viomundo - publicado em 22 de março de 2013 às 19:33
por Maria Izabel Azevedo Noronha
A cada início de ano os meios de comunicação publicam reportagens e análises que identificam os principais problemas da rede pública estadual de São Paulo. Um dos pontos destacados é a falta, nas salas de aula, de professores de muitas disciplinas, como Física, Química, Biologia, mas também Sociologia, Filosofia e outras. Isto afeta diretamente o direito dos estudantes a uma educação de qualidade.
Múltiplos fatores interferem na qualidade do ensino, entre eles a profissionalização e as condições de trabalho dos professores; as condições de ensino-aprendizagem dos estudantes, a gestão escolar; a organização curricular, a formação inicial e continuada dos profissionais da educação; a infraestrutura e equipamentos das unidades escolares etc. A qualidade da educação pública também está relacionada a fatores como as políticas sociais implementadas pelo poder público, distribuição de renda, desigualdade social, ampliação das redes de ensino e atendimento ao direito à educação, entre outros.
É função primordial da escola formar cidadãos, por meio não apenas da transmissão sistemática do saber historicamente acumulado, patrimônio universal da humanidade, mas também da produção coletiva de novos conhecimentos. Neste sentido, a escola precisa estar articulada a um projeto educacional de conteúdo humanista, comprometido com a escolarização de todos com qualidade.
Inegavelmente, o professor é o elemento central do processo ensino-aprendizagem. Para além da estrutura e da infraestrutura, sem dúvida elementos importantes, devemos reconhecer que o ofício do professor é único e insubstituível, e como tal deve ser valorizado. É necessário, sobretudo, recuperar a escola como processo de humanização, no sentido do atendimento das necessidades do ser humano que nela trabalha e estuda. Sem isto, a escola pública não alcançará o êxito esperado pela sociedade.
O professor da rede estadual de ensino de São Paulo vem sendo submetido a condições que não favorecem o seu trabalho. A gestão escolar encontra-se extremamente centralizada, quer no que diz respeito à formulação das políticas educacionais – na qual os profissionais da educação não ouvidos – seja na formulação e execução do projeto político-pedagógico de cada unidade escolar.
Os artigos 13 e 14 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional asseguram aos professores “participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino”, a “participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola”, bem como a “participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.” Nem sempre, porém, isto ocorre de fato. Os professores são vistos apenas como executores das políticas definidas pelas autoridades e gestores educacionais e os conselhos de escola, na maior parte das vezes, cumprem um papel protocolar e homologatório.
A valorização dos professores se assenta no tripé “salário, carreira/jornada e formação, inicial e continuada”. Hoje a carreira do magistério paulista não corresponde às necessidades da escola pública. Ela não atrai os melhores profissionais e muitos professores deixam as escolas estaduais para se dedicarem a outras atividades, dentro ou fora de sua área de formação. Os salários são muito baixos. É sintomático que esteja decaindo, ano após ano, o número de estudantes matriculados e formados em licenciaturas.
A formação inicial, nas faculdades públicas e privadas, encontra-se divorciada da realidade das escolas, enquanto que o sistema de ensino não oferece formação continuada no local de trabalho. Muito menos cria condições para que isto, ao não aplicar a chamada “jornada do piso”, dedicando no mínimo 33% da carga horária semanal do professor para atividades realizadas fora da sala de aula. Ao mesmo tempo, porém, aplica aos professores sucessivas avaliações, inclusive para manter grande parte do contingente (hoje quase 50 mil profissionais) em situação de contratação temporária, sem direitos básicos. O Estado pretende selecionar professores, quando há falta destes profissionais. Um contra senso que leva o governo a convocar todos os professores disponíveis, mesmo aqueles que não realizaram a prova ou não obtiveram a nota exigida.
Este quadro, aliado à escalada de casos de violência dentro e no entorno das escolas, vem provocando o adoecimento dos professores, perceptível no cotidiano das escolas e confirmado por pesquisas realizadas pela APEOESP, em parceria com a UNIFESP e Grupo Géia; pela CNTE, em convênio com Universidade de Brasília; pela Fundacentro e outras instituições públicas e privadas.
Os números demonstram que a carreira docente já não atrai os jovens estudantes na proporção das necessidades do nosso país. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC), em 2007 havia 2.500.554 profissionais atuando em sala de aula, mas em 2009 este número baixou para 1.977.978 professores.
O Censo do Ensino Superior, também realizado pelo INEP/MEC, registra que de 2005 a 2009 o número de estudantes universitários formados em cursos de formação de docentes para a Educação Básica caiu de 103 mil para 52 mil. O mesmo se repete no caso dos cursos de licenciatura, tendo havido queda no interesse pela carreira: naquele período o número de formados em licenciaturas caiu de 77 mil para 64 mil.
O Brasil precisa urgentemente rever esta situação. A rede estadual de ensino de São Paulo, a maior do país, deve dar o exemplo.
Maria Izabel Azevedo Noronha é presidenta da APEOESP, vice-presidenta da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação e membro do Conselho Nacional de Educação.
Apesar de se referir a São Paulo, essa realidade pode ser transposta para várias partes do país. No Rio Grande do Sul, nosso antigo Ministro da Educação que elaborou o piso nacional. Por sinal ao vivo na Band News FM nessa semana, um professor reclamou que o seu salário aqui no Estado mal daria para pagar os atuais direitos e salário da categoria das domésticas.
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