Reportamos, neste artigo, a primeira parte da
Re-exploração do Rio Javari chefiada pelo Capitão-Tenente Augusto da Cunha
Gomes, nomeado pelo Ministro das Relações Exteriores, General Dyonizio de
Cerqueira, em 1898, com a finalidade de descobrir-lhe a verdadeira.
- Limites
Entre o Brasil e a Bolívia
Re-exploração
do Javari
Comissão de
Limites· entre o Brasil e a Bolívia.
Manaus, 11 de
Janeiro de 1898.
Ao Sr. General
Ministro das Relações Exteriores.
Tenho a
satisfação de submeter à vossa consideração os principais resultados dos
trabalhos de Re-exploração do Rio Javari, a que procedeu a Comissão de Limites
entre o Brasil e a Bolívia, de conformidade com a vossa autorização, exarada em
telegrama sob n° 539, de 23 de maio do ano passado, e de apresentar-vos dados e
informações suficientes, afim de que possais formar opinião segura a respeito
dos serviços executados em quatro meses de trabalho, posições geográficas,
clima, constituição geológica, riquezas naturais, etc. etc.
Em 8 de Abril
recebemos do Sr. Governador deste Estado o telegrama seguinte, a ele
transmitido por intermédio do Sr. Dr. Governador do Estado do Pará:
Rio, 27 Março.
Governador Estado.
Peço que comunique o seguinte a Cunha Gomes,
membro da Comissão de Limites com a Bolívia, onde estiver:− Preciso saber com
urgência pelo telégrafo que providências e recursos são necessários para se
fazer já Re-exploração do Javari.
(Assinado) Ministro Exterior.
Em vista da
urgência da pergunta, respondemos neste mesmo dia com o seguinte telegrama:
Para Re-exploração Javari já, preciso aviso
Tocantins pertencente flotilha Amazonas, contingente 40 praças, um oficial,
sessenta contos para compra seis canoas, conserto batelão, sustento força e
custeio Expedição.
Em
cumprimento, portanto de todas as vossas ordens e sem perda de tempo,
procuramos organizar a Expedição com os recursos indispensáveis para levar a
efeito tão difícil quão honrosa Comissão.
Não dispondo
do Destacamento posto à disposição desta Comissão, por terem seguido por ordem
do comando desta guarnição as praças que o compunham e que pertenciam ao 35°
Batalhão de Infantaria, requisitei do Sr. Capitão Dr. Manoel Uchôa Rodrigues,
então seu Comandante interino, pessoal que o pudesse substituir, tendo, em
resposta me comunicado essa autoridade somente me poder dispensar 10 praças,
porquanto o 36° Batalhão de Infantaria estava já muito desfalcado de pessoal.
Resolvi então
aproveitar o oferecimento espontaneamente feito pelo Dr. Fileto Pires Ferreira,
atual Governador deste Estado, o que vos comuniquei em ofício sob n° 17, de 10
de Junho. (...)
O aviso
Tocantins, do comando do Capitão-Tenente Raimundo José Ferreira Vale, posto à
disposição da Comissão, lancha Taruman, cedida sem pessoal pelo Dr. Governador
do Estado, um batelão pertencente à Comissão e seis canoas compradas para este
fim.
Foi todo o·
contingente municiado para uma viagem de cem dias, sendo os pedidos feitos pela
tabela em vigor na nossa Marinha de Guerra.
Levou também a
Comissão os instrumentos necessários e indispensáveis a serviços desta
natureza, bem como uma ambulância e dietas suficientes para atender às
necessidades de todo o pessoal.
Aspecto Geral dos Rios “Solimões”, “Galvez”
e “Javari”
Preparados
para admirar as belezas do Rio Solimões e contemplar essa natureza, tão poeticamente
descrita em trabalhos científicos de sábios e viajantes notáveis, partimos
para, pela primeira vez, empreender uma viagem às regiões banhadas por este
Rio, tão acertadamente denominado — Rio-Mar —.
A vastidão
dessa enorme quantidade de água doce, que parte dos Andes, muito próximo do
grande Oceano Pacífico, e que, atravessando a América do Sul na sua maior
largura, permite a saída dos produtos de cinco Repúblicas, por meio de seus
tributários sem número, impressiona no primeiro momento o espírito mais
prevenido, porém a sucessão por dias e dias, dessa interminável faixa de
terras, as mesmas margens, mais ou menos inundadas, trazem a monotonia ao
espírito, e o que a princípio impressionou, se transforma finalmente em
aborrecimento.
Mesmo, o
encontro em uma e outra margem de antigas Vilas florescentes, hoje cidades, não
interrompe a monotonia da viagem. Perdida para elas a vida que outrora tinham
apresentam hoje esses pontos comerciais do Rio Solimões um aspecto triste, que se
transmite ao passante; e condenadas pelo de envolvimento comercial da Capital
do Estado só uma ou outra casa de melhor aspecto atesta a sua antiga
florescência, acentuando a sua decadência atual.
Tudo muda ao entrar-se no Rio Javari. Aproximando-se
suas margens, logo acima da Foz, tomam proporções e formas, que são mais
agradáveis, deixando ver uma vegetação mais vigorosa, revestida de cores
próprias à mata virgem.
Suas margens
já formadas de barrancas altas e muito povoadas, até a Boca do Rio Itecuai, um
dos seus mais importantes e poderosos tributários da margem direita prestam
atrativos, que em vão se procuram no Solimões.
A navegação do
Rio Javari é feita atualmente com regularidade até o povoado Santa Cruz de Itecuai
ou “Remate de los Males” — situado na
Boca do Rio Itecuai. Na época da cheias vão alguns vapores até a Boca do Rio
Curuçá, afluente não menos importante da sua margem direita.
Daí em diante,
só é navegável por lanchas a vapor em toda a época do ano até a Foz do Rio
Galvez, afluente da sua margem esquerda.
A Companhia de
Navegação a vapor Amazonas Limitada e algumas casas importantes de Manaus e
Pará, mantêm um serviço regular até o primeiro destes afluentes.
A 377 milhas
da Foz do Javari finda a navegação a vapor e entra-se na zona de difícil
trânsito. É na confluência do Rio Galvez com o Javari. Este segue então com o
nome de Jaquirana até as suas nascentes.
Em agosto,
quando começam as chuvas e trovoadas no Alto-Jaquirana, principiam as chuvas do
Rio Javari, promovendo em Setembro os primeiros repiquetes, vindos das
cabeceiras.
Em novembro a
enchente está francamente em ação, crescendo as águas constantemente até
atingirem seu máximo de 10 ou 12 metros, em média, entre a Boca do Javari e a
do seu afluente Galvez. Daí em diante, as águas sobem mais, devido a menor
largura do Rio, chegando, em média, a 15 metros entre os Rios Galvez e Batã ou Paissandu.
Do Batã em
diante, a altura das águas varia em extremo, subindo em alguns pontos até 10
metros, devido à forma das curvas do Rio e aos obstáculos encontrados no seu
leito. As chuvas diminuem em março e cessam em abril.
Em julho a
máxima vazante se manifesta em todo o Rio Javari e sua continuação, o
Jaquirana. Nesta estação, que dura três meses, a profundidade mínima do Rio
Javari, da sua Foz à do Galvez, é de 1,83 m, principalmente nos bancos e coroas
de areia, que são mudáveis em cada cheia, e no ponto denominado — Cachoeira.
A maior
velocidade das águas observada neste trecho foi de 5 milhas por hora, em meia
vazante, sendo quase insensível no princípio. Até o Galvez foi a viagem feita
em vapor dai em diante em canoas entrando-se pelo Jaquirana.
Se é agradável
e relativamente cômoda a viagem a vapor pelo Javari até o Galvez, duplamente
fatigante, trabalhosa e cheia de peripécias é a subida em canoa pelo Rio
Jaquirana ou Alto-Javari nesta época do ano, isto é, durante a sua máxima
vazante.
Rio Galvez
É o Rio Galvez
o afluente do Javari que mais ocupou a atenção das Comissões Mistas de Limite
entre Brasil e o Peru, que exploraram este Rio nos anos de 1864 e 1874, bem
como do Governo Brasileiro pela controvérsia, quanto a ser ele ou não a
continuação do Rio Javari.
Faz o Galvez
junção com o Javari no ponto cujas coordenadas são:
— Latitude: 5°10’17,5” Sul.
— Longitude: 72°52’29” Oeste Gw.
— Altitude: 101,6 metros.
Para bem
informar-vos, encarreguei o 2° Ajudante desta Comissão de levantar um trecho
desse Rio bem como de medir o seu volume de descarga de água, sua correnteza e
examinar a cor e a natureza delas.
Efetivamente
foi o Galvez levantado em uma extensão de seis milhas, tendo nesse ponto apenas
50 metros de largura. Sua correnteza é diminuta, devido a ser represado pelo
Rio Jaquirana. É escura a cor das suas águas, sendo por isso aqui chamado — um
Rio de água preta. A vegetação das suas margens é menos frondosa que a do
Javari, havendo pelo leito do Rio grande número de paus que já no trecho
levantado dificultava a navegação, feita em canoas.
Suas margens são em geral a prumo, havendo poucas e pequenas praias, apesar
de estar o Rio na sua maior vazante, tendo uma altura variável entre 2,50 m a
3,00 m. Pelas marcas encontradas nas árvores, suas águas apenas sobem de 0,50 m
a 1,00 m sobre os barrancos, no trecho levantado e estudado.
Pela rigorosa medida feita nas Bocas dos Rios Galvez e Jaquirana, aquele
tem 197,443 m3 de volume de descarga de águas por segundo e este
552,380 m3 o de descarga de águas, também por segundo, estabelecendo
uma relação entre os dois volumes de descarga de 26 para 74 ou,
aproximadamente, de um para três.
Este Rio não é habitado, a não ser por tribos de índios Capanauas, em uma e
outra margem, segundo informações colhidas.
É doentio e não possui seringa como em geral toda a margem esquerda do Rio
Javari a não ser em poucos lugares de terrenos alagadiços. Houve, porém, caucho
nas suas terras altas, que acabou-se, retirando-se os exploradores desta
indústria, em geral peruanos, para outros Rios brasileiros.
Nasce este Rio, segundo informações colhidas em Lontananza, Barracão
peruano da margem esquerda do Rio Jaquirana, em terras altas, que ficam ao
Norte deste ponto e que fazem a divisa de águas entre os Rios Jaquirana e
Branco, afluente do Rio Ucaiali, tanto que daí se cruza por terra para aquele
Rio, sem ser ele mais encontrado. Este Barracão fica a 140 milhas da sua Boca,
devendo, portanto, o curso deste Rio ser, por isso muito pequeno.
Além de notar-se a cor escura das águas do Rio Galvez, fizeram-se
observações da temperatura delas em vários pontos do Rio, até onde foi
explorado e estudado, achando-se 26,5° centígrados, enquanto que as
temperaturas das águas dos Rios Jaquirana e Javari são de 29° centígrados.
Assim, dando o resultado dos estudos feitos no Rio Galvez, cabe-me fazer a
comparação com os igualmente executados nos Rios Jaquirana e Javari e chegar ao
resultado de afirmar que o Jaquirana é, incontestavelmente, a continuação do
Rio Javari, pelo seguinte:
O Rio Jaquirana tem:
O volume de descarga de águas maior do que o
Galvez e em uma relação de um para três;
A temperatura das suas águas igual à do
Javari, que é de 29,0° centígrados, enquanto que a do Galvez é de 26,5°, também
centigrados;
A cor das águas é branca como a do Rio
Javari, sendo a do Rio Galvez escura e turva;
O seu curso de cerca de 700 milhas até sua
nascente enquanto que o Rio Galvez terá talvez pouco mais de 100 milhas, também
até as suas nascentes,
É, pois, o Jaquirana a continuação do Rio
Javari, e como tal foi explorado.
Rio ”Jaquirana” ou “Alto-Javari”
O Rio Javari toma o nome de Jaquirana desde a sua confluência com o Galvez,
seu tributário, até as suas nascentes. A sua origem ou nascente é em uma grota,
formada por dois altos contrafortes de uma grande serra, que suponho ser um dos
contrafortes mais Orientais dos Andes dividindo os vales dos Rios Ucaiali e
Madre-Dios.
Corre o Jaquirana ao rumo SW por cerca de 210 milhas. O espaço, hoje livre
de embaraços, que oferece este Rio à navegação em lancha a vapor, batelões e
canoas, excede de 300 milhas. Foi o Jaquirana explorado por duas Comissões
Mistas Brasileira-Peruanas. A primeira em 1864, que não pôde subir além do
ponto determinado aproximativamente por Paz Soldan, Comissário peruano nessa
época, cujas coordenadas são:
— Latitude: 6°50’00” Sul.
— Longitude: 73°56’45” Oeste Gw.
— Altitude: 200 metros.
Tendo, infelizmente, perdido o Brasil um dos seus melhores astrônomos e
hidrógrafos, o distinto Capitão-Tenente Soares Pinto, flechado pelos índios, e
o Peru impossibilitado o seu não menos celebre geográfico Paz Soldan para levar
a efeito tão útil quão proveitosa Comissão, por ter-se também invalidado com
uma flechada na coxa, de modo que, em Manaus, teve de amputar a perna,
escapando assim à sorte que teve seu distinto e infeliz companheiro.
A segunda Comissão Mista Brasileira-Peruana chegou até o ponto que tem por
coordenadas:
— Latitude: 6°59’29,50” Sul.
— Longitude: 74°06’26,67” Oeste Gw.
É este Rio bastante notável pelos seus afluentes e pelas comunicações que
eles permitem. Assim, hoje passa-se do Rio Juruá ao Ucaiali, fazendo-se apenas
pequenos trajetos por terra (varadouros).
Caucheiros peruanos há que, quer por comunidade de rápido trânsito, quer
para evitar pagamento de impostos brasileiros, mais elevados que os do Peru,
fazem seguir os seus produtos — Caucho e Sernambi
— do Ipixuna, afluente da margem esquerda do Rio Juruá, para Iquitos pela via
terrestre, que pode ser assim delineada:
Do Ipixuna, ou dos seus únicos afluentes, o
São Francisco e o Rio Negro, passam os produtos por terra em poucas horas até
uma quebrada forte ou Igarapé, que entra no Rio Batã ou Paissandu, afluente da
margem direita do Jaquirana, subindo por este Rio até pouco abaixo do Seis-Solis
ou Nueva Estación, onde tomam boa
estrada, que vai, em sei horas de marcha, ao Igarapé Lobo, tributário do Rio
Branco que deságua no Rio Tapichi, um dos mais navegados afluentes do Rio
Ucaiali, e por este Rio, onde há navegação regular a vapor, são os produtos
levados a Iquitos e exportados como peruanos, apesar de serem de origem
puramente brasileira.
Sernambi: caucho de melhor qualidade,
que se coagula sobre o próprio tronco da árvore, nas cavas entalhados no seu
caule. (Hiram Reis)
É desnecessário dizer que, se em tão grande distância são os produtos
levados a Iquitos, os que ficam mais próximos, no Jaquirana, Batã etc., são
também para ali transportados. No Baixo-Jaquirana se faz o mesmo tráfego,
saindo os produtos brasileiros para o Peru por outro Igarapé forte do Rio
Branco, o Iana-Iacú. Há estradas regulares feitas para este trânsito e que são
pelos caucheiros conservadas em bom estado.
Pela mesma via de comunicação recebem-se a mercadorias para consumo; esta
Comissão teve ocasião de comprar, em Seis-Solis, farinha e arroz, vindos do
Pará por estes caminhos.
Toda a população que hoje ocupa os vales dos Rios Jaquirana, Batã e grande
parte do Ipixúna e dos seus afluentes, já em número superior a 5.000 pessoas é
de origem peruana, falam, em geral, a língua Quíchua, que é usada pela gente do
povo em todo baixo Andes Oriental, e o mau espanhol, que só falam os patrões
com os agentes das casas fornecedoras de Iquitos.
Todos trabalham com pessoal vindo do Peru, em geral índios já domesticados
da tribo dos Chamacocos, e com aqueles que, em suas correrias, colhem das
malocas das tribos dos Rhemus e Capanauas. Estes índios tornam-se verdadeiros
escravos, trabalham para o patrão a preço miserável da alimentação, que
consiste em simples farinha e algum fumo. São vendidos entre os patrões como
simples mercadoria, aceitando o novo patrão com a mesma indiferença com que
serviram ao primeiro. Este tráfico ilícito é mais comum entre as mulheres do
que entre os homens.
O Rio Jaquirana corre em leito arenoso e suas águas são claras e
transparentes. Em todas as suas praias encontram-se areias grossas e detritos
de rochas de formação ígnea. O terreno de suas margens tem um aspecto mineralógico
muito pronunciado, principalmente nas cabeceiras, nas quais se acham grandes
quantidades daqueles detritos e de conglomerados ferruginosos.
Clima
Embora tivéssemos registrado com regularidade e frequência as temperaturas
diárias máximas e mínimas, bem como o grau higrométrico do ar e a pressão
atmosférica, não podemos, pela insuficiência do tempo e das observações feitas
no mesmo lugar, deduzir a sua temperatura média anual. No entanto, podemos dela
ter um valor muito aproximado, se fizermos aplicação da fórmula do Sr. Emmanuel Liais:
— T = 56°7’ cos 1 — 28,8°
Emmanuel Liais: autor do “Traite D’Astronomie Apliquee et Geodesie
Pratique”. (Hiram Reis)
que nos dá e a temperatura ao nível do mar e em função da Latitude.
Quer consideremos clima a temperatura média de um lugar, quer a diferença
maior ou menor existente entre as temperaturas médias dos meses mais quentes e
dos mais frios, não podemos deixar de notar uma grande diferença entre o Rio
Javari propriamente dito, isto é, até a Boca do Rio Galvez, e a sua
continuação, o Jaquirana; fenômenos há que se observam no primeiro destes Rios,
os quais não são comuns no outro. Assim é que, em certas épocas do ano,
principalmente nos meses de junho e setembro, estando o ar fortemente aquecido
e com tendência ascensional bastante pronunciada, dá-se um abaixamento brusco
de temperatura, conhecido pelos moradores pelo nome de Friagem, cuja duração é
de três a quatro dias e que tão prejudicial é à saúde pelo desequilíbrio
produzido no organismo desaclimatado, trazendo como consequência as
perturbações dos órgãos respiratórios. Observamos alguns destes fenômenos e
notamos que o termômetro, que marcava na média 26,0° C, diminuía até 17° C. O
barômetro, pela regularidade da marcha que apresenta, marca invariavelmente
suas máximas às 10h e 22h, e suas mínimas ás 16h e 4h.
As friagens anunciam-se por uma baixa rápida do barômetro, extraordinária
elevação de temperatura e saturação quase completa do ar. Sempre que o Sol
desaparece no horizonte, nota-se o fenômeno de condensação dos vapores contidos
na atmosfera e as superfícies expostas diretamente, apesar de durante o dia não
receberem os raios solares, cobrem-se de uma camada aquosa, tornando difícil e
as vezes impossível as observações noturnas para determinação de posições
geográficas, como tivemos ocasião de verificar na Boca do Rio Itecuai com a
ocultação de um dos satélites de Júpiter, cujo instante do fenômeno não pode
ser bem apreciado. E esta condensação torna-se as vezes tão extraordinária que,
quem dorme, como nos acontecia, em canoas e barracas acorda com as camas
bastante úmidas, enquanto que das coberturas da canoas e das barracas caem
grandes gotas de água, como se durante a noite houvesse chovido copiosamente.
É esse conjunto de condições meteorológicas que constitui o clima desta
região, o qual é geralmente considerado insalubre e tem justificado o seu nome
nos números casos fatais de moléstias que têm dizimado aqueles que aí foram
procurar trabalho e fortuna, e que, imprevidentes, sem alimentação suficiente e
habitações apropriadas, sem higiene alguma, praticando excessos de toda a
espécie e sem recursos médicos, adquirem com facilidade, pela natureza dos
trabalhos a que se expõem febres intermitentes e remitentes palustres,
biliosas, algumas com afecções cerebrais, que muito concorrem para semelhante
fama.
Em todo o Rio Jaquirana, porém, já não se encontram desses fenômenos em
consequência de sua Altitude que representa um papel muito notável na
modificação dos climas tropicais, temperando-lhes o calor; tanto assim que, em
regiões situadas próximo do Equador, têm as temperaturas diminuído a tal ponto
que apresentam médias análogas as dos países temperados.
Fazendo-se aplicação da mesma fórmula do Sr. Emmanuel Liais e adaptando-se
1° de diminuição para cada 180 metros de acréscimo de Altitude acha-se para
temperatura média anual 24,5° C.
Desde que saímos de Manaus, fizemos, de conformidade com as prescrições do
nosso ilustrado médico Dr. Bulcão Vianna, uso dos preparados arsenicais, e
podemos hoje garantir que mais uma vez provaram eles a sua força profilática,
concorrendo conjuntamente com os sais de quinino para debelarem os inúmeros
casos de febre que tivemos alguns de muita gravidade e felizmente nenhum fatal,
como vereis do quadro nosológico apresentado por este facultativo.
Selvagens do Jaguari
No século passado, segundo escrevem viajantes dessa época eram as regiões
do Vale do Javari habitadas pelas tribos de índios Maronas, Panos, Tapaxunas e Ticunas.
No começo deste século haviam já outras tribos em substituição àquelas, as
quais denominavam-se Colinos, Uaraicos, Jannes e Mayurunas.
Destas tribos apenas encontrou a, Comissão de 1864, a dos Mayurunas, já com
o nome de Mangeronas, que habitava toda a região ribeirinha do Javari, sempre
feroz e bravia. Foi esta tribo que atacou e perseguiu a Expedição de 1864, que
matou a flechadas o distinto hidrógrafo e astrônomo Capitão-Tenente Soares
Pinto e feriu gravemente o geógrafo peruano Paz Soldan.
Hoje, os índios que vivem no Vale do Javari são em pequeno número, devido
às correrias contínuas, que fazem os caucheiros peruanos para expeli-los do
território onde exploram o Caucho e para tomarem as pequenas, cuja venda
constitui um ramo de negócio lucrativo.
No Baixo-Javari, isto é, da sua Foz até a Boca do Rio Galvez, existem
poucas malocas de selvagens, quase na totalidade já domesticados. Pertencem
eles às grandes tribos dos Marugos e Ticunas, vindos das margens do Maranhão e
principalmente das do Lago, onde foi fundada a cidade de Cavallo Cocha.
O Vale do Rio Galvez não é hoje habitado Senão por tribos de índios ferozes
que atacam a quantos ali vão estabelecer-se, sendo antigamente corridos pelos —
caucheiros — peruanos que, em tempo, exploraram a indústria da extração daquela
variedade de seringa. São denominados Capanauas, mas pelo seu estado de
selvageria, usos e costumes, creio serem os mesmos Mangeronas ou os antigos
Mayurunas.
O Rio Jaquirana, na sua seção compreendida entre a Boca do Galvez e a
confluência com o Rio Batã ou Paissandu, que denomino Médio-Javari tem a sua
margem esquerda ocupada por malocas de índios Capanauas, aparecendo na outra
margem e na contra-vertente com o Vale do Rio Curuçá aldeias de índios da tribo
denominada Rhemus.
São estes índios fracos e covardes, fogem ao encontro do homem civilizado e
ocupam toda a margem direita do Rio Batã, sendo a esquerda habitada por tribos
de Capanauas, seus ferozes e inconciliáveis inimigos.
Do Batã para cima é o Vale do Rio Jaquirana habitado exclusivamente por
tribos de índios Capanauas, até onde chegamos, isto é, às suas vertentes.
Quanto aos usos e costume destas duas tribos, que hoje ocupam o Vale do Rio
Jaquirana, pelo que notamos e ouvimos, são os Rhemus os que usam ornatos no
corpo.
Pintam ou tatuam o corpo com resina do — caucho —, fazendo uma pintura
indelével formando figuras extravagantes e mesmo imaginárias, principalmente as
mulheres, quando adolescentes. Os homens pintam-se desde pequenos. Furam os
lábios inferiores, orelhas e nariz, que ornam com penas de araras e outras
aves, usam pendentes ao pescoço e cintura, colares e cintas feitas de conchas,
dentes de animais e de certa madeira dura e perfumada.
Não são antropófagos. Casam-se desde a tenra infância, sendo isso por
simples designação do Tuxaua ou seu Chefe. Como em geral entre todas as tribos
de selvagens que temos visto, lhes é inteiramente desconhecida a menor noção de
pudor. Andam os homens nus, usando as mulheres pequenas tangas de tucum ou de
contas de madeira, pendente da cintura, quando chegam a ser mães.
Quanto aos Capanauas, são índios mais robustos e fortes, mais claros que os
Rhemus e alguns há inteiramente brancos. Conservam, entretanto, os traços
característicos da raça geral, como cabelos duros e negros, maçãs do rosto
salientes, tendo a forma da cabeça muito original, conseguindo isso por meios
artificiais. Assim, desde a infância comprimem a cabeça com talas de madeira,
dando a ela, pelo uso contínuo deste aparelho, a forma de um chapéu armado. As
mulheres fazem a mesma compressão que os homens, porém em sentido oposto. Não
pintam o corpo e são por isso esbeltas e elegantes.
Fazem uso nos seu ataques da lança e tacape e utilizam-se raras vez de arco
e flecha, a não ser quando pescam e caçam. São ousados e valentes, atacam o
homem civilizado de frente e não por traição, como em geral fazem a demais
tribos.
Casam-se na idade própria, por amor e inclinação, sendo a cerimônia
simplesmente o consentimento do Curáca, seu Chefe e Senhor.
São antropófagos, mesmo entre si, não poupando os próprios parentes, salvo
se a morte foi devida ao veneno de cobra ou a moléstia epidêmica por eles
classificada.
Quanto aos seus inimigos, não os poupam, matam-nos sem piedade, fazendo as
maiores atrocidades.
De uma índia dessa tribo pudemos colher informações; declarou-nos ser o
prato predileto nos seus canibais festins os miolos e as mãos das vítimas,
apreciando em demasia os do homem civilizado.
Dos seus ossos, dentes, etc., fazem troféus de guerra conservando alguns a
cabeça na frente de suas malocas, espetada na própria lança do guerreiro que
matou a vítima.
Foi esta tribo que acompanhou e perseguiu a Comissão desde o Galvez até as
nascentes do Rio Javari, atacando-a no Rayo, último ponto habitado, quando de
volta procurávamos de novo as canoas.
Foi preciso repeli-la a bala e por espaço de muitos minutos manteve o
pessoal da Comissão fogo renhido, até que se retirou.
Flora e Fauna do Rio Javari
Produtos
naturais. O Caucho. Gutta-percha. A Seringa.
Seu Fabrico.
Constituição mineralógica.
O espetáculo da natureza animada, onde o homem não figura tem alguma coisa
de estranho e triste, e a contemplação das grandiosas florestas virgens do Vale
do Javari produz no espírito mais prevenido uma admiração profunda pela luta
real que se observa, por uma rivalidade tal entre as plantas, de todo o gênero,
que mostra o que é a vida vegetal nessas florestas; é a verdadeira luta pela
existência. Um cheiro acre nota-se no interior delas onde os raios do Sol nunca
penetram.
As árvores, ávidas de calor e luz, desenvolvem-se em altura, em detrimento
do diâmetro dos seus troncos, tomando, pela fragilidade destes e pelo
sustentáculo que outras lhes oferecem, posições grotescas e complicadas.
Assim, vê-se ali cipós e outras plantas trepadeiras abraçando colossais
árvores, como a sumaumeira (Eriodendron sumauma) maçarandubas (Lucuma procera),
castanheiras (Bertholletia excelsa), cedros (Cedrela brasiliensis) e peróbas
(Aspidosperma), ao lado de frágeis arbustos que apenas suportam o peso deles,
lutando para romper os apertados laços que os oprimem.
Vê-se também palmeiras em número e variedades
extraordinárias, cobertas dos troncos às ramas de inúmeras parasitas, de formas
de flores pouco conhecidas, e os próprios cipós, de diâmetro até 0,30 m, por
seu turno também abraçados por outros mais frágeis, que procuram, subindo por
eles o calor e a luz direta do Sol, que apenas é gozada pelas grandes
sumaumeiras, castanheiros, etc., cujas copas ultrapassam a vegetação em geral.
Encontram-se nas florestas do Rio Javari também a copaíba (Copaifera Jacquinii),
o pau mulato, e por toda a margem do Rio o cacoeiro (Theobroma cacáo), a
baunilha (Vanilla aromatica), a salsaparrilha (Smilax syphilitica) e várias
plantas medicinais.
Sua fauna não é menos rica do que a flora; desde as formas colossais até aos
ínfimos seres e às organizações mais imperfeitas, tudo se encontra nestas
florestas seculares. É habitada por macacos, desde a pequena raça dos Sauís
(Chrisothrix entomophaga) e micos (Midas bicolor) até os barrigudos (gênero
Lagothrix), cobertos de uma lã cinzenta, coatás (Ateles paniscus) de pele
preta, coberta de cabelos compridos, e guaribas
(bugios).
Encontra-se somente a onça (Felix onça) entre os carnívoros; como roedores
a cotia (Dasyprocta aguti), a paca (Cœlogenis paca), a capivara (Hydrochœrus
capibara), o pereá ou preá e o rato do mato. Somente a lontra (Lutra
brasiliensis) representa a espécie de Martas. A variedade dos porcos do mato
(Dicotyles torquatus) é grande; existe em quantidade a anta (Tapirus
americanus), e não é raro ver-se no Baixo-Javari o veado (Cervus rufus).
Poucas cobras existem no Alto-Javari, a não ser de pequenas grandezas e
espécies muito conhecidas. Há, porém, no Baixo-Javari a terrível Sucurijú ou
Sucurirú (Boa aquática), que habita o Rio, escolhendo os remansos os mais
profundos.
Entre os pássaros, encontra-se uma variedade incalculável, desde o pequeno
periquito verde até a grande arara, de variedade e plumagem de admirar, e do
bacurau (Caprimulgus nocturnos) até o urubú-rei (Cathartes papa).
De Morcegos há também muitas variedades, sobressaindo o pequeno, que ataca
o homem quando em repouso. Foi esta uma das pragas que mais fez sofrer o
pessoal da Expedição, principalmente quando teve de viajar pelas florestas do
Alto-Javari.
Como caça, são frequentes as Pombas, os Mutuns, Jacamins, Cujubins e Inhambus,
e, na margem do Rio, Marrecas (Anas brasiliensis), patos mergulhões (Plotus
anhinga) de espécies variadas, Marrecões e Garças brancas e pardas, cujas penas
são muito bem reputadas no comércio do Amazonas.
Quanto aos habitantes do Rio, propriamente, encontra-se no Baixo-Javari
duas variedades de Botos (Delphinus amazonicus). Só no Baixo e no Médio-Javari
pescam-se Piranhas (Serralsamo Piranha), Surubis (Platistoma Lima), Pirararas
e, nas Bocas dos Lagos, a Traíra (Synodus).
No Baixo-Javari encontra-se o Jacaré de várias grandezas, desde o
Jacaré-tinga (Caiman sclerops) até o Jacaré-açu (Caiman-niger). Este chega a
grandes dimensões. A Tartaruga (Emys amazônica) e o Tracajá (Emys tracaja)
aparecem até muito acima no Alto-Javari. O Jabuti (Testudo tabulata) só é visto
nas matas e principalmente nas serras altas.
É admirável a variedade de espécies de borboletas e outros insetos; e não
menos admirável é até — a praga.
Esta se compõe de Piuns, Carapanãs, Abelhas, principalmente a amarela, que
ocupam a atenção de quem ali vai e impossibilitam todo e qualquer trabalho. A
mutuca e várias espécies de moscas, principalmente a denominada pelos
caucheiros Cabo-verde —, produzem dores e inflamação na parte atacada, bem como
a formiga Tocandeira — (Cryptocerus causticus), cuja mordedura faz sofrer
dores, como de queimaduras, por muitas horas.
Entre a variedade enorme de produtos naturais, já enumerados, sobressai, no
Baixo-Javari, a Seringa (Siphonia elastica), e, no Médio e Alto, o — Caucho —
(Hevea guyanensis) e a Gutta-percha (Isonandra percha).
O fabrico de borracha de seringueira é hoje muito conhecido; deixo por isso
de descrevê-lo.
O caucho e gutta·percha, seus similares, que constituem principalmente a
forte indústria daquela zona, são preparados de outra forma. Derribada a árvore
que produz o leite com que preparam o — Caucho —, é o tronco, com ramos e
raízes, expurgado de todo o leite, que é depositado em uma cova ao lado da
própria árvore. Para fabricar o “caucho”
fazem coagular este leite com água de sabão sem dúvida por causa da potassa
nela contida, ou, na sua falta, com o sumo de um cipó, que vive mesmo ao lado
da árvore do “caucho”. Coagulado o
leite, toma o sólido a forma da cova, que, em geral, é de um paralelepípedo, e
que denominam os caucheiros — pranchas
(planchas).
A “gutta-percha”, ainda pouco
explorada, sofre o mesmo preparo que o “caucho”,
porém coagula simplesmente ao ar livre, não precisando senão agitar o leite de
tempo em tempo. Dura o processo 24 horas. Há duas espécies de “gutta-percha”, a de leite branco, mais
comum, e a de leite amarelo. Ambos os produtos da “gutta-percha” são mais pesados que a água, sendo o caucho e
borracha mais leves. Estes dois últimos obtêm nos mercados dos Estados Unidos
da América do Norte e na Europa maior preço que o primeiro.
Sendo grande a variedade de madeiras próprias para construção civil e
naval, é para lamentar não existir nem início de tão útil quão lucrativa
indústria, usando os caucheiros, para a construção de suas barracas, apenas
palmeiras, entrando no primeiro plano a útil “Paxiuba” (Iriartea exorrhiza Mart.), que é aplicada desde os
esteios e vigamentos até os soalhos e divisões internas.
Caracterizam a constituição mineralógica do Vale do Rio Javari depósitos de
xistos silúricos rolados, cobertos de grés
(espécie de argila misturada com areia fina e empregada em olaria) de diversas
cores, sobretudo o vermelho, xistos argilosos e enfim camadas de antracite, em
veios que correm, em geral, na direção Leste-Oeste.
Nenhum fóssil foi achado, porquanto, sendo a nossa
exploração especialmente destinada ao próprio Rio, não foi possível procurar
petrefatos que devem conter as camadas de aluvião, e por essa razão nada se
pode afirmar sobre a idade geológica do Vale do Rio Javari. Entretanto, pela
natureza da sua constituição, por nós verificada nos cortes das suas margens, e
pelos fósseis achados por Chandlers no Juruá, Vale vizinho ao do Javari, parece
pertencer ao sistema — devonio siluriano.
Cronometria
O conhecimento da posição de um ponto qualquer da terra se reduz à
determinação de sua Latitude, Longitude, Azimute ou Direção do Meridiano e sua
Altitude. Os três primeiros elementos são entre si ligados pela relação
fundamental:
Sen.
a = sen. l sen. D + cos. l cos. D. cos. H,
na qual “D” representa a Declinação do astro, dado pelo almanaque
náutico ou conhecimento do tempo, e “a” sua Altura. Vê-se, pois,
que as incógnitas são: “l” ou Latitude do lugar, “H”
ou Hora do mesmo lugar, a qual, comparada com a do primeiro Meridiano,
dada, pelo cronômetro, determina a Longitude.
O aparecimento dos cronômetros, também chamados relógios marítimos, marcou,
sem dúvida alguma, uma época notável na história da navegação, enriquecendo-a
de novos elementos de perfeição na determinação das posições geográficas. Foram
eles construídos na França pela primeira vez, em 1766, pelo ilustre sábio
Ferdinand Berthoud, e, coincidência notável, ao mesmo tempo na Inglaterra por
Harrison. É por meio destes instrumentos que se conhece a hora precisa do
primeiro Meridiano, a qual em qualquer instante, comparada com a que se obtém
pelas observações dos astros, nos dá a Longitude. A questão, por conseguinte,
se reduz a saber qual o seu atrasamento ou adiantamento sobre o tempo médio do
primeiro Meridiano, isto é, seu estado absoluto.
Se o cronômetro tivesse uma marcha uniforme, uma vez determinado o valor de
seu estado absoluto em um certo dia, bem como a variação que se obtém pela
comparação de dois estados absolutos, em dado intervalo de tempo, e que se
denomina — marcha diurna —, o grande problema da cronometria se resolveria com
extrema facilidade. A regularidade, porém, destas marchas está sujeita a
diversas perturbações, as quais dividiremos em duas classes: aquelas devidas ao
próprio mecanismo do instrumento e à sua construção, e àquelas que produzem as
circunstâncias exteriores.
As primeiras são: aceleração, saltos e defeito de compensação; as outras:
resistência do ar, magnetismo e eletricidade, umidade atmosférica oxidação da
espiral, efeitos dos movimentos de transporte e choques. Foram a umidade
atmosférica e efeitos dos movimentos de transporte as causas que mais
diretamente influenciaram os cinco cronômetros, que pela regularidade de suas
marchas, tínhamos levado para esta exploração; os quais eram: de John Poole n°
8.367, 8.368 e 4.496; de James Poole n° 5.692 e de Parkinson & Frœdsham n°
3.265 ; o primeiro dos quais servindo de padrão.
Os três restante dos autores John Poole n° 4.759 e 3.660 e Robert Roskell
n° 659/4.518, não possuíam marchas regulares, tendo sofrido variações
acidentais, as quais somente podemos atribuir, à influência do óleo empregado
na lubrificação de suas peças ou ao escapamento ou a defeitos das pedras
formando os “contrapivots”, porque,
sendo desiguais estas superfícies, deve resultar deslocamento dos eixos e
consequentemente variações em suas marchas, pelo que ficaram entregues aos
cuidados do Sr. Capitão de Fragata, Capitão do Porto e Comandante da Flotilha
deste Estado.
Quem já experimentou viagens feitas em canoas, sem comodidade de espécie
alguma, suportando choques provenientes dos muitos obstáculos encontrados em um
Rio, em sua maior vazante reconhece com facilidade o que dizemos. Além disto, a
viagem por terra, subindo e descendo montanhas, algumas de mais de mil metros
de altura, sem o necessário para o seu transporte, pela natureza do terreno,
imagina o quanto devem sofrer estes instrumentos.
Se a marcha de um cronômetro não tivesse irregularidades, ou então se
possuíssemos o meio de determinar com exatidão o valor numérico das
perturbações, o cálculo da hora do primeiro Meridiano seria rigoroso, e
dispondo como nos acontecia de cinco destes instrumentos, eles nos dariam
resultados idênticos.
Sendo a marcha de um cronômetro uma função definida do tempo e da
temperatura, as perturbações podem ser reconhecidas, porém sua avaliação
numérica rigorosa é impossível não se lhe podendo dar senão um valor
aproximado.
É, portanto, teoricamente indeterminado o problema, qualquer que seja o
numero dos cronômetros; na prática, porém, com instrumentos bem regulados, esta
indeterminação pode ficar circunscrita dentro de certos limites.
Desde a invenção dos cronômetros, se estuda a influência das temperaturas
sobre as suas marchas e, na descrição da viagem feita a bordo do “Isis” para se experimentar estes
instrumentos, Fleurieu prova que, independentemente do efeito da temperatura,
os cronômetros experimentam uma aceleração e concluiu de suas observações que,
apesar de tomar em consideração a equação das temperaturas, o movimento diurno
variava proporcionalmente ao tempo.
Borda, De Rossel, o Almirante Fitz Roy, Mouchez e outros, também conheciam
esta influência. M. de Cormelier, depois de ter chegado à convicção de que a
temperatura é o fator de perturbação o mais importante, foi o primeiro a
exprimir a marcha por uma expressão algébrica do tempo e da temperatura.
Deve-se, porém, a Lieussou a glória de ter estabelecido, por observações
numéricas, que a marcha de um cronômetro é uma função bem definida do tempo e
da temperatura e para representar a marcha correspondente a uma temperatura “ ” e a uma
época “t”, apresentou a fórmula:
m =
mo + at + c ( ‘- )2
a qual pode ser assim traduzida: Em uma mesma temperatura a marcha de um
cronômetro cresce proporcionalmente ao tempo; “a” é o coeficiente da aceleração. Quando a temperatura varia, esta
marcha também varia, porém não proporcionalmente ao tempo; se é a mesma para
duas temperaturas e ‘, ela sofre
passando de uma a outra, a princípio uma aceleração, depois um atraso e atinge
seu máximo para a temperatura média entre as duas, a qual se denomina — “temperatura de compensação” dada pela
fórmula .
Os melhores métodos para a determinação dos estados absolutos são:
observação das passagens meridianas do Sol e estrelas; observações de
distâncias zenitais e observações das alturas duplas tomadas com o círculo de
reflexão ou sextante com horizonte artificial.
Das observações com o sextante de Casella de dois planos fazendo sempre uso
da luneta inversa e invertendo a posição do horizonte de 180°, conseguimos
determinar o estado absoluto por meio de série de alturas do Sol, nas quais os
erros de observação se atenuavam o mais que era possível já que não se achava
montada a luneta Meridiana de Brünner.
Junto encontrareis o mapa dos diversos estados absolutos achados.
Para a determinação da marcha diurna fizemos uso do método Legendre.
A Latitude, Longitude, Azimute ou direção do Meridiano, e Altitude,
elementos indispensáveis para o conhecimento da posição de um ponto qualquer da
terra, foram determinados com a precisão possível em Comissões desta natureza,
e dos resultados achados nos diferentes processos empregados tomávamos uma
média, que era considerada definitiva.
Vos envio também um mapa demonstrativo das coordenadas astronômicas dos
diversos pontos; navegando-se em círculo fechado, e por ele vereis como foram
insignificantes as diferenças encontradas, o que dá uma ideia segura do estado
dos cronômetros, e podereis assim apreciar o grau de exatidão dos trabalhos
executados.
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Fonte: GOMES, Augusto da Cunha. Comissão de Limites Entre o Brazil e a Bolivia – Re–Exploração do Rio
Javari – Brasil – Rio de Janeiro – Typographia Leuzinger, 1899.
- Livro do Autor
O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o
Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS –
PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura. com.br) e na
Associação dos Amigos do Casarão da Várzea (AACV) – Colégio Militar de Porto
Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil - RS (AHIMTB - RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.
E-mail: hiramrs@terra.com.br
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