Hiram Reis e Silva, Bagé, RS, 04 de novembro
de 2012.
Reportamos, neste artigo, a segunda parte da
Re-exploração do Rio Javari chefiada pelo Capitão-Tenente Augusto da Cunha
Gomes, nomeado pelo Ministro das Relações Exteriores, General Dyonizio de
Cerqueira, em 1898, com a finalidade de descobrir-lhe a verdadeira nascente.
A Viagem
Às duas horas da tarde do dia 10 de junho de 1897, embarcou a Comissão no
cais em frente à Companhia Amazonas Limitada, sendo acompanhada até a bordo do aviso
“Tocantins” por todas as autoridades
civis e militares, que foram se despedir de seus membros e que aí se
conservaram até as duas horas e vinte minutos, ocasião em que suspendeu o aviso
e se dirigiu, rebocando a lancha “Taruman”,
um batelão e seis canoas, em direção à Boca do Rio Negro. Às três horas
passou-se pela Ilha Marapatá e às três horas e vinte minutos entrou-se no Furo
Xiborema, por encurtar o caminho mais de dez milhas.
Às seis horas e quinze minutos entrou-se no Rio Solimões. Estava começada a
nossa viagem e todos seguiam alegres e satisfeitos por poderem concorrer, cada
um na altura de suas forças, para bem corresponder à confiança depositada.
Apesar dos reboques, que muito puxavam pela máquina e devido à fragilidade
do mancal de escora, que não permitia andar a toda força, contudo o aviso “Tocantins” desenvolvia uma marcha média
de sete milhas por hora. Foi este primeiro dia de viagem ocupado na
distribuição do indispensável às praças, que compunham o destacamento que
acompanhava a Comissão. Como houvesse urgência na viagem, afim de aproveitar-se
a pouca água existente no Rio Javari, cuja vazante achava-se muito adiantada,
combinei com o Sr. Capitão-Tenente Ferreira Vale, Comandante do aviso, somente
nos demorarmos o tempo suficiente nos lugares onde tivéssemos de receber lenha
e economizarmos o mais que pudéssemos o carvão que levávamos, porquanto, não
sabíamos até que ponto do Rio Javari encontraríamos lenha, e por não convir
sermos obrigados a fazê-la, o que muito nos atrasaria.
Tendo reconhecido que os dois práticos que levávamos, os quais nos foram
mandados por intermédio do Sr. Capitão de Fragata, Comandante da flotilha e
Capitão do Porto, a quem requisitei, em ofício sob n° 49, de 31 de maio,
mostravam conhecer o Rio, e de combinação com o Sr. Comandante Vale, resolvi
navegar também toda a noite, afim de com a máxima urgência chegarmos à Boca do Rio
Javari. Passamos às três horas da manhã pela Boca do Rio Purus às cinco horas
da tarde pela cidade de Codajás, situada à margem esquerda do Rio Solimões. Às
oito horas da manhã do dia 14 parou-se na ponta da Ilha de Cutiá, afim de
concertar-se a máquina do aviso “Tocantins”,
e ao meio-dia continuou-se a viagem.
Às 14h do dia 16 passou-se pela boca do Rio Juruá, e às 9h15 do dia 17
parou-se para fazer um pequeno reparo na máquina do aviso, seguindo-se viagem às
11h20. Às 17h30 desse dia passou-se pela Boca do Rio Jutaí. Ao meio-dia do dia
18 passou-se pela Boca do Rio Tocantins
(Tonantins) e ás 16h pela do Rio Içá ou Potumayo.
Finalmente, às 6h10 do dia 21 entrou-se na Boca do Rio Javari, amarrando-se
em sua margem direita, afim de fazer-se observações. É este Rio afluente da
margem direita do Rio Solimões e tem três Bocas, as quais são formadas pelas
ilhas Petrópolis e Islândia. 7h30 fizemos observações para determinar as
coordenadas astronômicas e achamos para:
— Latitude: 4°21’06”, Sul.
— Longitude: 69°57’30” Oeste Gw.
— Variação da agulha: 5°56’ NE.
— Altitude: 71,8 metros.
Às 8h saiu-se e às 13h20 chegou-se à Boca do Rio Itecuai afluente da margem
direita do Rio Javari. Foi a distância compreendida entre as Bocas dos Rios
Javari e Itecuai percorrida pelo aviso “Tocantins”
com 80 libras de pressão e 184 rotações por minuto.
O Sr. engenheiro Lopo Netto foi encarregado do levantamento do Rio em seus
menores detalhes, devendo mencionar além dos acidentes do Rio, todos os
barracões e barracas de seringueiro, utilizando-se de uma bússola e um
cronômetro, o que quer dizer ser o levantamento feito por abscissas e
ordenadas.
Reconhecendo não poder o aviso subir mais o Rio Javari, porquanto no lugar
denominado Cachoeira com dificuldade passavam lanchas cujos calados não fossem
superiores a um metro, e necessitando de reparos urgentes o cilindro de baixa
pressão da máquina do aviso resolvi deixá-lo aí e passar-me com todo o pessoal
para a lancha Taruman, devendo o aviso fornecer-lhe maquinistas, foguistas e
marinheiros suficientes para tripulá-la.
Na noite desse dia fizemos observações da passagem pelo Meridiano da
Estrela α2 do Centauro e
da ocultação do 4° satélite de Júpiter, cujo instante do fenômeno não pode ser
bem apreciado por causa da excessiva umidade atmosférica.
No dia seguinte fizemos observações pela manhã, ao meio·dia e à noite, e
determinamos a posição do lugar cuja média deu o seguinte resultado:
— Latitude: 4°21’09” Sul.
— Longitude: 70°12’56” Oeste Gw.
— Variação da agulha: 5°54’ NE.
— Altitude: 73,3 metros.
Foi o Rio Itecuai levantado até seis milhas distante de sua Foz e está todo
habitado, bem como os seus tributários por cearenses e peruanos.
Suas águas são brancas e barrentas e não é sadio. Tem uma população
superior a 1.500 pessoas, as quais se dedicam à industria extrativa da seringa
e do caucho, notando-se que a deste é ¾ da produção do Rio.
Concluídos os preparativos, combinei com o Sr. Comandante Vale a saída para
a manhã do dia 23. Desse lugar vos passei um telegrama no qual comunicava a
chegada da Comissão à boca do Rio Itecuai e a saída para o Rio Galvez.
Terminaram na Boca do Itecuai os serviços profissionais dos dois práticos que
trouxeram o aviso, um dos quais mandei regressar para Manaus, conservando o
outro para atender a qualquer necessidade urgente do navio, e contratei, para
levar a lancha Taruman até a Boca do Rio Galvez e pelo Rio Jaquirana até onde
permitisse a altura das águas, o Sr. Francisco Barbosa, único prático de carta
deste trecho do Rio. Foi o Sr. engenheiro Lopo Netto encarregado da continuação
do levantamento do Rio.
Às 8h do dia 23, estando pronta a máquina da lancha Taruman, seguiu a Expedição
em demanda da Boca do Rio Galvez.
Levava a lancha Taruman amarrado ao seu costado de Boreste o batelão e do
outro lado e pela popa as seis canoas. Ia sob o comando do Sr. Capitão-Tenente Vale,
e como maquinistas e foguistas serviam os do aviso, o qual ficou fundeá-lo na Boca
do Rio Itecuai, procedendo aos reparos indispensáveis e aguardando água, afim
de subir até onde permitisse o seu calado. Gastamos doze dias nesta travessia,
navegando de seis horas da manhã às seis da tarde, não só por causa do trabalho
de levantamento, como também por causa do estado do Rio, que estava quase em
sua maior vazante.
Muitos foram os obstáculos encontrados, dos quais nos desembaraçamos com
sacrifício, é verdade, porém com rara felicidade, sendo o mais importante o
encalhe da lancha “Taruman”, às 15h45
do dia 24, na praia do Lamarão, gastando-se seis horas de trabalho para safá-la
e tendo-se necessidade de aliviá-la de quase toda a carga.
Assinalei no mapa a foz do Galvez onde o Rio
Javari muda de nome para Jaquirana. Os mapas do IBGE erram ao nomear como
Javari o trecho do Rio a montante da foz do dito Galvez e os mapas multimodais
do DNIT, simplesmente omitem o nome do Rio Javari além de trocar o nome de Batã
(ou Bathan) para Basã. (Hiram Reis)
Chegados que fomos ao Galvez, mandei o Destacamento abarracar em terra e
tratei de preparar as canoas para continuar a viagem, já que o estado de
vazante do Rio Jaquirana, não permitia a entrada da lancha. Deste lugar vos
dirigi em oito de Julho, o seguinte ofício, dando-vos parte do ocorrido até
esta data:
N° 18 A. — Comissão de Limites entre o
Brasil e a Bolívia.
Foz do Rio Jaquirana, 8 de julho de 1897.
Ao Sr. General Ministro das Relações
Exteriores.
Em 21 de junho próximo passado cheguei à Boca
do Rio Itecuai com toda a Expedição que faz a Re-exploração deste Rio, conforme
vos comuniquei em telegrama de 22 do mesmo mês.
No dia 23 de junho partiu a Expedição para a
Boca do Rio Jaquirana na lancha “Taruman”,
rebocando um batelão e seis canoas visto as águas do Rio Javari terem baixado
extraordinariamente, não permitindo subir o aviso “Tocantins” que a conduziu, bem assim o seu material, até a Foz do Rio
Itecuai, onde fica esperando a cheia para subir em busca da Expedição que,
espero, estará de volta nessa época.
Desde a Boca do Rio Javari tenho feito
levantar uma Carta do Rio com toda a minuciosidade e detalhes. O Rio conserva
até aqui a mesma diretriz, estando apenas alteradas as sua curvas, conservando,
porém, as mesmas formas, abrindo umas e apertando outras. Há ilhas que desapareceram e curvas que foram cortadas, formando novas ilhas. Em geral o novo
levantamento acompanha perfeitamente o feito pela Comissão de 1864. A viagem
até aqui foi penosa em vista dos repetidos encalhes que sofreu a lancha “Taruman” devido à extraordinária baixa
do Rio Javari, que está quase na sua maior vazante, aumentando por isso os
trabalhos do pessoal, que foram algumas vezes, ao sacrifício.
Chegou a Expedição, no dia 5 do corrente
mês, a este Porto (Boca do Galvez) gastando doze dias na subida.
Imediatamente mandei preparar as canoas para subir o Jaquirana, que nesta época
do ano não dá navegação à lancha a vapor, e, enquanto isso se fez ordenei o
levantamento do Rio Galvez até algumas milhas de sua Foz. Efetivamente foi este
Rio levantado até seis milhas da sua Foz com o Javari e bem assim foi medida a
velocidade de sua correnteza e o volume de sua descarga d’água.
Tem o Galvez 197,443 m3 de volume
de descarga d’água, por segundo, na sua Foz, e o Jaquirana 552,380 m3,
também por segundo. Comparados estes resultados, vê-se que o Jaquirana, é
incontestavelmente a continuação do Javari, porque, além do seu maior volume d’água,
a sua cor é a mesma que a do Javari, sendo preta a cor das águas do Rio Galvez.
Este Rio não é habitado até o ponto a que chegou o seu levantamento e daí em
diante não há moradores, segundo informações aqui colhidas. É doentio e não
possui seringa; houve porém em tempos, caucho nas suas terras altas, mas esse
concluiu-se e os caucheiros retiraram-se para os Rios Jutaí e Juruá, onde hoje
se explora essa indústria.
As observações astronômicas, para bem
determinar as coordenadas deste ponto estão sendo feitas com o maior cuidado e
por diversos métodos, pois elas servirão, na volta, para fechar o circuito das
Longitudes e assim poder determinar o grau de exatidão das observações, bem
como o estado dos cronômetros. Pouca é a diferença que tenho encontrado com a
achada pela Comissão de 1864. Principalmente em relação à Latitude. Faço seguir
hoje a lancha “Taruman” para a Boca
do Rio Itecuai, onde esperará a cheia do Rio para subir conjuntamente com o
aviso “Tocantins” até onde permitir o
estado das águas, afim de transportar a Comissão para Manaus.
Concluídos que sejam os preparativos das
canoas, espero subir o Rio Jaquirana no dia 10 do corrente mês, pela manhã,
continuando o levantamento rigoroso do Rio até onde for possível navegando-se
em canoas e daí em diante continuarei o trabalho por terra, margeando o Rio
tanto quanto puder.
O estado sanitário é satisfatório; tem
havido apenas alguns casos de febre palustre e perturbações gastrointestinais.
— Saúde e fraternidade.
(Assinado) Augusto da Cunha Gomes, Capitão-Tenente,
2° Comissário.
Demoramo-nos na Boca do Rio Galvez até o dia 10 de julho, sendo este tempo
ocupado em observações do Sol, Lua e estrelas, afim de bem determinarmos a sua
posição, e dos resultados obtidos tomamos a média seguinte:
— Latitude: 5°10’17,5” Sul.
— Longitude: 72°52’36” Oeste Gw.
— Variação da Agulha: 6°32’ NE.
— Altitude: 101,6 metros.
Também foi determinada a marcha das canoas em águas tranquilas, tendo assim
uma base para bem poder avaliar o caminho feito por dia e comparar depois as
posições astronômicas e estimada dos diversos pontos. Tendo verificado ser o
Jaquirana a continuação do Rio Javari e retificados os estados absolutos e
marchas diurnas dos cronômetros, saímos às 7h daquele dia nas seis canoas,
tripuladas por cinco soldados cada uma, indo elas carregadas com as mercadorias
necessárias para um rancho de 75 dias.
Em cada canoa seguia um membro da Comissão, armamento, um cunhete com 500
tiros e a tela de arame necessária para cobertura, caso tivéssemos de repelir
algum ataque de índios, precaução essa necessária, porquanto íamos entrar em
zona pouco conhecida.
Com doze dias de viagem, cortando muitos paus e fazendo de oito a 14 milhas
por dia, alcançamos o Barracão Lontananza, situado à margem esquerda do Rio
Jaquirana e pertencente ao peruano Dom José da Encarnação Rojas e aí nos
demoramos um dia, não só para fazermos observações, como também dar um pouco de
descanso ao pessoal, que achava-se bastante enfraquecido por não estar
acostumado a serviços desta natureza.
Durante a noite fizemos observações da passagem meridiana do Antares (α do Escorpião)
e altura de Júpiter, dando-nos o seguinte para as coordenada astronômicas:
— Latitude: 6°12’00” Sul.
— Longitude: 73°09’28,5” Oeste Gw.
Por onde verificamos ser este o ponto denominado na Carta da Comissão de
1864 — Barreira do Martins.
Às 9h50 do dia 22, depois de agradecermos a franca hospedagem, seguimos, em
continuação de nossa viagem, já lutando com mais dificuldades materiais, sendo
preciso cortar maior número de troncos de árvores e arrastar as canoas sobre
bancos de areia, devido a pouca profundidade do Rio, que estava em sua maior
vazante, até que, às 15h do dia 29, chegamos à Boca do Rio Batã ou Paissandu,
afluente da margem direita.
É o Rio Jaquirana, no espaço compreendido entre a sua Boca e a do Rio Batã
ou Paissandu, ainda bastante largo, porém muito sinuoso e correntozo, e em suas
margens encontram-se grandes depósitos de turfa em perfeita formação e de grés
de diversas cores, sobressaindo a vermelha, indícios estes que bem classificam
a formação geológica desta zona. Durante esta travessia apareceram nas
barrancas das margens e nas praias vestígios de índios que seguiam a Expedição,
pelo que fomos obrigados a tomar sérias precauções, afim de evitarmos uma
surpresa da parte deles.
Na boca do Rio Batã ou Paissandu, fizemos observações do Sol e da passagem
pelo Meridiano da estrela Antares e achamos para as suas coordenadas o
seguinte:
— Latitude: 6°32’04,5’ Sul.
— Longitude: 73°16’23,5” Oeste Gw.
— Variação da Agulha: 6°48’ NE.
— Altitude: 167,8 metros.
Foi o Rio Batã estudado e levantado até o Barracão do peruano D. Ramirez,
situado à milha e meia de sua Boca, afim de determinar-se a sua diretriz e
medir a velocidade e seu volume de descarga d’água.
Igual serviço foi feito no Rio Jaquirana.
No dia 31 de Julho, às 6h45, depois de distribuído o café e aguardente,
seguimos Rio Jaquirana acima, em continuação de nossa viagem e em demanda de Seis-Solis,
primeira barraca habitada depois da Boca do Rio Batã ou Paissandu.
O Rio diminui bastante de largura, aumentando, porém a sua velocidade e
sendo a vegetação mais abundante.
As dificuldades de subida foram crescendo de dia a dia, porque a todo o
momento era preciso cortar grandes troncos de árvores lançados no leito do Rio,
arrancar outros do fundo e fazer canal em coroas de areia e cascalho, para dar
passo às canoas, bem como passar por baixo de outros, sendo necessário retirar
as coberturas de palha, serviço este muito moroso e por demais penoso para um
pessoal bisonho e não acostumado a esta natureza de trabalho.
Finalmente, depois de oito dias de viagem, andando as canoas de 4 a 8
milhas diárias, chegamos, às 16h50 do dia 7 de Agosto, a Seis-Solis ou Nueva
Estación, que é uma Barraca situada na margem direita do Rio Jaquirana,
habitada apenas pelo peruano Moysés Lopes, que tem como companheiros três
índios, dois pequenos e um velho, sendo dois da tribo dos Rhemus e um da dos
Capanauas.
Verdadeira surpresa causou ao peruano a chegada da Expedição nesse lugar,
porquanto, conhecedor do Rio Jaquirana, bem avaliou os enormes sacrifícios
experimentados; sentimo-nos orgulhosos com as francas e espontâneas
manifestações de admiração por ele feitas, o que de alguma forma veio suavizar
o muito que tínhamos sofrido.
Seguidos constantemente por índios, chegando em alguns lugares a nos
aproveitarmos, para descanso dos soldados, das suas barracas feitas nas praias;
obrigados a andar constantemente molhados por causa das continuas avarias das
canoas, motivadas pelos muitos obstáculos naturais encontrados no leito do Rio;
sem comodidades de espécie alguma, porquanto, fastidiosa já era a nossa posição
em canoas, cujas toldas de palha mal davam para nos abrigar dos horrores, do
tempo; mal alimentados, não só pela má qualidade das mercadorias que já,
começavam a sentir os efeitos da umidade excessiva, como também da quantidade,
diminuída por força maior proveniente das alagações das canoas; são trabalhos
que somente pode avaliar quem já experimentou, e eis por que nos sentimos
satisfeitos com estas manifestações sinceras espontâneas.
Em Seis-Solis nos demoramos um dia, não só para fazermos observações e
determinarmos as suas coordenadas astronômicas, como também consertarmos duas
canoas que faziam muita água, por terem-se arrombado ao passar por cima de um
tronco de árvore colocado no leito do Rio. Observamos o Sol e a passagem pelo
Meridiano da estrela Antares e achamos o seguinte para as suas coordenadas:
— Latitude: 6°42’10” Sul.
— Longitude: 73°31’21” Oeste Gw.
— Variação da Agulha: 7°03’ NE.
— Altitude: 199,6 metros.
No dia seguinte, 8 de Agosto, às 15h05, continuamos a subida do Rio
Jaquirana em direção ao Rayo, último ponto habitado. As dificuldades materiais
aumentavam a medida que a Expedição subia o Rio, bem como diminuíam com elas as
distâncias percorridas diariamente.
O Rio continuava baixando e com sacrifício passavam as canoas por cima dos
bancos de areia e troncos de paus; eram mais carregadas do que remadas.
O pessoal seguia muito fatigado e extenuado pelo esforço constante que
fazia em arrastá-las. Muitos foram os troncos de árvores encontrados no leito
do Rio, gastando-se dias em cortá-los, para dar caminho à Expedição, como
aconteceu com uma enorme Samaúma de 64 metros de tronco e 2,05 de diâmetro,
cujo trabalho durou 18 horas de serviço contínuo, demorando-nos a passagem por
48 horas.
Foi ela fotografada afim de se poder bem avaliar do seu tamanho.
Finalmente, depois de 12 dias de viagem, andando diariamente de 2 a 7
milhas, conseguimos, às 10h do dia 21, chegar ao Rayo, último ponto habitado
por caucheiros, em geral índios domesticados, pertencentes às raças peruanas,
como sejam: Chamacocos, Pinas e Campas. O Rio estreita-se bastante, variando a
sua largura de 8 a 12 metros; tem, porém, pouco fundo e continua muito correntozo.
O seu leito, em geral, está formado; encontram-se em suas margens grandes
depósitos de argila e grés em franca formação.
É de uma exuberância notável a floresta sobre as margens do Rio, que já se
apresenta sem barrancos, tocando-se pelas extremidades, formando túnel os ramos
dessas árvores seculares, viajando-se horas inteiras em plena sombra. Difíceis
são as passagens por estes lugares, tendo-se de abrir caminho a facão e a
foice, porque muitos galhos de árvores se cruzam e entrelaçam, tornando-se em
verdadeiros cerrados.
Encontrou-se com a Expedição o Sr. Dr. José Encarnación Rojas,
proprietário do Barracão Lontananza, que andava em exploração do caucho e que
nos cedeu alguns víveres em substituição de outros que se tinham inutilizado
com as inúmeras alagações das canoas. É um perfeito cavalheiro este peruano e o
seu concurso nos foi muito aproveitável porquanto entre os seus remadores
achava-se um índio Capanaua, já domesticado, que muito bons serviços nos
prestou, anunciando a presença de seus companheiros de tribo, e a ele devemos
não sermos surpreendidos com algum ataque, por prevenirmo-nos com antecedência.
Exploradas minuciosamente foram as margens do Rio, sobretudo a direita,
porquanto nos aproximávamos do ponto onde devia existir o Marco colocado, em
1874, pelo Sr. Barão de Tefé, não se encontrando, até o Rayo, vestígio algum de
semelhante trabalho. Nesse lugar nos demoramos três dias e durante esse tempo
fizemos observações de séries de alturas do Sol, passagem meridiana das
estrelas Altaïr (α da Águia) e
Vega (α da Lyra) e
Circum-meridiana do Sol, e dos resultados obtidos tomamos a média:
— Latitude: 7°01’21” Sul.
— Longitude: 73°43’21”, Oeste Gw.
— Variação da agulha: 7°47’18” NE.
— Altitude: 250,7 metros.
Estávamos, portanto, no Paralelo onde pela Comissão de 1874 devia achar-se
a nascente do Rio Javari, porquanto insignificante era a diferença de 3,5”
encontrada para mais da Latitude achada por aquela Comissão, e, verificando
pela medição feita, ser ainda de 4,08 metros quadrados a seção de vazante do Rio
nesse lugar, a largura de 12,95 metros, uma descarga, de água de 145,5 metro
cúbicos por minuto e velocidade média de correnteza de 35,36 metros também por
minuto, e sendo impossível seguir em canoas, não só pela pouca profundidade
encontrada, quantidade extraordinária de paus lançados em seu leito e frondosa
vegetação da margem, que em alguns pontos o fechava completamente, resolvi
continuar a exploração por terra, e por isto fiz descarregar as canoas e
depositar as mercadorias na melhor barraca ali existente.
Mandei o Sargento, Comandante da Força, designar o pessoal que devia
acompanhar a Comissão por terra e o que com ele ficaria guardando as canoas e
os víveres que tinha de deixar em depósito. Compunha-se este pessoal de 30
praças sendo 10 soldados de linha, 19 de polícia e um marinheiro nacional
dividido em quatro turmas uma para levar cronômetros e instrumentos de
observação; outra para a pequena bagagem dos membros da Comissão e ambulância;
outra para conduzir víveres e, finalmente, outra encarregada de abrir caminho
na mata. Levava cada soldado a sua respectiva carabina e 50 cartuchos
embalados.
Ficaram no Rayo o sargento e 5 praças, às quais recomendei toda a
vigilância possível, encarregando-as de zelar pelos víveres, porquanto não
podíamos esperar outros recursos a não ser esses que lhes confiávamos.
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²²
²
Às 9h30 do dia 24 de agosto, mandei formar toda a Força, expliquei-lhe o
que íamos tentar, quais o sacrifícios que devíamos suportar e, certo de que
todos saberiam cumprir com os seus deveres, saí com estes bravos companheiros
às 10h em demanda da verdadeira nascente do Rio Jaquirana, fim desta nossa
Comissão tendo antes da partida tirado uma fotografia de todo o pessoal. Pouco
foi o caminho percorrido neste primeiro dia, não só por não estar o pessoal
acostumado a esse gênero de trabalho, como também por ter o Sr. Dr. Lopo Netto,
ajudante da Comissão, sido acometido de uma síncope, motivada pela grande
fadiga que todos havia muito suportavam e cujos efeitos era natural que se
fizessem sentir.
Contudo, foi o caminho percorrido de 1.207 m, acampando em um pequeno
galpão, que mandei construir sobre moirões, coberto de palha, junto à margem do
Rio.
Estávamos em plena mata e éramos os primeiros homens civilizados que
penetravam nesse lugar, e cedo começávamos a sentir os efeitos de tão árdua
quão difícil jornada. Os índios continuavam a nos seguir, pelo que colocamos
duas sentinelas no acampamento, revezando-se os membros da Comissão em
observá-los, afim de que não fossemos surpreendidos por algum ataque. São estes
índios pertencentes à grande tribo antropófaga dos Capanauas, a mais feroz que
habita esta região.
Às 9h do dia seguinte, continuamos a viagem, depois do almoço, por não ser
possível sairmos mais cedo, porquanto nestes lugares os raios solares não
penetram e somente quando este astro se acha acima do horizonte é que se pode
apreciar os objetos, e por não nos convir perder o leito do Rio cujas
sinuosidades marginávamos. Continua este bastante correntozo, o que denota grande
declive.
Às 13h30 parou-se por ter o Rio se dividido em dois e termos de medir o seu
volume, afim de continuarmos pelo de mais pujança, tendo em vista a cor de suas
águas. Este trabalho nos deu o seguinte resultado: Galho da esquerda: largura
9,60 metros; seção de vazante 4,2 m2; 99,96 m3 de
descarga d’água por minuto e 23,8 m de velocidade de correnteza, também por
minuto. Galho da direita: largura 8,4 metros; seção de vazante 2,04 m2;
43,512 m3 de descarga d’água por minuto e 22,8 m de velocidade de
correnteza, também por minuto. Em vista deste resultado seguimos pelo galho da
esquerda, que é a continuação do Javari, e denominamos ao outro galho Rio da
Surpresa. Além disto a cor das águas deste Rio, conquanto claras, não se
assemelham às do outro galho, que tem a mesma cor com que na parte já conhecida
se apresenta.
Tem o Rio da Surpresa a diretriz, na sua Foz com o Jaquirana ou Alto-Javari,
de SO magnético e entra na margem peruana.
Acampamos na bifurcação, em um galpão, tendo andado 3.298 m. A noite foi
bastante chuvosa, o que muito nos fez sofrer, porquanto pouco descansou-se.
Os índios continuavam a nos seguir e mais se aproximavam do nosso
acampamento o que devéras (na
verdade,verdadeiramente) nos surpreendia, pois, não lhes tínhamos feito o menor
sinal de desagrado, parecendo-nos que se preparavam para, nos atacar quando
estivéssemos em lugar apropriado.
Aumentaram as precauções e fadiga, o que é muito natural, porquanto, de dia
lutávamos com trabalhos extraordinários para não nos afastarmos do leito do Rio,
sendo obrigados a subir e descer montanhas, algumas das quais bastante
íngremes, e à noite, que contávamos descansar, éramos obrigados a passá-la em
claro, por causa destes cruéis e valentes filhos desses lugares.
Saímos às 9h para continuarmos a viagem. Os espigões sucediam-se a todo o
momento e o pessoal ia bem fatigado, porquanto subia e descia serras de grande
altura com declives inacreditáveis. A alimentação estava bastante reduzida e
nem nos era dado o auxílio da caça, por ser uma temeridade, cercados como
estávamos de índios, destacar algum soldado para se entregar a isto, e assim
somente tínhamos de nos conformar, contando que fossem coroados de bom êxito os
nossos esforços.
Apesar de tudo isto, ninguém se queixava; pelo contrário, quanto mais
difícil se tornava o caminho mais nos animava a vontade de chegar ao lugar de
onde brota esse gigante que se chama o Javari. Foi o caminho percorrido de 4.011
m. Às 9h do dia 27 de Agosto, continuamos em demanda das cabeceiras do Rio
Javari.
O caminho tornava-se difícil e mesmo perigoso, pois o Vale se aperta e os
espigões da grande serra, que se apresenta ao longe, se multiplicam, formando
igarapés entre si, que nascem de suas grotas, de um e outro lado do Rio.
Dez minutos depois da saída nos detivemos porque o Rio se divide em dois e
fomos obrigados a medir os seus volumes de descarga de água. Tem o Jaquirana ou
Alto-Javari ainda dez metros de largura, uma seção de vazante d 3,5 m2,
uma descarga de água de 52,1 m3 por minuto, uma velocidade média de
correnteza de 14,6 metros também por minuto e segue ao rumo SO magnético.
O outro Rio tem água preta, razão pela qual não pode incontestavelmente ser
a continuação do Jaquirana, corre ao rumo SE magnético, tem oito metros de
largura, uma seção de vazante de 1,04 m2, uma de carga de 12,69 m3
por minuto, e uma velocidade média de correnteza de 12,2 metros também
por minuto.
Às 10h30 continuou-se a viagem. É o Rio Jaquirana já um pequeno córrego, e
tanto assim que mandei um soldado seguir pelo leito do Rio enquanto o pessoal
se aproximava o mais que podia de suas margens, medida essa útil e proveitosa,
e cujos benéficos resultados mais de uma vez tivemos de apreciar.
Nas grotas as travessias eram feitas em cima de simples troncos de árvores
lançados de uma à outra margem, tendo o pessoal necessidade de fazer prodígio
de equilíbrio para passar carregando os seus fardos.
As cabeceiras do Rio Javari não podiam estar longe por causa da enorme
correnteza do Rio, dos seus afluentes e dos inúmeros igarapés, que de ambas as
margens entram nele.
Foi extraordinariamente fatigante a marcha nesse dia pelas repetidas
subidas e descidas da serra.
Às duas horas da tarde acampou todo o pessoal na margem do Rio, em um
galpão pequeno, construído de modo a abrigá-lo da chuva.
Os índios muito se aproximaram, sendo encontrado por um soldado um que,
pelo modo por que foi visto, parecia vir observar o que fazíamos.
Foi esta a pior noite que passamos nesta viagem, porquanto ninguém dormiu e
a toda hora esperávamos o encontro com os terríveis habitantes e senhores dos
lugares. Foi de 4.489 m o caminho percorrido.
No dia seguinte, 29 de agosto, às 9 horas, levantamos acampamento. O Vale
continua a apertar-se mais pela margem direita; pela esquerda afasta-se um
pouco, formando um buritizal de pequena extensão; os dois contrafortes
principiam a levantar-se diante de nós formando o Vale do Alto-Javari, dando
apenas passo ao Rio, que já é uma torrente estreita e de violenta correnteza.
O pessoal ia extenuado porque caminhava por estradas ou simples picadas
difíceis e perigosas, abertas a facão e foice margeando verdadeiros precipícios
de centena de metros de altura, que diminuíam a já penosa marcha.Foi o caminho
per corrido de 3.075 m.
Durante a noite mais se acentuaram o sinais dos índios, chegando até bem
perto do acampamento seus gritos imitando jacamins, mutuns e outras aves, pelo
que fomos, ainda mais uma vez, obrigados a aumentar, se é que era possível, a
vigilância.
Temíveis são esses inimigos, que muito nos fatigam, porquanto escolhem a
noite para se aproximarem, sem felizmente nada nos ter ainda sucedido.
Desconfio ser a causa deste modo de proceder o de não termos lhes feito a menor
demonstração de desagrado e conseguirmos o enorme sacrifício de passarmos pelo
meio de suas roças de mandioca, batatas e banana, sem nos utilizarmos de nenhum
desses frutos, o que é realmente para admirar, porquanto já sofríamos fome, por
não mais podermos suportar as latas que trazíamos e que representavam o único
alimento susceptível nestas travessias.
Às 9h do dia seguinte continuamos a viagem, sendo o caminho mais sobre a
montanha do que no Vale. O Rio, conquanto demasiadamente sinuoso, já se
apresenta em forma de corredeira, sem contudo fazer o ruído que lhe é peculiar
sendo enorme a sua correnteza e pequena a profundidade.
O sacrifício era enorme para todos; mesmo assim, estavam de desejosos de
ver a nascente do Rio, ideia que dominava todo o pessoal desta Expedição. Foi o
caminho percorrido então de 4.843,5 metros. Abarracamos às 14 horas na margem
do Rio e toda a noite fomos perseguidos pelos sinais dos índios que, embora nos
cercando, ainda não nos tinham feito o menor sinal de desagrado. Às 9h dia
seguinte partiu a Expedição seguindo por caminhos montanhosos e perigosos,
passando grotas e espigões sobre simples troncos de árvores, lançados na
ocasião de margem a margem.
Às 11h passamos por uma esplêndida queda d’água de 10,5 metros de altura, a
qual foi denominada cachoeira da Esperança. Estávamos nas cabeceiras do Rio
Javari, tais eram os indícios que se observavam. Às 14h40 acampou-se por causa
de enorme tempestade.
Tudo tínhamos encontrado nesta mata e o que mais nos fazia sofrer era a
chuva, porquanto não tínhamos onde nos abrigar e nem ao menos os raios solares
para enxugar as nossas roupas, as quais eram secas ao calor do fogo, já que a
pujança da vegetação não permitia a entrada do Sol, por caminharmos em grande
túnel formado pelos ramos de colossais e seculares árvores. Foi o caminho
percorrido durante esse dia de 4.125 m.
Às 9h do dia 31 de Agosto, seguimos em busca da nascente do Rio Javari,
subindo logo enorme contraforte, que foi descido em seguida, e assim
continuou-se cruzando grotas profundas, onde os igarapés se lançavam em
precipitada torrente, formando algumas cachoeiras até que às 10h30, chegou a Expedição,
com geral contentamento de todos, à nascente ou principais vertedouros do Rio
Jaquirana ou Alto-Javari, que corre em leito arenoso e de pedra.
Nasce o Rio Jaquirana ou Alto-Javari, de dois olhos d’água ou vertedouros,
no fundo de uma grande grota formada por dois altos contrafortes de uma grande
serra, que suponho ser um dos contrafortes mais Orientais dos Andes. Aos 66
metros de distância, esses dois vertedouros se reúnem, formando pequeno regato,
que cai em cachoeira de 4,5 metros de altura, deixando em sua base pequena Bacia.
Segue pela grota abaixo em córrego encachoeirado, recebendo, de um e outro
lado filetes d’água, até a distância de 198 metros, onde se precipita formando
uma queda d’água de 12 metros de altura. Continua em torrente encachoeirada e
violenta por mais 5 metros, dividindo-se ai em duas fortes quedas d’água, tendo
a da direita 27,8 metros de altura e a da esquerda 37,3 metros também de altura
as quais formam em sua base uma bela Bacia, cavada em leito de pedra.
Da Bacia segue o Javari em regato encachoeirado, recebendo, de ambos os
lados da grota, novos filetes d’água que vão engrossando o seu volume, até que
entra, no Vale, aonde nos acampamos, tendo antes mandado derribar muitas
árvores em um raio de 50 metros, afim de poder proceder as observações
necessárias.
Estava terminada a nossa Expedição, cujo resultado a todos encheu de vivo
contentamento, manifestado não só por termos, embora com sacrifícios,
descoberto a nascente do Rio como também pelo majestoso panorama que se nos
apresentava.
Nos demoramos neste lugar dois dias, os quais foram ocupados em observações
do Sol, estrela Altaïr (α da Águia) e
planeta Vênus, afim de assinalarmos a sua posição astronômica de cujos
resultados tomamos a média seguinte:
— Latitude: 70°11’48,10” Sul.
— Longitude: 73°47’44,5” Oeste Gw.
— Variação da agulha: 7°51’44” NE.
— Altitude: 502,1 metros.
Concluído que
foi este trabalho e o levantamento do Rio até a sua nascente, e desejando
revestir de toda a solenidade um fato tão notável, fizemos a Ata do
descobrimento da nascente do Rio Javari a qual foi assinada por todos o membros
da Comissão, inferiores e praças do contingente, cujo original vos foi remetido
de Manaus e lida pelo Sr. 2° Ajudante em frente ao destacamento, que se achava
formado e de cabeça descoberta.
Finda essa
leitura, mandei dar três descargas, e, depois de breve e significativa fala,
dei — um viva ao Brasil —, o primeiro levantado nestas longínquas e virgens
florestas, o qual foi por todos correspondido com entusiasmo.
Estava
portanto, cumprido o determinado no despacho n° 1, de 8 de abril do ano
passado, deixando somente de colocar um Marco na nascente do Rio Javari,
porque, sendo esta uma grande serra, cujas coordenadas geográficas foram
determinadas, ficava por isso mais que assinalada.
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Às 9h, do dia
2 de Setembro, deixamos o acampamento feito na nascente do Rio e regressamos
para o Rayo. Andamos até às 14h, ocasião em que acampamos por causa de enorme
tempestade que desabou.
Os índios, de
cuja presença nos julgávamos livres por não se terem mostrado durante o tempo
que nos conservamos na nascente do Rio, tornaram a aparecer e vieram até muito
perto do nosso acampamento, imitando grito, de aves, tais como Mutuns, Jacamins
etc.
Às 6h do dia
seguinte partimos e às 18h do mesmo dia, chegamos ao Rayo. Foi uma viagem
bastante penosa essa de regresso, não só por causa do tempo, que se conservou
sempre nublado e de aguaceiros, transformando o caminho em verdadeiro lamaçal,
como também pelo grande esforço feito em percorrer tantas milhas em tão pouco
tempo.
No Rayo
encontramos o Sargento e os Soldados, que ficaram tomando conta dos víveres sem
novidade.
À meia-noite
fomos despertados pelo Sargento, por ter este descoberto sombras de índios, que
se moviam em direção ao nosso acampamento.
Estavam
realizadas as nossas previsões e íamos ser obrigados a castigar a ousadia
destes selvagens, que tanto nos têm perseguido. Não obstante a manifesta
atitude por eles mostrada, contudo, quis ainda amedrontá-los. Mandei para isto
dispor todo o destacamento em forma de semi-círculo, conservando pela
retaguarda o Rio para no servir de retirada caso a isto fôssemos obrigados, e
ordenei uma descarga para o ar. Como, não se atemorizassem e continuassem a se
aproximar do nosso acampamento, recebeu então o destacamento ordem de fazer
fogo na direção em que se achavam e somente depois de uns cinco minutos de
fuzilaria é que se retiraram, dando gritos de ensurdecer. Vinham armados de
tacapes e a isto devemos nada nos ter acontecido. Foi mais uma noite de vigília
porquanto impossível foi conciliar o sono, ficando todo o destacamento alerta
para repelir qualquer outro ataque, que felizmente não realizou-se.
No dia
seguinte, depois de feitas as observações necessárias e preparadas todas as
canoas procedeu-se à chamada de todas as praças que formavam o contingente e
notou-se a ausência do soldado de polícia de nome João Ferreira. Foram dadas a
ordens no sentido de ser ele procurado e, depois de três horas de trabalho,
voltaram os seus companheiros sem o terem encontrado.
Das
averiguações procedidas, consegui saber ter ele declarado não mais voltar a
Manaus e que ficaria feito caucheiro, por tirar melhores vantagens,
pecuniárias. Preferiu ficar esquecido a regressar com os seus camaradas!
Entreguei ao Sargento a carabina e o capote que lhe pertenciam, afim de, em
Manaus, serem remetidos para o respectivo quartel.
Às 11h30,
saímos e chegamos, às 10h20 do dia 6 de setembro, a Seis-Solis ou Nueva Estación, onde nos demoramos
até 13h35 do mesmo dia, ocasião em que saímos em direção à Boca do Rio Batã ou Paissandu,
onde chegamos às 16h15 do dia 7 de Setembro. O Rio tomou um repiquete, de modo
a ser mais rápida a nossa viagem, andando as canoas quatro milhas por hora.
É mais penosa
a descida do que a subida. Qualquer descuido ou vacilação acarreta prejuízos e
os cuidados aumentam por causa disto. Felizmente não mais apareceram vestígios
de índios, parecendo-nos terem perdido algum chefe no encontro que conosco
tiveram no Rayo. Ficamos finalmente livres de suas presenças. Apesar disto
continuamos com a mesma vigilância, pois nada havia a esperar de tão pérfido
inimigo.
No Rio Batã ou
Paissandu nos demoramos até 13h50 do dia 8 para fazermos as observações
necessárias e dar um pouco de descanso ao pessoal, que se achava bastante
enfraquecido. Foi a distância entre esse Rio e o Barracão Lontananza percorrida
em dois dias, de modo a chegarmos às 15h35 do dia 10 a este lugar.
Reconhecendo
necessitar o pessoal de algum descanso, resolvi aceitar a hospedagem feita pelo
seu proprietário D. José da Encarnação Rojas e ali me demorei até 13h do dia
12, ocasião em que saímos em demanda da Boca do Rio Galvez. Agradecemos a esse
senhor as finezas dispensadas à Comissão e em sua mão compramos alguns víveres,
que vieram substituir outros inutilizados, quer pela umidade, quer pela
alagação das canoas.
Como o Rio
continuasse a receber água, resolvi aproveitar a sua correnteza boas condições
do pessoal e somente me demorei o tempo necessário para almoço e dormida,
conseguindo, ás 17h30 do dia 15 de Setembro, chegar à Boca do Rio Galvez, onde
encontrei fundeado o aviso Tocantins, que desde o dia 10 nos aguardava.
Estava
terminada, depois de 67 dias de viagem em canoas, a parte mais importante e
difícil de nossa Comissão e, conquanto o pessoal chegasse bastante
enfraquecido, contudo não tivemos desastre algum a lamentar. Fomos recebidos
pelo pessoal do aviso Tocantins com sinceras manifestações de contentamento, o
que era de esperar, porquanto nem todos supunham regressar, em vista do que
tinha acontecido às duas Comissões encarregadas em 1864 e 1874 de levar a
efeito tão notável quão arriscada incumbência.
Na Boca do Rio
Galvez nos demoramos até o dia 17, sendo este tempo empregado em preparativos
de descida e em observações astronômicas, cujas diferenças nos cálculos
encontrada, com as feitas de subida, foram insignificantes, o que muito nos
alegrou, por podermos fazer ideia do estado dos cronômetros e assim apreciarmos
o grau de exatidão dos cálculos efetuados.
Sendo difícil
o transporte das canoas, em vista do seu estado, que não permitia irem a
reboque e não possuindo o aviso espaço suficiente para levá-las dentro ou no
costado, resolvi aceitar o oferecimento feito pelo Sr. Alfredo Soares da
Fonseca, possuidor de um Seringal situado na busca do Rio Jaquirana, relativo à
compra de cinco delas, a preço de 300$000 cada uma.
O Governo nada
perdeu com esta venda, porquanto ao chegar a Expedição a Manaus, necessitariam
de conserto quase igual ao seu custo, afora o indispensável para a sua
conservação.
Às 6h do dia
17, suspendeu o aviso Tocantins, levando amarrado ao seu costado de Boreste o
batelão, e, depois de fazer cabeça por Bombordo, seguiu em demanda da boca do Rio
Itecuai.
Era enorme a
alegria que todos manifestavam, quer por não termos perdido nenhum companheiro,
apesar da fama de doentio de que goza este Rio, quer pela viagem, que já se
fazia em melhores condições de passadio e comodidade.
É mais difícil
a viagem de descida, principalmente em um navio rebocando; graças, porém, aos
esforços do Sr. Comandante Vale e à perícia do Prático Barbosa, conseguimos, às
20h30 do dia 21 de Setembro, chegar à Boca do Rio Itecuai.
Durante esta
travessia partiu-se o êmbolo do cilindro de baixa pressão da máquina do aviso
e, reconhecendo acharem-se também partidas as molas que o comprimem, foi o êmbolo
engachetado, trabalho bem feito e único possível, em vista dos recursos que
possuíamos, e executado pelo maquinista Leonardo Paula de Farias e Casimiro José
de Araujo, os quais são dignos de elogios pelo muito que fizeram, não só no
aviso, como também na lancha Taruman.
Na Boca do Rio
Itecuai terminaram os serviços profissionais do Prático Barbosa, a quem
agradeci os serviços prestados, tendo sido satisfeito de seus honorários
correspondentes ao tempo que serviu na Comissão e na importância de 600$000.
Achando-se prontas as observações astronômicas feitas neste lugar e paga as
contas das despesas feitas pelo aviso, combinei com o respectivo Comandante a
saída para a madrugada de 23 de setembro.
Efetivamente
às 3h desse dia suspendeu o aviso, levando amarrado ao costado de Boreste o
batelão e ao de Bombordo, a lancha Taruman, e, depois de fazer cabeça por
Boreste, seguiu em demanda da Boca do Rio Javari, onde chegamos e amarramo-nos
em sua margem direita às 6h45 deste mesmo dia. Aí nos demoramos até 8h somente
para fazermos observações continuando a viagem em direção ao Porto de Manaus. Estava
terminada a nossa Comissão e satisfeito o determinado em vosso telegrama de 23
de maio.
Como
possuíssemos um Prático e em vista do estado de vazante do Rio Solimões
combinei com o Sr. Comandante do aviso navegarmos até o anoitecer, suspender
pela madrugada e tão somente atracarmos nos pontos onde tivemos de receber lenha,
já que o carvão que possuíamos não nos dava até Manaus. Foi a viagem até esta
cidade feita nas melhores condições possíveis, desenvolvendo-se bem a máquina
do aviso e imprimindo uma velocidade média de 10 milhas por hora. Muitos são os
consertos de que já carece a máquina desse navio, os quais somente poderão ser
feitos no Arsenal de Marinha do Pará ou nas oficinas particulares de Manaus.
Às 15h30 do
dia 25 de setembro passamos pela Boca do Rio Jutaí e às 13h30 do dia seguinte
pela do Rio Tefé, gastando-se 12 horas para chegarmos a Coari. Às 8h30 do dia
29 passou e pela cidade de Codajás e quatro horas e meia mais tarde pela Boca
do Rio Purus. Às 7h do dia 30 de setembro passamos pela cidade de Manacapuru e
ao meio-dia, felizmente, entrávamos no Rio Negro, passando às 13h10 pela Ilha
de Marapatá e vinte minutos depois chegávamos à cidade de Manaus, amarrando-se
o aviso em uma bóia em frente ao cais do desembarque.
O Destacamento
desembarcou e recolheram-se aos seus respectivos quartéis as praças que o compunham.
Foi realmente digno de elogios o procedimento desses valentes companheiros, os
quais com resignação suportaram o sacrifício e privações inerentes aos
trabalhos desta natureza pelo que, em ofício aos seus dignos Comandantes, pedi
que, em Ordem do Dia, manifestassem os meus agradecimentos.
Desta cidade
vos dirigi o ofício seguinte:
Comissão de Limites entre o Brasil e a
Bolívia.
Manaus, 30 de Setembro de 1897.
Ao Sr. General Ministro das Relações
Exteriores.
Em aditamento ao meu ofício n° 18, de 8 de
Julho do corrente ano, cumpre-me comunicar-vos que no dia 10 do mesmo mês segui
pelo Rio Jaquirana ou Alto-Javari em busca das suas cabeceiras, continuando o
levantamento do Rio o 2° Ajudante.
Antes porém, de partir mandei proceder a
novas observações nos Rios Jaquirana, Galvez e Javari. Todos os dados já
obtidos foram confirmados, tomando-se mais a temperatura das águas destes Rios.
Assim é que a temperatura média das águas do Rio Galvez é de 26,5° centigrados,
enquanto que as dos Rios Jaquirana e Javari são de 29° também centigrados.
(...)
Oportunamente vos enviarei os relatórios e
os respectivos desenhos.
Congratulando-me convosco pelo bom êxito da
Comissão, felicito-vos.
Saúde e fraternidade.
Augusto da Cunha Gomes, Capitão-Tenente, 2°
Comissário.
Se foi penosa, cheia de peripécias e lances perigosos a
Re-exploração do Rio Javari, foi também grande de abnegação e patriotismo a
dedicação com que os membros da Comissão de Limites entre o Brasil e a Bolívia
cumpriram a porfia o seu dever, não poupando sacrifícios de qualquer natureza e
suportando todas as vicissitudes de uma viagem em zona infestada de selvagens e
doentia.
São esses
bravos companheiros dignos do reconhecimento do Governo Federal pela leal
dedicação com que serviram à Pátria, concorrendo para a verificação de um ponto
geográfico até então contestado pelas sumidades geográficas do Brasil e do
estrangeiro.
Ao terminar,
haveis de me permitir que vos agradeça a confiança com que me honrastes,
dando-me a direção de uma Comissão tão árdua quão importante.
Augusto Da Cunha Gomes,
Capitão-Tenente,
2.° Comissário.
²²²
²²
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Fonte: GOMES, Augusto da Cunha. Comissão de Limites Entre o Brazil e a Bolivia – Re–Exploração do Rio
Javari – Brasil – Rio de Janeiro – Typographia Leuzinger, 1899.
- Livro do Autor
O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o
Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS –
PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura. com.br) e na
Associação dos Amigos do Casarão da Várzea (AACV) – Colégio Militar de Porto
Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do
Brasil - RS (AHIMTB - RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.
E-mail: hiramrs@terra.com.br
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