viomundo - publicado em 6 de março de 2013 às 10:10
É isso aí que está em jogo (foto LCA, na faixa do Orinoco)
por Luiz Carlos Azenha
Hugo Chávez nasceu da primeira revolta genuinamente popular contra o
neoliberalismo na América Latina. Extraiu sua força política do
Caracazo, a rebelião contra as medidas impostas pelo Fundo Monetário
Internacional ao governo de Carlos Andrés Pérez, em 1989. Violentamente
reprimido, deixando centenas de mortos, o Caracazo antecipou em quase 20
anos a implosão do modelo neoliberal que atingiu primeiro Wall Street e
hoje derrete a zona do euro. Andrés Pérez era da AD, a Ação
Democrática, um dos partidos da oligarquia que se revezavam no poder
desde um acordo firmado em 1958 na cidade de Punto Fijo.
A ascensão de Chávez pôs fim simultaneamente a Punto Fijo e à
influência dos Estados Unidos na política local, que tinha um aspecto
mais sombrio: a Disip, serviço de inteligência venezuelano, era um braço
da Central de Inteligência Americana para a desestabilização de Cuba e a
manutenção de regimes pró-americanos na região. O terrorista
cubano-venezuelano Luís Posada Carriles usou seus contatos na Disip para
planejar a derrubada de um avião da Cubana de Aviación que matou 73
civis, em 1976.
Mais importante que isso, Hugo Chávez pôs fim ao domínio indireto que
os Estados Unidos exerciam na estatal petrolífera PDVSA, que bancava a
vida nababesca da elite local em Miami e gordas contas nos maiores
bancos de investimento dos Estados Unidos. Quando eu era correspondente
da TV Manchete em Nova York, cobri o escândalo que envolveu uma
funcionária brasileira do Citibank, acusada de desviar dinheiro de
clientes latinoamericanos. A tarefa dela, segunda me contou em um
presídio, era visitar os países da América Latina, dentre os quais a
Venezuela, para conseguir clientes dispostos a depositar “com segurança”
pelo menos um milhão de dólares na agência do Citibank que ficava no
666 da Quinta Avenida, em Manhattan.
[Para entender a importância do desvio da renda do petróleo para o sistema financeiro internacional leiam Poisoned Wells: The Dirty Politics of African Oil, do excelente Nicholas Shaxson]
[Clique aqui para ver uma série que eu, Azenha, gravei na Venezuela]
Eleito pela primeira vez em 1998, Chávez só assumiu de fato o poder
quando destituiu a direção da PDVSA, o que levou a um locaute
empresarial entre dezembro de 2002 e fevereiro de 2003. A greve
petrolífera desnudou o que realmente sempre esteve em jogo na Venezuela:
o controle sobre as imensas reservas de petróleo.
Não deixa de ser irônico que a revista Time já tenha
dedicado uma capa ao verdadeiro ditador venezuelano, Marcos Pérez
Jímenez, que governou a Venezuela com um misto de fraudes e mão de
ferro, entre 1952 e 1958: “a golden rule”, um governo dourado, elogiou a
revista, se referindo a investimentos promovidos pelo ditador com o
dinheiro do petróleo.
Quem dominava a indústria petrolífera venezuelana, então, era a norte-americana Standart Oil.
Tanto Jiménez quanto Chávez são de extração militar. Este último
frequentemente criticado por seu bonapartismo. Não se trata, no entanto,
de um fenômeno desligado da História da Venezuela. Ao contrário do
Brasil e de outros países da região, a Venezuela viveu uma guerra de
independência devastadora e a reorganização do país se deu em torno da
instituição que melhor resistiu à destruição: o exército.
Hugo Chávez abriu caminho, na América Latina, para o funeral da ALCA —
a aliança comercial que os Estados Unidos pretendiam impor à região –, e
o poder imperial do FMI com seu Consenso de Washington.
Os ventos que ele ajudou a soprar varreram do mapa latinoamericano
desde a base aérea de Manta, controlada pelos Estados Unidos na costa do
Equador, até Gonzalo Sánchez de Lozada, o Goni, boliviano que falava
espanhol com sotaque gringo e infelicitou a Bolívia antes de ser botado
para correr por uma rebelião popular contra reformas inspiradas… pelo
FMI.
Chávez deixa mais que um legado de avanço social para milhões de
venezuelanos, antes excluídos e fisicamente isolados nos morros que
cercam Caracas: deixa um país extremamente politizado e uma mídia tão
diversa que é um prazer sentar num quarto de hotel de Caracas e
sintonizar as diferentes emissoras privadas ou estatais. As opiniões
recolhidas ali formam um mosaico de um país polarizado mas que discute
aberta e francamente seu destino político, muito longe do consenso
bovino expresso de forma monocórdica pela mídia brasileira.
Finalmente, Chávez representa uma grande perda para a diplomacia
brasileira. Era o biombo ideológico atrás do qual o Itamaraty operava o
projeto que serve de formas múltiplas à economia, à soberania, à
diplomacia e à segurança do Brasil. A adesão da Venezuela ao Mercosul
levou o Brasil ao Caribe. Fortaleceu um projeto que poderíamos chamar de
a América Latina para os latinoamericanos. E reduziu substancialmente a
capacidade históricamente demonstrada dos Estados Unidos — nos golpes e
intervenções militares, do Chile ao Panamá, do Brasil à Nicarágua, de
Cuba à Venezuela — de usar a região, como fez desde a Doutrina Monroe,
como um quintal para a Standart Oil, a United Fruit, a IT&T e suas
equivalentes.
Abaixo, um vídeo sobre terrorismo Made in USA (siga o link do You Tube para as outras partes):
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