"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Instituto Humanitas Unisinos - 23/01/08

‘O imperativo categórico era punir quem agiu mal. Mas, quando quem agiu mal fui eu, que se estrepe o imperativo categórico’, afirma Delfim

“Nunca existiu (moral no mercado). Essa é uma brincadeira”, constata Antonio Delfim Netto, economista e ex-ministro da Fazenda e do Planejamento dos governos da ditadura militar, ao comentar a intervenção do Banco Central americano no mercado financeiro, ontem, em entrevista concedida a Toni Sciarretta e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 23-01-2008.

Eis a entrevista.

O que o Fed [Federal Reserve, o banco central dos EUA] fez foi estimular o "moral hazard" [risco moral de socorrer investidores]?

O "moral hazard" só existe quando você não está desesperado. Por anos, eles [os EUA] pregaram o "moral hazard" e agora dizem que não tem a mínima importância.

Essa é uma discussão esvaziada?

Esse é o tipo de discussão que era muito boa na economia. Quando está correndo o risco de desabar tudo, eles dizem "agora a gente esquece e depois inventa outra teoria". Mas na segunda as pessoas estavam apavoradas porque perderam 16% na Bolsa. E agora querem continuar com esse risco. Ainda que isso pareça uma coisa cínica, nos comportamentos de mercado os princípios morais sem custo não valem.

O que acontece? O imperativo categórico era punir quem agiu mal. Mas, quando quem agiu mal fui eu, que se estrepe o imperativo categórico.

O sr. quer dizer que quem agiu mal foi o Fed?
Não tenho a menor dúvida. Isso é um conluio. Esses gênios descobriram mil formas de iludir o controle do Fed.

O sr. acha que o Fed está nas mãos do mercado?

O Fed mentiu o tempo todo de que controlava tudo. O Fed fingiu que estava tudo bem. As agências de risco fajutas também fingiam que estava tudo bem. Os bancos honestíssimos punham todas as porcarias fora dos seus próprios balanços. Viraram alquimistas, transformando cocô em ouro e vendendo para otário.

Então, não há mais moral no mercado?

Nunca existiu. Essa é uma brincadeira. O Brasil está acostumado com esse jogo. Agora mesmo se faz uma chantagem dizendo que, se não prometer que não aumenta imposto, não se aprovará a DRU [Desvinculação de Receitas da União]. O governo dá a palavra e depois aumenta o imposto.

O Fed foi vítima dessa chantagem?

Foi vítima não, foi conivente. Ele ignorava realmente o que estava acontecendo. Fingia que sabia. Na verdade era uma posição altamente confortável. É freqüente na história financeira do mundo que, quando você tem durante algum tempo suficientemente longo lucros polpudos, vai afrouxando o controle de risco. Até que um dia a casa cai. E eu não tenho dúvida de que eles baixaram 0,75 e depois na reunião do dia 30 são capazes de baixar mais 0,25. Vão inundar isso de liquidez, e o que vai acontecer? Depois da eleição, vamos analisar como é que fica.

E o Brasil?

Você vê que nossa Bolsa está subindo. Qual é a explicação? Nós continuamos sendo o último peru disponível fora do Dia de Ação de Graças. Por quê? Onde que você vai colocar seus dólares? No Brasil, porque é a coisa mais segura do mundo. Tem US$ 180 bilhões de reservas. Pode fazer três anos de besteira sem causar problema.

Bernanke seguiu a mesma receita de Greenspan?

Já não se fazem mais presidentes do Fed como Paul Volcker [antecessor de Greenspan]. Agora só se fabricam Greenspans e Bernankes. É a receita clássica: panos quentes e nhenhenhém. Volcker teria feito os bancos pagarem preço caríssimo. Quem não agüentar seria vendido. Estamos no mundo do "anti-moral hazard".

Como as coisas seguem?

Tudo vai continuar como era antes. Vai haver uma acomodação lenta. Claro que o Brasil faz parte do mundo. O Brasil não vai poder apelar: "Pára o mundo que eu quero descer". O Brasil está aí, vai ter efeitos sobre a crise, mas, na minha opinião, muito amenos.




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