Banalidade do mal. Intelectuais discutem artigo de Renato Janine Ribeiro.
A publicação do artigo Razão e sensibilidade de Renato Janine Ribeiro no jornal Folha de S. Paulo, 18-02-2007, suscitou uma intensa polêmica.
Entre outros, Olgária Matos, professora titular do Departamento de Filosofia da USP, situa o artigo num “quadro em que o econômico justifica a violência, o "social" a explica e o bovarismo vê civilização onde não há projeto civilizatório que deveria ser entendido o artigo do professor Renato Janine Ribeiro”. Segundo ela, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 25-02-2007, “ninguém defende pena de morte e tortura. Fazê-lo seria gravíssimo”.
Para Olgária Matos, “o que o ensaio de Renato Janine dá a pensar é, entre outras coisas, se, ao dar-se preferência ao aspecto educativo da lei, suprimindo, na prática, seu caráter punitivo, e se, na comedida e prudente atitude dos representantes da lei e instituições humanitárias, não se expressa a idéia de que as condições materiais de existência explicam o crime e as condições sociais e penitenciárias o justificam”.
E ela conclui:
“Pois é tão infamante jovens e adultos serem trucidados em favelas e queimados em pneus quanto o é qualquer ser humano sê-lo em ônibus ou nas ruas da cidade, independentemente de sua extração social. Trauma após trauma, pode-se opinar o que se quiser sobre delinqüentes e seus crimes, só não há como dizer que se trata de "crime famélico". Esses jovens estão cheios de mensagens, e uma delas é a de não quererem só comida. Assim como é falta de pudor a mídia brasileira freqüentemente operar com presunção de culpa, também deveria ser rechaçada indulgência com criminosos. Afinal, é só no Brasil que delinqüentes são tratados não por seus nomes próprios, mas por diminutivos e com linguagem afetiva. É cedo que se adquire consciência do que é assassinar, do que é permitido e do que é interdito, sem o que uma sociedade não é uma sociedade.”
No dia 27-02-2007, Renato Janine Ribeiro escreve no jornal Folha de S. Paulo, reagindo às críticas feitas por Elio Gaspari ao seu artigo feitas no dia 25-02-2007, no mesmo jornal:
"Comentando meu artigo sobre o assassínio de João Hélio, Elio Gaspari erra ao tentar ligar minha posição pessoal ao cargo que ocupo na Capes. Em três anos como diretor de avaliação dessa fundação, jamais confundi o que são meus textos pessoais com o que são os oficiais. Meus sentimentos são meus. Gaspari erra mais ainda ao identificar a expressão de meus sentimentos -isto é, de uma indignação que, como cidadão, tenho o direito de sentir e que muitos brasileiros sentem - com o que imagina que seriam minhas idéias e propostas sobre o assunto, campo no qual fui muito comedido e afirmei que nutro enormes dúvidas. Não sei de onde ele retirou que eu estaria propondo a pena de tortura. Ele confunde sentimentos e emoções com o que seriam idéias e até mesmo propostas (as quais me recusei a fazer). Acho estranho que alguém que faz do manejo da linguagem sua profissão não distinga emoção e reflexão e chame de proposta o que é indignação. Assim, desenvolverei estes pontos no espaço que o editor do Mais! me ofereceu para esclarecer melhor um texto que suscitou um debate acirrado, porque parece ter tocado num nervo exposto da sociedade brasileira ante tamanha barbárie."
Maria Rita Kehl
Maria Rita Kehl, psicanalista, escreve no Painel do Leitor, Folha de S. Paulo, dia 28-02-2007, comentando o artigo de Olgária Matos.
"O generoso artigo de Olgária Matos não tem o poder de poupar o professor Renato Janine das críticas que o texto dele (Mais!, 18/2) fez por merecer.
É lamentável que um homem público suponha que seus afetos, fantasias e ruminações possam contribuir para o debate sobre o rumo justo que os brasileiros desejam dar à grave crise de violência social que nos atinge. Fantasias sádicas e desejos onipotentes de vingança são infantis, banais, humanos. Ocorrem a qualquer um, movidos pela mais santa ira.
É para proteger a sociedade inteira contra tal banalidade do mal, para evitar que nos tornemos todos assassinos e torturadores em nome do "bem" (aí, sim, como os nazistas), que a lei deve, ou deveria ser, impessoal e desapaixonada. Não é preciso ser professor de ética para saber disso."
Maria Victoria Benevides
Maria Victoria Benevides, socióloga, professora da USP, escreve no dia 1-03-2007, a seguinte nota publicada no jornal Folha de S. Paulo.
"A psicanalista Maria Rita Kehl, em sua carta no "Painel do Leitor" de 28/2, expressou de maneira clara e concisa o que todos nós, defensores radicais do Estado de Direito democrático e republicano, pensamos, perplexos e chocados, sobre o artigo de Renato Janine no Mais! de 18/2. Ao desvelar publicamente suas "fantasias sádicas e desejos onipotentes de vingança", como se estivesse num desabafo entre amigos, o professor parece não se ter dado conta de sua responsabilidade como professor e homem público. Que pena.
Sempre podemos, no entanto, aproveitar esse tremendo susto para participar do debate sobre o tema, inclusive na universidade."
Andrea Lombardi
Andrea Lombardi, professor de língua e literatura italianas na Universidade Federal do RJ e membro da pós-graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, publicou no dia 25-02-2007, o artigo A Razão distorcida, comentando o artigo de Renato Janine Ribeiro.
Andrea Lombardi, entrevistado pela IHU On-Line, comenta o artigo.
Italiano de nascimento, ele conclui o duro artigo criticando o artigo de Renato Janine Ribeiro com o seguinte depoimento:
“Não me sinto mais tão estrangeiro, não tenho certeza de que quero ser considerado um intelectual ou um professor, mas sinto-me tão humanista e ligado à ética quanto quando cheguei. Escolhi o Brasil, há quase um quarto de século, por ser mais tolerante, mais aberto do que a velha Itália. Hoje quero defender essa escolha. Penso que contra a violência, contra a pena de morte, contra a corrupção que autoriza descrença, desengajamento, hipocrisia e cinismo, é necessário retomar uma atitude inconformada.
Ou melhor: rebelde. Fazendo, talvez, como fizeram, há alguns anos, os ambientalistas no Rio, que com um gesto simpático, abraçaram a Lagoa de Freitas. Declarando talvez como há 50 anos o fazia veementemente o fundador do situacionismo - Guy Debord- ou [o cineasta] Pasolini, seu inconformismo com a sociedade do bem-estar e da apatia. Protestando como em 1968, com milhões de jovens no mundo inteiro, para chegar a gritar hoje (talvez?): "O bom senso ao poder" que ecoa o "poder da imaginação" de então. Qualquer coisa, menos a indiferença pós-moderna, como escreveu um autêntico intelectual carioca”.
Antonio Cicero, filósofo e poeta, denuncia uma onda de conservadorismo no País, em entrevista publicada no jornal Folha de S. Paulo, 3-03-2007.
Entre outros, Olgária Matos, professora titular do Departamento de Filosofia da USP, situa o artigo num “quadro em que o econômico justifica a violência, o "social" a explica e o bovarismo vê civilização onde não há projeto civilizatório que deveria ser entendido o artigo do professor Renato Janine Ribeiro”. Segundo ela, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 25-02-2007, “ninguém defende pena de morte e tortura. Fazê-lo seria gravíssimo”.
Para Olgária Matos, “o que o ensaio de Renato Janine dá a pensar é, entre outras coisas, se, ao dar-se preferência ao aspecto educativo da lei, suprimindo, na prática, seu caráter punitivo, e se, na comedida e prudente atitude dos representantes da lei e instituições humanitárias, não se expressa a idéia de que as condições materiais de existência explicam o crime e as condições sociais e penitenciárias o justificam”.
E ela conclui:
“Pois é tão infamante jovens e adultos serem trucidados em favelas e queimados em pneus quanto o é qualquer ser humano sê-lo em ônibus ou nas ruas da cidade, independentemente de sua extração social. Trauma após trauma, pode-se opinar o que se quiser sobre delinqüentes e seus crimes, só não há como dizer que se trata de "crime famélico". Esses jovens estão cheios de mensagens, e uma delas é a de não quererem só comida. Assim como é falta de pudor a mídia brasileira freqüentemente operar com presunção de culpa, também deveria ser rechaçada indulgência com criminosos. Afinal, é só no Brasil que delinqüentes são tratados não por seus nomes próprios, mas por diminutivos e com linguagem afetiva. É cedo que se adquire consciência do que é assassinar, do que é permitido e do que é interdito, sem o que uma sociedade não é uma sociedade.”
No dia 27-02-2007, Renato Janine Ribeiro escreve no jornal Folha de S. Paulo, reagindo às críticas feitas por Elio Gaspari ao seu artigo feitas no dia 25-02-2007, no mesmo jornal:
"Comentando meu artigo sobre o assassínio de João Hélio, Elio Gaspari erra ao tentar ligar minha posição pessoal ao cargo que ocupo na Capes. Em três anos como diretor de avaliação dessa fundação, jamais confundi o que são meus textos pessoais com o que são os oficiais. Meus sentimentos são meus. Gaspari erra mais ainda ao identificar a expressão de meus sentimentos -isto é, de uma indignação que, como cidadão, tenho o direito de sentir e que muitos brasileiros sentem - com o que imagina que seriam minhas idéias e propostas sobre o assunto, campo no qual fui muito comedido e afirmei que nutro enormes dúvidas. Não sei de onde ele retirou que eu estaria propondo a pena de tortura. Ele confunde sentimentos e emoções com o que seriam idéias e até mesmo propostas (as quais me recusei a fazer). Acho estranho que alguém que faz do manejo da linguagem sua profissão não distinga emoção e reflexão e chame de proposta o que é indignação. Assim, desenvolverei estes pontos no espaço que o editor do Mais! me ofereceu para esclarecer melhor um texto que suscitou um debate acirrado, porque parece ter tocado num nervo exposto da sociedade brasileira ante tamanha barbárie."
Maria Rita Kehl
Maria Rita Kehl, psicanalista, escreve no Painel do Leitor, Folha de S. Paulo, dia 28-02-2007, comentando o artigo de Olgária Matos.
"O generoso artigo de Olgária Matos não tem o poder de poupar o professor Renato Janine das críticas que o texto dele (Mais!, 18/2) fez por merecer.
É lamentável que um homem público suponha que seus afetos, fantasias e ruminações possam contribuir para o debate sobre o rumo justo que os brasileiros desejam dar à grave crise de violência social que nos atinge. Fantasias sádicas e desejos onipotentes de vingança são infantis, banais, humanos. Ocorrem a qualquer um, movidos pela mais santa ira.
É para proteger a sociedade inteira contra tal banalidade do mal, para evitar que nos tornemos todos assassinos e torturadores em nome do "bem" (aí, sim, como os nazistas), que a lei deve, ou deveria ser, impessoal e desapaixonada. Não é preciso ser professor de ética para saber disso."
Maria Victoria Benevides
Maria Victoria Benevides, socióloga, professora da USP, escreve no dia 1-03-2007, a seguinte nota publicada no jornal Folha de S. Paulo.
"A psicanalista Maria Rita Kehl, em sua carta no "Painel do Leitor" de 28/2, expressou de maneira clara e concisa o que todos nós, defensores radicais do Estado de Direito democrático e republicano, pensamos, perplexos e chocados, sobre o artigo de Renato Janine no Mais! de 18/2. Ao desvelar publicamente suas "fantasias sádicas e desejos onipotentes de vingança", como se estivesse num desabafo entre amigos, o professor parece não se ter dado conta de sua responsabilidade como professor e homem público. Que pena.
Sempre podemos, no entanto, aproveitar esse tremendo susto para participar do debate sobre o tema, inclusive na universidade."
Andrea Lombardi
Andrea Lombardi, professor de língua e literatura italianas na Universidade Federal do RJ e membro da pós-graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, publicou no dia 25-02-2007, o artigo A Razão distorcida, comentando o artigo de Renato Janine Ribeiro.
Andrea Lombardi, entrevistado pela IHU On-Line, comenta o artigo.
Italiano de nascimento, ele conclui o duro artigo criticando o artigo de Renato Janine Ribeiro com o seguinte depoimento:
“Não me sinto mais tão estrangeiro, não tenho certeza de que quero ser considerado um intelectual ou um professor, mas sinto-me tão humanista e ligado à ética quanto quando cheguei. Escolhi o Brasil, há quase um quarto de século, por ser mais tolerante, mais aberto do que a velha Itália. Hoje quero defender essa escolha. Penso que contra a violência, contra a pena de morte, contra a corrupção que autoriza descrença, desengajamento, hipocrisia e cinismo, é necessário retomar uma atitude inconformada.
Ou melhor: rebelde. Fazendo, talvez, como fizeram, há alguns anos, os ambientalistas no Rio, que com um gesto simpático, abraçaram a Lagoa de Freitas. Declarando talvez como há 50 anos o fazia veementemente o fundador do situacionismo - Guy Debord- ou [o cineasta] Pasolini, seu inconformismo com a sociedade do bem-estar e da apatia. Protestando como em 1968, com milhões de jovens no mundo inteiro, para chegar a gritar hoje (talvez?): "O bom senso ao poder" que ecoa o "poder da imaginação" de então. Qualquer coisa, menos a indiferença pós-moderna, como escreveu um autêntico intelectual carioca”.
Antonio Cicero, filósofo e poeta, denuncia uma onda de conservadorismo no País, em entrevista publicada no jornal Folha de S. Paulo, 3-03-2007.
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