"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, junho 06, 2014

Quando os gatos gordos se reúnem em Munique: bem-vindos à Conferência Monetária Internacional


Data de publicação em Tlaxcala: 06/06/2014

Andrew Gavin Marshall 
Traduzido por  mberublue
Edité par  Coletivo de tradutores Vila Vudu

Na parte 1 dessa série, examinei a história e os primórdios da evolução da reunião que tem lugar entre banqueiros mundiais e autoridades financeiras e monetárias, na Conferência Monetária Internacional (CMI). Na parte 2, o foco foi o papel da CMI no período que antecedeu a crise financeira mundial de 1980. Na parte 3, analisou-se a influência da CMI em toda a crise financeira durante uma década. Este último item, que está sendo publicado justamente quando a Conferência Monetária Internacional está sendo preparada para acontecer no período de 1 a 3 de junho, com um encontro no Hotel Bayerischer Hof em Munique, Alemanha – pretende esmiuçar quais as atitudes da CMI para manter seus status de importância entre as instituições mais influentes do mundo em termos econômicos, financeiros e monetários. Está incluso um rol de banqueiros que dirigem a CMI, juntamente com documentos que vazaram da reunião de 2013, que aconteceu em Xangai.
Em Toronto, 1992, na Conferência Monetária Internacional que ali teve lugar, havia um consenso entre os banqueiros privados e autoridades públicas que como o resultado do grande volume de empréstimos para a América Latina e países em desenvolvimento durante toda a década que antecipara a crise da dívida em 1980, a missão de financiar “a conversão da União Soviética em uma economia de mercado” não poderia ser resolvida apenas com empréstimos bancários. Hilmar Kopper, o CEO (Chief Executive Officer – Diretor Executivo [NT]) do Deutsche Bank, disse aos participantes da conferência que os bancos comerciais só se engajariam na tarefa desse financiamento em larga escala, se houvesse “créditos garantidos pelos governos”, além de “um acordo em relação à dívida anterior” o que implica, na essência, que os bancos necessitariam da garantia de que os governos os ajudariam, caso as coisas ficassem ruins. Toyoo Gyohten, ex-ministro das finanças do Japão, disse aos participantes que “o setor público, através de suas agências, cooperará com os bancos privados, com a disposição de compartilhar os riscos inevitáveis.”

Don Mazankowski
O ministro das finanças do Canadá, Don Mazankowski, disse aos banqueiros que “nós estamos preparados para ajudar” o bloco dos países da antiga União Soviética desde que “eles ajudem a si mesmos e sigam o caminho certo para crescer economicamente e prosperar.” Em suas palavras, estava implícita a fórmula: aplicar a mesma austeridade e os pacotes de ajustamento estrutural que foram impostos a outros países na ocasião da crise da dívida de 1980. Os banqueiros reafirmaram o mesmo ponto de vista, com a observação de que “seria muito complicado para os governos ser generosos com a Rússia, a menos que ela estabelecesse um programa para recuperação econômica que fosse aprovado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).”

Durante os anos 90, a CMI continuou a ser importante fórum de discussões para banqueiros e autoridades monetárias. Ponderações do Presidente do Federal Reserve Alan Greenspan e do presidente do Banco Central da Alemanha (Bundesbank) na reunião da Conferência Monetária Internacional de 1995 tiveram a consequência de fortalecer o dólar americano e, ao mesmo tempo, enfraquecer o marco alemão nos mercados internacionais.
A influência da CMI em anos recentes
No começo do século 21, a Conferência Monetária Internacional permaneceu relevante, como admitiu Willem F. Duisenberg, presidente do Banco Central Europeu em 2001, em uma conferência de imprensa. Duisenberg foi duramente criticado pela imprensa europeia por sua recusa em comparecer a recente encontro entre Ministros de Finanças e banqueiros de bancos centrais de países da zona do euro, que aconteceu em Bruxelas.

Duisenberg comentou: “gostaria de notar que tem sido uma tradição desde 1954 que o destaque das reuniões anuais das CMI, que acontecem a cada ano em local diferente, é um painel dos bancos centrais, no qual estes, ou seus banqueiros, dos países que têm as três principais moedas mundiais participam. Eu já participei. Se eu não estivesse lá, teria chamado mais atenção que se estivesse em Bruxelas (...) posso lhes dizer que a próxima reunião da CMI será (...) em Montreal (em 2002), e em seguida, um ano após, será (...) em Berlim. Nas duas ocasiões, podem estar seguros, se a data da reunião coincidir com o encontro do Eurogrupo, o Banco Central Europeu será representado no Eurogrupo pelo seu vice-presidente.”

Realmente, pudemos ver que a importância e relevância da reunião anual da CMI, que se realizou em 2013 em Xangai, não diminuíram. Mesmo que a CMI não tenha um site que possa ser acessado pelo público, consegui montar uma lista (aproximada) de altos funcionários e membros do Conselho da Conferência Monetária Internacional, filtrando informações de referências nos currículos e biografias disponíveis ao público, assim como de documentos vazados, nos quais se inclui uma visão do programa da conferência de 2013.
Guarde estes nomes

Baudouin Prot
Baudouin Prot é o presidente e chairman(presidente do conselho de diretores ou do quadro de conselheiros de empresa ou corporação [NT]) da Conferência Monetária Internacional. AntesCEO do BNP Paribas, um dos maiores bancos mundiais com sede na França, é atualmente presidente desse banco, assim como membro do conselho de Kering, Veolia Environment, Lafarge, Erbé S/A e Pargesa Holding S/A. É ainda membro do Painel Internacional de Consultas para a Autoridade Monetária de Cingapura, do Conselho Consultivo de Líderes de Negócios para o prefeito de Xangai, da Mesa Redonda de Serviços Financeiros Europeus e chairman do Grupo Bancário Europeu.

Frank Keating é vice-presidente executivo da Conferência Monetária Internacional, presidente eCEO da Associação Americana de Banqueiros e ex-presidente do Conselho Americano de Seguradores da Vida (2003-2011). Também é ex-governador de Oklahoma (1995-2003) antigo funcionário do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano dos Estados Unidos e ex-Secretário Assistente do Tesouro. É ainda membro do conselho de administração da Fundação Arquivo Nacional, do Centro de Política Bipartidária, da Fundação Jamestown e já foi membro da Força Tarefa do Centro de Política Bipartidária para a Redução da Dívida em 2010.

Outros membros do conselho da Conferência Monetária Internacional já confirmados incluem: Gordon Nixon, presidente e CEO do Royal Bank of Canada; William Downe, CEO do BMO Financial Group; Axel Weber, chairman do UBS; Francisco Gonzalez, chairman e CEO do BBVA; Roberto E. Setúbal, presidente e CEO do Itaú Unibanco S/A; Richard Waugh, presidente e CEO do Scotiabank; Chanda Kochhar, diretor geral e CEO do ICICI Bank; Jacko Maree, banqueiro sênior do Standard Chartered; Andreas Triechl, chairman e CEO do Erste Group Bank; e Walter B. Kielhoz, chairmanda Swiss Re.

Curiosamente não existem grandes bancos ou banqueiros americanos arrolados como membros atuais da diretoria da CMI, que é dominada por banqueiros europeus e canadenses. Há ainda três banqueiros cujos currículos mencionam que seriam membros da CMI, mas quando tentei confirmação por contato com a CMI e com a Associação de Banqueiros Americanos para confirmar a veracidade da afirmação de que seriam membros do conselho – o conselho da CMI é formado de 15 membros, mas pude confirmar apenas 12 – nem a ABA nem a CMI responderam às minhas consultas. Os três banqueiros listados como “membros” – e talvez, mas sem confirmação membros do conselho da CMI – são Federico Ghizzoni, o CEO do UniCredit; Douglas Flint, chairman do HSBC (e também chairman do Instituto Financeiro Internacional), e Ibrahim S. Dabdoub, CEO do National Bank of Kuwait.

Podemos ver então quais as instituições mais representadas entre os membros do conselho da Conferência Monetária Internacional, examinando os currículos dos 12 membros do conselho já confirmados:

Dentre os membros do conselho da CMI, quatro o são também do Instituto Financeiro Internacional, que forma o principal grupo de lobby bancário no mundo; quatro membros do conselho da CMI também são membros do Conselho Internacional de Negócios, do Fórum Econômico Mundial e da Mesa Redonda de Serviços Financeiros Europeus, grupo dos grandes banqueiros europeus. Três membros também representam o Grupo Bancário Europeu, criado para assessorar a União Europeia na regulamentação do mercado financeiro, assim como do Conselho Canadense de Diretores Executivos, corporação para agir nos grupos de interesse das grandes empresas canadenses.

Compartilhando a liderança com pelo menos dois membros no conselho da CMI, estão o Painel Internacional de Consultas para a Autoridade Monetária de Cingapura, o Conselho Consultivo de Líderes de Negócios para o prefeito de Xangai, e o Comitê Consultivo Internacional do Federal Reserve Bank de New York.

Incluindo-se os três banqueiros cujos currículos os mencionam como “membros” da CMI, aumenta a representação na liderança das seguintes instituições: a Mesa Redonda de Serviços Financeiros Europeus passa de quatro para seis membros no conselho da CMI, o Grupo Bancário da Comissão Europeia vai de três para cinco membros, o Instituto Financeiro Internacional de quatro para cinco membros e o Conselho Consultivo de Líderes de Negócios Internacionais para o prefeito de Xangai aumenta de dois para três.
Detalhes vazaram em Xangai
O programa planejado para os quatro dias da conferência em Xangai, realizada no Four Seasons Hotel Shanghai no começo de junho de 2013 vazou da reunião da Conferência Monetária Internacional, naquela ocasião. As boas vindas seriam apresentadas pelo presidente e CEO da Associação de Banqueiros Americanos, Frank Keating, às quais se seguiria o discurso de abertura, proferido pelo presidente do BNP Paribas e da CMI, Baudouin Prot.

Na segunda feita, 3 de junho, teriam início as palestras da Conferência Monetária Internacional, que incluíam Han Zheng, membro do Gabinete Político do Comitê Central do PCC (Partido Comunista Chinês); Mario Draghi, presidente então do Banco Central Europeu; Douglas Flint, presidente do HSBC e também do Instituto Financeiro Internacional (e membro não confirmado do Conselho da CMI); Jaime Caruana, gerente geral do Banco de Compensações Internacionais (BCI); Lord Adair Turner, ex-presidente da FSA (Financial Services Authority) no Reino Unido e membro sênior do Instituto para um Novo Pensamento Econômico e Janet Yellen, vice-chairman e diretora (atualmente presidente) do Federal Reserve Board.

Outros palestrantes da Conferência Monetária Internacional seriam Axel A. Weber, chairman do UBS; Niall Fergunson; Professor Lawrence A. Tish de História, da Universidade de Harvard; Jacob A. Frenkel, chairman do JPMorgan Chase Internacional e chairman do Board of Trustees do Grupo dos 30 (G30); Tharman Shanmugaratnam, vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças do governo de Singapura; Zhou Xiaochuan, diretor do Banco do Povo da China (Banco Central Chinês); Jamie Dimon, chairman e CEO do JPMorgan Chase; Jurgen Fitschen, co-chairman do Deutsche Bank; John G Strumpf, chairman, presidente e CEO da Wells Fargo; Francisco Gonzalez, chairmanCEO do BBVA; Sir Martin Sorrel, CEO do WPP e Victor Yuan, chairman e presidente do Horizon Research Consultancy Group.

Conferencistas adicionais na reunião foram Jiang Jianqing, chairman do Industrial and Commercial Bank of China (ICBC); Stephen Bird, CEO para a Asia Pacific e Citibank em Hong Kong; Michael Pettis, Professor de finanças internacionais na Guanghua School of Management da Universidade de Pequim; Peter Sands Diretor Executivo da Standard Chartered; Shang Fulin, chairman do China Banking Regulatory Commission; Tian Guoli, chairman do Bank of China e Andrew Sheng, presidente do Fung Global Institute em Hong Kong.
Yellen
Só o fato de que este grupo financeiro internacional encontrou-se com líderes de bancos e banqueiros chineses e autoridades do governo chinês já mostra a relevância da CMI. Acrescente-se que Janet Yellen, então candidata ao cargo de presidente do conselho do Federal Reserve participou da reunião da Conferência Monetária Internacional, como vice-presidente do Federal Reserve, apresentando na ocasião sua visão do “que mais pode e deve ser feito” para “tornar o sistema financeiro mundial mais resistente.”

Entre os assuntos expostos por Yellen no discurso que fez para centenas de banqueiros globais que se reuniram na CMI de 2013 destaca-se o conceito de bancos “grandes demais para falir” aos quais agências reguladoras (e principalmente os bancos centrais) se referem como “instituições financeiras sistemicamente importantes” ou (ing.) SIFIs. Yellen observou que houve propostas para uma “reestruturação radical do sistema bancário” que incluíam a possibilidade de “ressurreição da separação ao estilo da Le Glass Steagall (lei bancária promulgada por Franklin D. Roosevelt que impedia a especulação com derivativos bancários [NT]) entre os bancos comerciais e os bancos de investimento, com a imposição de limites ao tamanho dos bancos.” Tranquilizando os grandes financistas, Yellen disse que “não estou bem certa de que este tipo de abordagem seria a mais correta para resolver o problema dos bancos ‘grandes demais para falir’”.

Realmente, problemas sistêmicos nos sistemas monetário, financeiro e econômico globais, provavelmente continuarão por resolver, dado que fóruns como a Conferência Monetária Internacional têm a permissão de acontecer a salvo do escrutínio do público. São encontros nos quais banqueiros centrais, reguladores e homens de decisão sobre a política financeira se encontram privadamente com os banqueiros mais influentes do mundo com o fito de obter um consenso, cooperação mais próxima; são onde, finalmente, acontece o conluio entre nossos funcionários públicos e os banqueiros que lucram com a destruição financeira e econômica que eles mesmos desencadearam
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