Uma proposta do Brasil para taxar remessa de lucros da indústria farmacêutica, afim de financiar pesquisa de doenças infecciosas associadas à pobreza, tomou rumos na Organização Mundial da Saúde (OMS) que alimentam nova suspeita de que a entidade seria manipulada pelos laboratórios.
A notícia é de Assis Moreira e publicada pelo jornal Valor, 29-03-2010.
Em artigo intitulado "A OMS sob influência da indústria farmarcêutica", o influente jornal "Le Monde", de Paris, cita o que chama de "práticas contestáveis" na OMS envolvendo um relatório de um grupo de 23 especialistas para propor soluções para a falta de medicamentos para "doenças de pobres".
De 1.556 novos remédios lançados entre 1975 e 2004, apenas 21 (1,3%) foram para doenças tropicais (doença de Chagas, leishmaniose e doença do sono) e tuberculose, embora elas ameacem 400 milhões de pessoas e representem 11,4% das doenças.
O cheiro de escândalo começou em 8 de dezembro. Quando todo o mundo estava concentrado na pandemia da gripe A H1N1, uma versão do relatório confidencial da OMS, fruto de sete anos de trabalho, vazou na internet. E com ele vinham em anexo quatro e-mails, um deles redigido no dia 1º de dezembro pela Federação Internacional dos Fabricantes de Medicamentos (IFPMA, em inglês).
O e-mail mostrava que o lobby teve acesso antes de todo mundo o esboço do relatório confidencial. E agiu enviando mensagem para a OMS considerando "problemática" a ideia do Brasil de taxação.
O lobby atacou também ideia de uma "comunidade de patentes", que permite uma gestão coletiva de direitos de propriedade intelectual afim de baixar o preço dos remédios. A proposta surgiu na Unitaid, iniciativa do Brasil e da França visando facilitar o acesso aos tratamentos de várias doenças em países em desenvolvimento.
Conforme o jornal francês, o lobby da IFPMA parece ter funcionado, tanto que em 18 de janeiro o conselho executivo da OMS examinou uma síntese do relatório na qual a ideia brasileira da taxação tinha sumido e sido substituída por ideias tradicionais de financiamento. Outras propostas na área de patentes também sumiram.
O Brasil, representado no conselho da OMS por Paulo Buss, ex-presidente da Fiocruz, reagiu exigindo com outros países em desenvolvimento uma segunda redação do documento de síntese e o relatório completo levando em conta as preocupações desses países.
Alguns especialistas do grupo reagiram com cólera. A senadora colombiana Cecilia Lopez Montano enviou mensagem ao conselho executivo reclamando que foi "utilizada para legitimar um processo" da qual considera não ter participado plenamente. Contou que assistiu a duas reuniões nas quais pediu para discutir com prioridade questões sobre patentes. Para sua "surpresa" havia "grande pressa para evitar essas discussões".
Para abafar o escândalo, a diretora-geral da OMS, Margaret Chan, disse aos governos que abriu uma investigação e ameaçou suspender a imunidade diplomática dos especialistas, se necessário.
O Valor apurou que a entidade acabou apresentando a versão completa do relatório, que incluía a proposta do Brasil para que as autoridades dos "países associados" (desenvolvidos ou em desenvolvimento que aceitarem assinar a iniciativa) apliquem a taxação sobre todos os lucros remetidos pelos laboratórios para sua matriz.
Considerando lucro de US$ 16 bilhões por ano dos laboratórios nos países com renda baixa ou média e taxa de 1%, estima-se que a arrecadação seria de US$ 160 milhões por ano. Mas aumentaria muito desde que incluída a taxação de um ou vários países desenvolvidos. Uma vez instaurada, a taxação se torna obrigatória. Os países membros têm até 5 de abril para para reagir. E é improvável que produtores de medicamentos como os EUA e alguns europeus permitam a aprovação da proposta.
A OMS considera, no texto, que a taxação é uma opção "particularmente atraente", mas que, "entre outros inconvenientes possíveis", será exposta a questões políticas e "impedimentos sistêmicos", como toda taxação.
Por iniciativa do Brasil, o relatório final será examinado em 13 de maio, em Genebra, e a briga continuará na assembleia anual da saúde uma semana depois.
A OMS também é suspeita de ter sido influenciada pelos laboratórios quando decidiu decretar pandemia de gripe A. Os lucros suplementares do setor com a vacina pode chegar a US$ 10 bilhões.
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