viomundo - publicado em 4 de agosto de 2013 às 18:19
Nem o dr. Werner acredita no Otavinho
CASO SIEMENS
Uma manchete diversionista
Por Luciano Martins Costa em 03/08/2013 na edição 757
Às vezes, para não dizer o essencial, a imprensa precisa dizer alguma coisa. Parece ser esse o sentido da manchete da Folha de S. Paulo
na edição de sexta-feira (2/8): “Governo paulista deu aval a cartel do
metrô, diz Siemens” – é o que anuncia o título principal do jornal, no
alto da primeira página.
A reportagem é a primeira manifestação relevante de um dos três
diários de circulação nacional sobre a confirmação do esquema de
propinas que, durante pelo menos quinze anos, condicionou as
contratações de obras e compras de equipamentos para o sistema do metrô e
dos trens metropolitanos na capital paulista.
A escolha editorial pode induzir o leitor desatento a concluir que o
jornal decidiu finalmente encarar a fartura de evidências sobre um
estado permanente de corrupção no governo de São Paulo, cujas
consequências podem ser claramente percebidas na insuficiência das
linhas de transporte sobre trilhos, no atraso de obras e no custo
excessivo do sistema, que acaba repercutindo no preço das tarifas por
décadas à frente.
Pelo que se lê na Folha, tudo não passou de um
ajuste feito por assessores de um governador que já faleceu, Mário
Covas, num contexto em que o acordo entre concorrentes seria a maneira
mais prática de resolver rapidamente a disputa entre as empresas
candidatas ao contrato.
Em geral, o leitor se distrai com a narrativa e deixa escapar o
discurso subliminar presente no texto jornalístico. Então, vejamos: no
caso da manchete da Folha, a narrativa nos diz que os documentos
apresentados a autoridades brasileiras pela empresa alemã Siemens
afirmam que o governo de São Paulo, no tempo de Mário Covas, autorizou a
formação de um cartel de multinacionais e empresas brasileiras para
cumprir a licitação referente a obras do metrô.
Segundo a reportagem, o conluio teria começado em 2000 e prosseguido
nas gestões de Geraldo Alckmin, que era vice de Covas, e de seu
sucessor, José Serra. O cartel passou a dominar todos os projetos de
metrô e trens metropolitanos, gerando custos sempre maiores.
Em apenas uma licitação, para manutenção de equipamentos da Companhia
Paulista de Trens Metropolitanos, foi possível aumentar os preços em
30%, segundo depoimento de um executivo da empresa alemã. Mas, para o
governo de São Paulo, a licitação viciada era a melhor solução, por “dar
tranquilidade na concorrência”.
Santa inocência!
Uma das táticas mais corriqueiras na prática jornalística, quando não
se quer alimentar polêmicas em torno de determinado assunto, é
antecipar uma versão moderada do tema, delimitando a priori certas
condições para sua interpretação. Essa adesão condicional quase sempre
anula a atenção crítica dos leitores, dando a entender que o veículo não
está se omitindo ou tentando encobrir alguns eventos, que preferia não
ver transformados em escândalo.
Esse parece ser o caso da abordagem que faz a Folha ao esquema de pagamento de propinas que está ligado ao caso do cartel.
O cartel, que agora é admitido oficialmente, funciona há mais de
treze anos, tempo citado pelo jornal – porque, na verdade, o acerto
entre o governo paulista e seus fornecedores começou pelo menos em 1998,
conforme se pode apreender em reportagens anteriores, publicadas quando
outra empresa do cartel, a francesa Alstom, foi acusada de pagar
propinas a políticos do PSDB.
Não há como relativizar as responsabilidades de todos os governadores
do período – a tese do domínio de fato, afirmada pelo Supremo Tribunal
Federal no ano passado, há de se aplicar democraticamente, ou não?
A Folha diz que procurou ouvir o ex-governador José
Serra, mas ele “não foi localizado”. O atual governador, Geraldo
Alckmin, responde que tudo não passou de um acerto entre as empresas
concorrentes, sem participação de funcionários do governo – e de repente
o senso crítico do jornal fica obnubilado pelas palavras mágicas do
chefe do governo paulista.
Então, estamos combinados: o governo de São Paulo faz uma sucessão de
licitações para comprar trens e sistemas de controle de tráfego, tratar
da manutenção dos equipamentos, durante quinze anos, e nunca desconfia
que os preços são acertados previamente entre os fornecedores?
O jornal que se considera o mais aguerrido do Brasil, cujos
repórteres, em outras ocasiões, se dispõem a vasculhar o lixo de agentes
públicos, aceita candidamente essa ingenuidade toda.
Não passa pela cabeça dos editores mandar investigar se a mesma
bondade com o dinheiro público não se estendeu também para as obras de
túneis, instalação de trilhos, construção de estações, como tem sido
diligente e devidamente feito no caso dos estádios que estão sendo
construídos para a Copa de 2014.
Como diria o parceiro do Batman: “Santa inocência!”
Nenhum comentário:
Postar um comentário