Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) esperam produzir até o fim do ano os primeiros coelhos transgênicos “biorreatores” do Brasil. Os animais serão modificados com um gene humano para que produzam, no leite, uma proteína usada no tratamento da hemofilia. O projeto é um dos poucos no País que trabalham com a transgenia animal para produção de fármacos, uma das áreas mais promissoras - e desafiadoras - da biotecnologia. A reportagem é de Herton Escobar e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 24-01-2008.
Outras iniciativas com animais transgênicos no Brasil incluem projetos com peixes e galinhas no Rio Grande do Sul, cabras no Ceará e bovinos na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Quase todos trabalham com a síntese de hemoderivados - proteínas isoladas do plasma humano para o tratamento de doenças.
Hoje, essas proteínas têm de ser produzidas diretamente do sangue humano ou cultivadas em células de hamster, a custos elevadíssimos. A alternativa seria induzir a produção “natural” dessas moléculas no leite, no sangue ou nos ovos de animais transgênicos. Assim, a proteína poderia ser literalmente ordenhada, purificada e enviada às farmácias, a um custo muito abaixo do atual.
No caso dos coelhos, os cientistas querem induzir a expressão do fator 9 de coagulação, que falta no sangue de pacientes hemofílicos do tipo B. Para isso, vão inserir no DNA do animal um gene humano, que servirá como vetor para direcionar a síntese do fator no leite. O gene é o da beta-caseína, uma proteína básica do leite.
A idéia, então, é acoplar o gene de expressão do fator 9 ao gene de expressão da beta-caseína e introduzi-los como um bloco no genoma do coelho. Assim, quando o genoma der a ordem para produzir a beta-caseína, o fator 9 será produzido também automaticamente no leite.
A técnica já foi testada com sucesso em camundongos. Agora, é a vez de um animal maior. “Fazer o vetor é fácil. O desafio é conhecer a fisiologia do animal e colocar o DNA lá dentro”, diz o biólogo molecular João Bosco Pesquero, que coordena o projeto na Unifesp. A pesquisa, por enquanto, está na fase embrionária - literalmente. Os cientistas estão aprendendo a trabalhar com os embriões de coelhos para depois inserir o DNA humano e transferi-los de volta aos animais para gestação.
“Uma vez dominada a técnica, podemos introduzir o gene que quisermos, para produção de vários outros fatores”, afirma Pesquero, organizador do primeiro Simpósio Brasileiro de Tecnologia Transgênica, marcado para março, em São Paulo. A palestra de abertura do evento será dada por Oliver Smithies, cientista que recebeu o Prêmio Nobel de Medicina no ano passado pela descoberta da técnica de “nocaute genético”, que permite a produção de animais geneticamente modificados para o estudo de doenças.
BIOFÁBRICAS
Animais geneticamente modificados para produzir moléculas de interesse comercial são chamados de biofábricas ou biorreatores. Vários laboratórios no mundo estão trabalhando com a tecnologia, utilizando diferentes animais e moléculas. Alguns produtos já estão chegando ao mercado.
No Brasil, o campo está engatinhando. Na Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), no Rio Grande do Sul, pesquisadores estão trabalhando com aves e peixes geneticamente modificados, também para produção de componente do sangue: eritropoetina e albumina, respectivamente.
No caso da galinha, a proteína seria expressa na clara dos ovos. “Em uma escala de zero a dez, eu diria que estamos no nível seis de domínio da tecnologia”, avalia o pesquisador Tiago Collares, um dos coordenadores da pesquisa. Nos peixes, a idéia é induzir a expressão da albumina humana no sêmen do jundiá, um tipo de bagre da região. “Estamos num estágio bem inicial”, diz o pesquisador Heden Moreira.
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