Manoel Carlos, reconhecido autor que procura em suas novelas repercutir temas polêmicos presentes na sociedade – no caso específico de ‘Páginas da Vida’, a síndrome de Down, a violência, a Aids, o homossexualismo, entre outros -, revelou também - provavelmente não intencionalmente -, outra realidade dos “dois brasis” que junto convivem, o da invisibilidade do emprego doméstico. O artigo é de Cesar Sanson, pesquisador do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – Cepat.
Eis o artigo:
Uma ‘Página invisível’. É assim que é retratado o emprego doméstico na novela global ‘Páginas da Vida’ que se encerrou nesse final de semana. O caso mais emblemático é de Lídia (Thalita Carauta), a empregada da bem sucedida Drª. Helena (Regina Duarte). A jovem é “invisível”. Não tem namorado, não tem projetos, não tem sonhos, não tem vontades, não tem amigos. Dela nada se sabe. Nas cenas, via de regra entra muda e sai calada. Leva babadas da patroa e vive literalmente 24hs à disposição da Drª. Helena: “Lídia leva a Clara para cima!”; “Lídia traz a Clara para baixo!”, “Lídia leva a Clara para o parque!”, “prepara o meu banho!” e por aí segue.
A pobre moça é onipresente, está sempre ali como um cabide em que se penduram as roupas. Serve ainda para campanhas anti-discriminatórias estampando camisetas que pregam o fim do preconceito ao racismo e aos portadores de deficiência, como não se fosse ela também discriminada.
No outro núcleo da novela, no casarão, é assim mesmo que se chama a casa cinematográfica em que mora o Sr. Tide (Tarcísio Meira) – seguramente o autor não associou o termo à “Casa Grande” – as empregadas e os empregados também são subservientes e invisíveis em suas vontades. No caso, Dona Constância (Walderez De Barros), é um tipo daquelas mucamas que tem a cozinha como o seu território e o único espaço em que se permite “mandar” nos patrões. Trata-se daquela empregada que é grata aos patrões por tudo o que tem na vida, embora na realidade nada tenha, continua sendo “pobre de marré”. A sua filha, Sandra (Danielle Winits) que ousou insubordinar-se com a condição servil foi tratada de louca e empurrada para fora do casarão.
Mas não pára por aí as ‘páginas invisíveis’. Sorte melhor teve a empregada Margareth (Carolina Bezerra) do casal homossexual Marcelo e Rubinho (Thiago Picchi e Fernando Eiras). Com receio de não ser demitida escondeu o quanto pode a gravidez, mas no final tudo terminou bem, o casal acolheu a filha da empregada. Mas a história toda serviu apenas como um “trampolim” para a discussão sobre a adoção de crianças por casais homossexuais. Certamente em uma outra situação o desfecho seria outro, terminando com a demissão da empregada.
Há ainda a empregada da Anna (Deborah Evelyn), a mãe da Giselle (Pérola Faria) - note-se que as patroas são sempre brancas e ricas e as empregadas quase sempre negras. Dorinha (Quitéria Chagas) se aproveita das saídas da patroa para ligar bem alto o som e sambar com sofreguidão. Usa a vassoura como porta-bandeira e dá-lhe samba no pé. No mínimo uma visão estereotipada.
Mas na vida real a coisa não é muito diferente. No Brasil, as domésticas continuam sendo consideradas como trabalhadoras de segunda categoria - invisíveis. Segundo a PNAD/IBGE de 2004 existem quase 6,5 milhões de trabalhadoras domésticas no Brasil. É um número superior ao conjunto dos assalariados industriais e equivale à categoria dos comerciários. Entretanto, somente 26% das pessoas ocupadas nos serviços domésticos têm carteira assinada. Em torno de 4,8 milhões não têm registro.
Pior ainda. Elas não têm direito ao FGTS, ao seguro desemprego, estabilidades provisórias (gestante e acidentado), PIS, salário família, hora extra e jornada fixa. Trata-se de uma categoria invisível aos olhos do direito do trabalho.
O governo com o argumento que pretende tornar visível essa categoria, considerando-se a baixíssima formalidade se dispõe a permitir a dedução no imposto de renda da contribuição previdenciária do empregador de domésticas no valor de até um salário mínimo. É sobre isso que dispõe a proposta MP 284 que está em discussão no Congresso.
Ao contrário de punir aqueles que não registram a empregada doméstica, o governo federal - com a proposta de dedução do imposto de renda - premia aqueles que cometem uma fraude e um delito trabalhista. Ou seja, com o argumento de visibilizar uma enorme categoria de trabalhadores e trabalhadoras acaba legitimando a invisibilidade.
Eis o artigo:
Uma ‘Página invisível’. É assim que é retratado o emprego doméstico na novela global ‘Páginas da Vida’ que se encerrou nesse final de semana. O caso mais emblemático é de Lídia (Thalita Carauta), a empregada da bem sucedida Drª. Helena (Regina Duarte). A jovem é “invisível”. Não tem namorado, não tem projetos, não tem sonhos, não tem vontades, não tem amigos. Dela nada se sabe. Nas cenas, via de regra entra muda e sai calada. Leva babadas da patroa e vive literalmente 24hs à disposição da Drª. Helena: “Lídia leva a Clara para cima!”; “Lídia traz a Clara para baixo!”, “Lídia leva a Clara para o parque!”, “prepara o meu banho!” e por aí segue.
A pobre moça é onipresente, está sempre ali como um cabide em que se penduram as roupas. Serve ainda para campanhas anti-discriminatórias estampando camisetas que pregam o fim do preconceito ao racismo e aos portadores de deficiência, como não se fosse ela também discriminada.
No outro núcleo da novela, no casarão, é assim mesmo que se chama a casa cinematográfica em que mora o Sr. Tide (Tarcísio Meira) – seguramente o autor não associou o termo à “Casa Grande” – as empregadas e os empregados também são subservientes e invisíveis em suas vontades. No caso, Dona Constância (Walderez De Barros), é um tipo daquelas mucamas que tem a cozinha como o seu território e o único espaço em que se permite “mandar” nos patrões. Trata-se daquela empregada que é grata aos patrões por tudo o que tem na vida, embora na realidade nada tenha, continua sendo “pobre de marré”. A sua filha, Sandra (Danielle Winits) que ousou insubordinar-se com a condição servil foi tratada de louca e empurrada para fora do casarão.
Mas não pára por aí as ‘páginas invisíveis’. Sorte melhor teve a empregada Margareth (Carolina Bezerra) do casal homossexual Marcelo e Rubinho (Thiago Picchi e Fernando Eiras). Com receio de não ser demitida escondeu o quanto pode a gravidez, mas no final tudo terminou bem, o casal acolheu a filha da empregada. Mas a história toda serviu apenas como um “trampolim” para a discussão sobre a adoção de crianças por casais homossexuais. Certamente em uma outra situação o desfecho seria outro, terminando com a demissão da empregada.
Há ainda a empregada da Anna (Deborah Evelyn), a mãe da Giselle (Pérola Faria) - note-se que as patroas são sempre brancas e ricas e as empregadas quase sempre negras. Dorinha (Quitéria Chagas) se aproveita das saídas da patroa para ligar bem alto o som e sambar com sofreguidão. Usa a vassoura como porta-bandeira e dá-lhe samba no pé. No mínimo uma visão estereotipada.
Mas na vida real a coisa não é muito diferente. No Brasil, as domésticas continuam sendo consideradas como trabalhadoras de segunda categoria - invisíveis. Segundo a PNAD/IBGE de 2004 existem quase 6,5 milhões de trabalhadoras domésticas no Brasil. É um número superior ao conjunto dos assalariados industriais e equivale à categoria dos comerciários. Entretanto, somente 26% das pessoas ocupadas nos serviços domésticos têm carteira assinada. Em torno de 4,8 milhões não têm registro.
Pior ainda. Elas não têm direito ao FGTS, ao seguro desemprego, estabilidades provisórias (gestante e acidentado), PIS, salário família, hora extra e jornada fixa. Trata-se de uma categoria invisível aos olhos do direito do trabalho.
O governo com o argumento que pretende tornar visível essa categoria, considerando-se a baixíssima formalidade se dispõe a permitir a dedução no imposto de renda da contribuição previdenciária do empregador de domésticas no valor de até um salário mínimo. É sobre isso que dispõe a proposta MP 284 que está em discussão no Congresso.
Ao contrário de punir aqueles que não registram a empregada doméstica, o governo federal - com a proposta de dedução do imposto de renda - premia aqueles que cometem uma fraude e um delito trabalhista. Ou seja, com o argumento de visibilizar uma enorme categoria de trabalhadores e trabalhadoras acaba legitimando a invisibilidade.
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