sociológicas nas migrações (etnografia, análise histórica e mediática), de fato, é inutilizável se não é alimentado com a “observação participante” do pesquisador. A sua formulação permite ler os complexos fenômenos de emigração e de imigração como um “fato social total”, a mobilidade humana precisamente, na qual, de um lado reflete-se a organização social e política existentes, e, de outro lado, a aspiração individual da emancipação própria de toda migração. Uma aspiração que traduz uma ação política, aquela de decidir livremente sobre sua própria vida, quando a vida reserva somente um destino de privação, miséria ou infelicidade.
Palidda pratica um olhar transversal sobre a emigração européia para “o novo mundo” no início dos anos novecentos, com os movimentos migratórios que investiram na Itália e o inteiro mundo ocidental nos últimos vinte anos. Fenômenos certamente distintos, mas, se investigados, trazem à luz uma série de constantes na política migratória contemporânea. O migrante, de fato, ameaça a pretensão de uma cultura que coincida com um território; é um indivíduo que cria um híbrido, ou uma “estratégia de mestiçagem”, um desafio ao qual o estado normalmente responde com a inquietude da política de segurança ou, na formulação de Michel Foucault, com o “racismo de estado”.
Caça aos migrantes
Essa dinâmica é desfraldada aos nossos olhos ao menos no fim dos anos oitenta do século XX, quando as práticas dos países ricos para as migrações começam a oscilar entre uma relativa tolerância e a guerra à clandestinidade. O entrelaçamento desses aspectos diferentes pode ser feito com a imagem da “porta giratória”, através da qual parte dos cidadãos dos países de imigração e parte dos migrantes acessa a integração. O paradoxo desse fenômeno reside no contraste entre o auspício oficial de integração pacífica e regular e as práticas que reproduzem a irregularidade, não obstante o contínuo recurso da anistia. Para Palidda, esse mecanismo da “porta giratória” é uma conseqüência do desenvolvimento econômico atual que se vale somente em parte da mão-de-obra regular e estável, enquanto requer trabalho precário, flexível, hiperprodutivo, a custo contido, freqüentemente inferiorizado do ponto de vista social.
A transformação participante dos anos noventa, em correspondência ao aumento mundial dos fluxos migratórios, descreve a mudança da natureza política do neoliberalismo, em particular para os cidadãos. Isso produziu uma ordem social e política precária induzida pela gestão securitária dos migrantes, suspensos entre a legalidade e a ilegalidade, naquela terra de ninguém onde a possibilidade de uma vida pacífica é condicionada às demandas contingentes do poder político e não para o respeito dos direitos fundamentais. É realmente este o senso do “proibicionismo” aplicado às políticas migratórias que reproduz a irregularidade e assegura a procura de mão-de-obra nas economias submersas, em particular no trabalho de construção nas grandes cidades e naquele agrícola sazonal, como denunciado em um recente relatório de Médicos sem Fronteiras.
Palidda individualiza, além disso, um problema “estrutural” nas políticas migratórias “neoliberalistas”: a idéia de reduzir a integração dos migrantes ao modelo da sociedade industrial que subordina a liberação da licença de residência à posse de um contrato de trabalho por tempo indeterminado e com um domicílio regular. É evidente que essa formulação, comum tanto à “direita” que quis a Bossi-Fini , quanto “a “esquerda”, que louva a lei espanhola aprovada no governo Zapatero, reproduz a clandestinidade que desejava combater. É, de fato, improvável que um migrante tenha esses pré-requisitos antes de chegar ao país de destino. Ele deverá passar um período indefinido como clandestino para conquistar para si sua licença de residência. As anistias são ainda necessárias, mas funcionais na reprodução desse sistema.
Liberalismo traído
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