A multinacional Novartis entra com processo contra a Índia para impedir a produção do Glivec, vital no tratamento de alguns tipos de leucemia, por outras farmacêuticas a um preço muito menor. Em artigo publicado no sítio La Haine no dia 7-03-2007, Silvia Ribeiro, pesquisadora do Grupo ETC, destaca também estudos que mostram a pouca eficácia das patentes em termos de produção de medicamentos originais, não copiados, com a finalidade de alargar a exclusividade dos medicamentos.
Eis a íntegra do artigo traduzido pelo Cepat.
A multinacional Novartis está no olho do furacão por tratar de impedir o acesso dos pobres a remédios. Cinco anos atrás, junto com outras 39 farmacêuticas, foi contra a África do Sul para que esse país não produzisse seus próprios medicamentos para a Aids. Agora entra com processo contra a Índia para conseguir a exclusividade do medicamento Glivec ou Gleevec (imatinib mesylate) contra o câncer, vital para quem sofre de alguns tipos de leucemia.
O caso é paradoxal e afeta muito mais que a Índia. Se a Novartis conseguir o que quer, afetará seriamente o acesso dos países do Sul global a medicamentos contra o câncer, a aids e outros.
A Novartis possui a patente do Glivec desde 1993. Vende o medicamento a aproximadamente 27 mil dólares a dose anual. Na Índia, o medicamento é produzido por cinco farmacêuticas como genérico e a mesma dose custa cerca de dois mil dólares, ou seja, 13 vezes menos. A Novartis, que tem o monopólio do Glivec em 36 países, quis patenteá-lo também na Índia. Mas ali, assim como na maioria dos países que se viram obrigados pela Organização Mundial do Comércio (OMC), as leis não permitiam patentear remédios, por serem artigos básicos de primeira necessidade.
O único que outorga uma patente é exclusividade. Contrariamente ao que se pode crer pela propaganda enganosa das farmacêuticas, um "remédio de patente" não diz nada de sua qualidade nem eficácia, somente informa que é monopólio de uma empresa.
Quando a Índia entrou na OMC, em 1995, teve que mudar sua legislação de patentes, obrigada pelos Aspectos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (ADPIC) desse organismo. Em 2005, já com a nova lei de patentes em vigor, a solicitação pendente da Novartis sobre o Glivec foi recusada porque "não agregava nada de novo" ao que já existia no mercado e, portanto, não cumpria os requisitos para outorgar outra patente.
Esta cláusula da lei índia permite a este país proteger-se da constante extensão de patentes praticadas pelas grandes farmacêuticas, para manterem seu monopólio. Realizam alguma pequena mudança na apresentação do remédio, ou registram novos usos, e assim alargam outros 20 anos o período de exclusividade com uma nova patente, impedindo que outros usem o mesmo componente para produzir genéricos a um preço muito menor.
O processo da Novartis não é só pelo Glivec. É contra a lei de patentes da Índia, para prevenir que este e outros países possam usar a pouca flexibilidade legal dentro dos ADPIC, como definir as particularidades de suas próprias leis. Segundo a Novartis, não está brigando pelo mercado da Índia, que na maioria é formado por "pobres que não podem pagar", mas para que a Índia não possa usar essa cláusula, impedindo assim a venda de genéricos a outros países do Sul, para tratamentos de aids, câncer e outros, a custos que podem ser de 10 a 20 vezes menores que os das transnacionais. O processo da Novartis quer impedir isso.
A Novartis, assim como outras grandes farmacêuticas, afirmam que necessitam das patentes para poderem recuperar os investimentos que fazem em pesquisa e desenvolvimento de novos remédios, mas as inovações que produzem, são ridiculamente escassas e em muitos casos, tomadas do setor público.
Segundo um estudo de sete anos realizado pela Oficina de Avaliação Tecnológica dos Estados Unidos em 1996, 97% dos remédios lançados no mercado eram cópias de remédios já existentes, com mínimas mudanças para obter uma nova patente. A Médicos Sem Fronteiras informa que num estudo da revista La Revue Precrire, 68% dos remédios que foram aprovados na França entre 1981 e 2004 eram cópias dos anteriores. O British Medical Journal publicou outro estudo que mostra que os remédios aprovados pela FDA de 1989 a 2000, 75% não agregavam nenhum benefício terapêutico.
A Novartis apresenta o Glivec como carro-chefe da empresa, resultado de sua pesquisa, e exemplo de porque necessita de patentes para ressarcir seus gastos e continuar "salvando vidas". Segundo os dados da indústria, a pesquisa e o desenvolvimento de um remédio custaria entre 500 milhões e 800 milhões de dólares. Desde que a Novartis lançou o Glivec no mercado, ganhou muitíssimo mais. Apenas em 2006 as vendas do Glivec superaram os 2,5 bilhões de dólares.
Mais paradoxal ainda é que a principal pesquisa sobre o Glivec não foi realizada pela Novartis. Foi um pesquisador público, Brian Druker, da Oregon Health & Science University. Druker teve que suplicar repetidamente à Novartis para que permitisse realizar experimentos com a substância (imatinib) que a empresa tinha patenteado, sem usá-la. Druker finalmente pode demonstrar resultados espetaculares com essa substância contra o câncer. Mesmo assim, a Novartis não queria desenvolver o medicamento porque o fármaco mostrava algumas reações adversas e a eficácia era em cânceres pouco freqüentes, o que não lhe daria suficientes lucros para decidir-se a produzi-lo. Acedeu a isso depois de vários anos de pesquisa na universidade e na perspectiva de receber apoios públicos pelo medicamento.
O caso não é isolado, é apenas um exemplo de como as grandes farmacêuticas, o setor industrial com maior porcentagem de lucros do planeta, atuam.
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