viomundo - publicado em 23 de março de 2013 às 14:31
Oh, yes, we can!
O autoritarismo nosso de cada dia não nos dai hoje
Escrito por Paulo Metri, em seu blog
Sexta, 22 de Março de 2013
Nossa sociedade é agredida por inúmeros comportamentos autoritários, no dia-a-dia, e os absorve como se fossem intrínsecos à vida. Outras sociedades podem sofrer com autoritarismos análogos ou até mais drásticos, mas isto não justifica o que aqui acontece.
Pode-se dizer que ações impositivas, socialmente irracionais, são uma tradição cultural, a herança de sistemas passados sem garantias ou uma característica natural dos humanos. A escravidão é uma das expressões máximas de ação desumana de força e despotismo. Maquiavel, ao sugerir ações para o Príncipe, visando este se manter no poder, recomendava toda sorte de ameaças e castigos, inclusive mortes. Entretanto, não é porque existe um triste passado de autoritarismo que ações atuais de força estão liberadas.
Mesmo com a aparência democrática da sociedade moderna ocidental, a verdade é que a liberdade existe nos pontos onde ela não prejudica a acumulação de riqueza. A arquitetura do sistema existente foi feita para garantir a acumulação com estampa democrática. Um país, como o nosso, com grande desnível de renda e riqueza, apesar da melhoria dos últimos anos, não tem democracia econômica.
Uma fase democrática incomum entre nós ocorreu nos anos de 1987 e 1988, durante a elaboração da nossa Constituição, graças à razoável participação popular. Como consequência deste período, resultou uma Constituição comprometida com o povo. Depois, ela foi autoritariamente reformulada, com a onda neoliberal, na década de 1990, sem nenhum debate profundo na sociedade.
Não há dúvida que não se pode ter uma verdadeira democracia com uma mídia tendenciosa dominada pelo capital, que é a existente no nosso país hoje. Contudo, salvo engano meu, o povo, na sua imensa sabedoria empírica, cada vez confia menos nesta mídia. Ele começa a descobrir que ela não é isenta e não faz as análises necessárias. Não tem interesse em promover um real debate de idéias, querendo só impor sua visão. Hoje, parte da população quer ter acesso a informações de qualidade e, portanto, visita meios de comunicação diversos em busca de novos ângulos para as questões.
Por outro lado, erra quem pensa que o autoritarismo é uma prática exclusiva da direita. Governantes reconhecidos como de esquerda precisariam mudar algumas práticas horrorosas de autoritarismo. É comum o cidadão se deparar com a recusa do governo ao diálogo, assim como com a imposição irracional de posições. Enfim, atos autoritários são encontrados para todos os lados.
Com um caso real, busco mostrar o que ocorre na administração pública, refletindo todo este contexto de imposição, desrespeito ao interesse social e perjúrio. Trata-se do que está ocorrendo atualmente no setor de petróleo. Não irei me ater à mudança extremamente autoritária ocorrida neste setor, nos anos de 1995 e 1997, até porque muitos autores, inclusive a minha pessoa, já escreveram artigos a respeito.
A sociedade não tem acesso aos estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que determinam o valor de referência do índice “Reserva sobre Produção de petróleo” (R/P) que deve ser usado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP), para definição da necessidade de rodadas de leilões de áreas. O inciso VIII do artigo 4º da lei 10.847, de 2004, diz: “Compete à EPE promover estudos para dar suporte ao gerenciamento da relação reserva e produção de hidrocarbonetos no Brasil, visando a auto-suficiência sustentável”.
Por sua vez, o CNPE tem como atribuição, segundo o inciso V do artigo 2º da lei 9.478 de 1997: “Estabelecer diretrizes para a importação e exportação, de maneira a atender às necessidades de consumo interno de petróleo e seus derivados, gás natural e condensado, e assegurar o adequado funcionamento do Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis e o cumprimento do Plano Anual de Estoques Estratégicos de Combustíveis…”. Não existe decisão do CNPE de acesso público determinando e explicando a diretriz para exportação de petróleo.
A ANP não realiza audiências merecedoras de serem consideradas públicas. Respostas dadas às perguntas feitas pelos movimentos sociais são insuficientes e os correspondentes trechos das atas não representam a realidade.
Especificamente, a audiência pública relativa à 11ª rodada deu-se dentro de um prédio militar, a Escola de Guerra Naval, onde militares estavam com armas de guerra a guarnecendo, representando uma demonstração de força desnecessária. Aliás, as Forças Armadas não deviam se prestar ao vergonhoso papel de guardiãs de audiências onde a entrega de patrimônio público nacional é combinada.
A ANP prioriza, claramente, nos convites para as audiências, a presença dos agentes econômicos, o que pode ser observado quando ela diz querer conhecer, através das audiências, as “críticas e sugestões dos agentes econômicos com relação ao pré-edital e ao novo contrato de concessão”. Nada é dito com relação à sociedade. A ANP não tem a isenção necessária para ser um verdadeiro árbitro, pois é tendenciosa a favor dos agentes econômicos.
Mais uma pérola autoritária deste setor. Através da Resolução Número 3 de 18/12/12, o CNPE “autoriza a ANP a realizar a 11ª Rodada de licitações de blocos”. No parágrafo único, ele diz se tratar de leilões visando conceder 172 blocos do território nacional. Em 19/2/13, ocorre a audiência pública relativa a estes blocos. No dia 28/2/13, são acrescentados mais 117 blocos a esta rodada, que não foram objeto da audiência citada.
A Diretora-Geral da ANP declarou que, nos 289 blocos da 11ª rodada, deverão ser descobertos 19,1 bilhões de barris de petróleo. Estes barris serão exportados, porque a Petrobras já garante o abastecimento nacional, pelos próximos 40 anos, com descobertas já ocorridas. A pergunta óbvia é: “quem definiu que a exportação deste petróleo, seguindo a lei 9.478, é a melhor opção para a sociedade brasileira?”
Para finalizar, o porquê de tanta agressividade autoritária e decisão antissocial está relacionado com o fato de que a desinformação do povo é imensa. Desta forma, os governantes não esperam nenhuma reação. Neste quadro, os brasileiros serão respeitados somente quando mostrarem estar informados e revoltados com as decisões antissociais.
*Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia
Cabe a ressalva de que as Forças Armadas são subordinadas à Presidente Dilma. Não conheço os detalhes, mas se houve o uso de aparato militar em audiência pública de um orgão Federal liderado por uma amiga da Presidente (Graça Foster), no mínimo a Presidente deve ter dado seu aval para tal emprego.
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