As grandes cidades do País estão bem servidas de sistemas informatizados para a prevenção de desastres. Também não se pode dizer que as chuvas que atingiram o Sudeste nos últimos meses sejam "imprevisíveis" - fenômenos como o registrado no Rio na semana passada se repetem mais ou menos a cada duas décadas.
Então, como explicar as tragédias provocadas pelas chuvas? "O problema está na tomada de decisão. Isso não é técnico, é político", diz o geólogo Agostinho Ogura, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
As soluções, segundo ele, passam pelo investimento em projetos de urbanização e remoção de famílias de áreas de risco, como nos bairros-cota, em Cubatão (SP), e o aperfeiçoamento dos programas de prevenção.
A entreivsta é de Bruno Tavares e publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 11-04-2010.
Eis a entrevista.
Que fatores são mais decisivos numa tragédia como a do Rio: os naturais ou os humanos?
Temos os dois contextos. O pano de fundo é sempre natural. Toda a Região Sudeste é de relevo acidentado. Nessa área, há condições naturais para a ocorrência de chuvas de alta intensidade. Isso sempre ocorreu, de termos chuvas muito intensas num curto espaço de tempo. Eventos de 300, 400 milímetros podem parecer anormais, mas não são. Ocorrem periodicamente - 1922 em Santos; 1948 na divisa entre Rio, São Paulo e Minas; 1966/67 em Caraguatatuba (SP) e no Rio; 1988 em Petrópolis, Rio e São Paulo; 2008 em Santa Catarina e 2010 em São Paulo e Rio. Sempre vai chover, até mais, por conta das mudanças climáticas. Enchentes causam prejuízos econômicos, mas escorregamentos matam. E aí está o problema: as pessoas invadem áreas sujeitas a isso.
A culpa é de quem invade ou de quem deixa invadir?
A culpa não é de quem ocupa, mas de quem deixa ocupar. Isso está escrito em todas as constituições municipais. Isso é de competência do poder municipal. É fácil controlar isso? Efetivamente não. Sob o ponto de vista legal, isso que prefeitos estão dizendo agora, que a culpa é de quem invade, não existe.
É possível reverter isso?
Projetos de melhorias das condições urbanas e redução de riscos existem e são perfeitamente viáveis. Temos bons exemplos com São Paulo - a antiga Favela do Gato, o Morro do Jaguaré, o Jardim Damasceno. As pessoas moram no local, mas em conjuntos habitacionais dignos. O exemplo de Cubatão, dos bairros-cota, é o melhor. O projeto contempla a remoção de um grande número de pessoas que vivem nas encostas da Serra do Mar. Quem mora em áreas de risco alto será removido. As moradias que vão continuar passarão por projetos de reurbanização e estabilização geotécnica. Haverá uma recomposição da floresta. Esse é o projeto mais bem acabado e a tendência é de que ele se reproduza para toda a Serra do Mar. Até o entulho da desconstrução das casas tem destinação correta.
Por que essas experiências não são replicadas pelo País?
Porque elas estão muito ao sabor de uma determinada política de governo. E quando há uma mudança política, esses projetos deixam de ser prioritários, talvez porque tivessem a marca muito forte do governo anterior. A velocidade de execução das obras é outro aspecto. É preciso que as verbas necessárias sejam alocadas. Isso precisa estar claro, as pessoas precisam cobrar quanto do orçamento vai ser destinado.
Esses projetos são viáveis para quaisquer municípios, sejam eles pobres ou ricos?
É claro que é preciso trazer para a realidade do local, mas sob o ponto de vista técnico fica possível. O que temos visto é uma grande dificuldade dos municípios sem recursos conseguirem esse dinheiro. Há um projeto do Ministério das Cidades, mas é preciso entender por que ele não foi bem implementado. Em 2007, Niterói elaborou seu Programa de Redução de Riscos e mesmo assim teve essa quantidade de mortes.
O que falhou?
Quem age na área é o município. O assunto tem de ser tratado como prioridade. Se os prefeitos estão tão aterrorizados quanto dizem, eles têm de colocar como prioridade.
O senhor é favorável ao uso de força policial na retirada de famílias de áreas de risco?
Numa condição de emergência, isso tem de ser feito. Mas é preciso entender que você só faz isso porque não tinha um plano preventivo estruturado.
Do ponto de vista tecnológico, as cidades estão preparadas para fazer prevenção?
Em termos de engenharia e capacidade de prevenção e previsão meteorológica, estamos bem. Em São Paulo e no Rio, esses sistemas existem e funcionam muito bem. O problema não está no "hardware", mas no "software". Falta planejamento urbano, regras para o uso do solo. O poder público é incapaz de fazer valer o que manda a lei, de fiscalizar, controlar. Defesa Civil tem pouca capacidade de atuar preventivamente. A informação que chega não se transforma em ação preventiva. A Defesa Civil não deve servir para resgatar corpos. É inconcebível que depois de tudo que aconteceu no Rio entre segunda e terça-feira, morra ainda mais gente na quarta-feira. O problema está na tomada de decisão. Isso não é técnico, é político.
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