Enviado por luisnassif, ter, 14/02/2012 - 10:29
Por Marco Antonio L.
Da CartaCapital
Roberto Amaral
Nenhum país em nosso continente terá futuro se antes não
construirmos coletivamente a integração regional, econômica, política e
cultural. O México jamais poderá pensar em projeto nacional e
soberania, vista sua irremovível tragédia geográfica. E é por isso,
principalmente, que, ao falar em integração, reporto-me exclusivamente
à America do Sul, (sub)continente que, para os juízos que se seguem,
começa na Patagônia (com as Malvinas) e termina na fronteira da
Colômbia com o Panamá, onde viceja o processo de “balcanização”
(expressão de nossos dias) regional imposto pelos EUA. Essa história
se aviva a partir do século passado, via cizânia, mobilização dos
conflitos domésticos e intervenções militares diretas.
p>Lembre-se, a propósito, que o imperialismo
simplesmente repete o colonialismo europeu e sua comum política de
dividir para melhor dominar. Produtos desse colonialismo e da
“balcanização”, a América hispânica, a America Central, as Antilhas, o
Caribe e o agora nossoHaiti, formam um cordel de economias e Estados inviáveis.
A dominação moderna surgiu como uma face da disputa entre o império
nascente e as antigas potências coloniais. O bordão “A América para os
americanos”, que a nossas elites soava como hino à Independência, era,
na verdade, a América para os EUA. Do rio Grande para baixo, havia um
senhor a respeitar, e ele trazia no ombro o big stick theodorerooseveltiano que jamais relutou em acionar.
Esse “americanismo” é explicativo do horror da geopolítica
norte-americana a qualquer intento americanista não norte-americanista,
bolivariano ou não, no que ele remeta a nuestra América–
conceito hoje reduzido à integração regional, com todos os ingredientes
detestados pela detestável classe dominante brasileira: nacionalismo,
desenvolvimento autônomo e defesa, inclusive em sua acepção militar.
A política externa do governo Lula buscou a autonomia nacional pela
via regional, e avançou sobre dois momentos anteriores, a OPA de JK,
nos anos 50, e, mais recentemente, o Mercosul (Tratado de Assunção,
1991). A primeira experiência foi ridicularizada pela elite brasileira
e seus porta-vozes, no Congresso (UDN) e na imprensa (ora, ora, o
Brasil falando em política continental…), sendo posteriormente
desmantelada por Kennedy e sua ‘Aliança para o Progresso’ – projeto do
Pentágono para conter os movimentos populares e a emergência das
massas, especialmente no Nordeste de Arraes, no início dos anos 60, e
nos demais “nordestes” despertados no continente pela revolução cubana.
O Mercosul mal sobrevive, reduzido a um acordo aduaneiro
permanentemente atacado pelas assimetrias intra-regionais e pelas
políticas nacionais dos parceiros. Mesmo assim, seu fortalecimento, que
se daria com o ingresso de Venezuela, Equador e Bolívia, é
obstaculizado pela direita parlamentar, atendendo à pauta da direita
impressa que ainda sonha com algo como a Alca, a renúncia definitiva do
continente à soberania.
Temos tudo para festejar as conquistas brasileiras nos nove anos do
governo de centro-esquerda inaugurado por Lula. Todos os indicadores
melhoraram, sejam econômicos, sejam sociais, cívicos (como a descoberta
da cidadania pelas grandes massas), sejam psicossociais (como a
auto-identificação de nossa gente com seu país e sua história). Mas é
preciso ter em mente que estamos apenas no início de um longo e ainda
difícil processo de construção nacional.
Os ganhos do imediatismo não podem esconder que, de certa forma,
estamos, a médio e longo prazos, subjugados ao jogo do imperialismo, o
qual, apesar da crise no mundo capitalista, impõe a divisão
internacional da economia, na qual nos foi, a nós os ainda periféricos
embora “emergentes”, designado o papel de fornecedores de commodities: produtos agrícolas, aliementos em geral, carne, grãos in natura,
minério de ferro e minérios estratégicos. Em breve, além de
fornecedores de produtos primários, deveremos ser exportadores de
petróleo, talvez de petróleo cru, com quotas e preços determinados pelo
mercado internacional.
No plano industrial, priorizamos setores mais atrasados ou
conservadores, que não mais interessam às grandes metrópoles, por não
serem grandes consumidores de capital e tecnologia, mas de trabalho,
mal-remunerado ou mesmo sobrexplorado. Falo das montadoras de
automóveis, voltadas para o consumo interno, mas igualmente para suas
matrizes (após mais de 50 anos de implantação da “indústria
automobilística nacional” não temos uma só marca própria de
veículos); das fábricas de tênis; das “fábricas” de eletrônicos que
aqui montam aparelhos com chips e insumos importados. A tecnologia – a
medida do progresso e da soberania—ou é produzida nas matrizes das
multinacionais ou importadas pela industria nacional, avessa à
inovação. Ou seja, tanto na agricultura de exportação, mecanizada,
quanto na indústria robotizada, um mínimo de mão-de-obra e um nada de
tecnologia e inovação nacionais. Isso quando, ninguém o ignora, a
soberania do terceiro milênio será medida não pelas exportações de
grãos ou carne, mas pelo índice de desenvolvimento científico e
tecnológico de cada país. Nesse campo, superados pela China, estamos
sendo ultrapassados pela Coréia do Sul (de quem importamos até carros)
e da Índia (de quem importamos até fármacos).
O desafio, pois, é grande – e muito mais profundo do que supõe a vã
filosofia dos simplórios, pois passa pela concepção de projetos
nacionais vinculados a uma geopolítica regional. É difícil, mas
possível, ainda, realizá-lo, porque é, acima de tudo, oportuno.
Oportuno porque o império, acicatado por conflitos, precisando cada de
mais de fazer a guerra, e corroído por dentro pela crise do
capitalismo, está hoje (viva nossa sorte!) mais preocupado com o que
ocorre no centro hegemônico. Em outras palavras, nós os do ‘quintal’
temos nestes anos, como tivemos nos anos 30 do século passado (quando
os EUA se voltaram para sua crise econômica), como tivemos quando das
duas grandes guerras mundiais (quando a potência emergente teve de
voltar-se para a Europa), a oportunidade de cuidarmos nós de nós
mesmos, sem (muita) interferência do “grande irmão do Norte”. Este
sonho é realizável hoje, enquanto o EUA e a UE viverem sua crise, e os
EUA (com Otan ou sem ela) tiverem de lidar com as guerras que
promoveram e promoverão no Oriente ou onde quer que julguem necessárias
aos seus interesses. E enquanto estiverem preocupados com a China.
Para sorte nossa, parece que ficarão preocupados com o grande Império do Meio por ainda muitos anos.
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