Vivemos uma situação paradoxal: “A diminuição das desigualdades entre o Norte e uma parte do Sul poderá ser paga com um aumento das desigualdades no interior do Sul”. O raciocínio é de Philippe Martin, professor na Universidade de Paris-I-Panthéon-Sorbonne, em artigo publicado no Libération, 29-04-2008. A tradução é do Cepat.
A explosão dos preços dos produtos alimentícios, as revoltas provocadas pela fome e que corre o risco de castigar duramente constituem, para alguns, o desenlace dramático de uma história que não foi tão mal iniciada por outros. Primeiramente, é em grande parte ao fato de que milhões de chineses e indianos saem da pobreza e entram numa espécie de classe média que os preços dos gêneros alimentícios subiram. Só podemos nos alegrar com o fato de que eles podem agora comer carne com maior freqüência, o que, por outro lado, reforça a necessidade de mais vegetais para a alimentação animal e aumenta a demanda e os preços dos cereais.
Mas as vítimas desse “aburguesamento” do proletariado são os mais pobres dos países pobres, que consagram mais da metade de seu orçamento à alimentação. Nos países emergentes, um aumento de 10% da renda (é quase o que se produz na China cada ano) produz um aumento de aproximadamente 7% na demanda por produtos agro-alimentares. É muito mais que nos países ricos onde o aumento da renda tem pouco efeito sobre a demanda por alimentação. Ora, sabemos que é nos países emergentes que o crescimento da renda foi mais forte.
A demanda baixa muito pouco em resposta aos aumentos dos preços nos países ricos e um pouco mais nos países emergentes. Por exemplo, quando os preços dos cereais aumentam 10%, a demanda dos consumidores nos países emergentes baixa somente 3%. Para os mais pobres, pode inclusive acontecer que um aumento dos preços de alguns alimentos de base redunde paradoxalmente num aumento da demanda. É o que Giffen havia constatado na fome de 1850 na Irlanda: quando o preço das batatas explodiu, seu consumo aumentou. Tal era o empobrecimento devido ao aumento dos preços, que a batata continuava sendo o único alimento possível de ser comprado.
Talvez não nos encontremos nesta situação hoje, mas, quando a oferta e a procura (ao menos no curto prazo) reagem muito pouco aos preços, é fácil explicar os fortes aumentos dos preços seguidos de um choque de demanda. Lembremos que esse choque da demanda vem em grande parte do fato de que alguns pobres se enriqueceram.
Portanto, assistimos a uma perigosa polarização em que o nascimento de uma classe média (ainda bem modesta) na China e na Índia joga os pobres da África e de outros lugares na extrema pobreza e talvez na fome. A diminuição das desigualdades entre o Norte e uma parte do Sul poderá, portanto, ser paga com o aumento das desigualdades no interior do Sul. A imagem tornou-se mais complexa pelo fato de que os mais pobres nos países pobres (mesmo aqueles que são importadores de produtos agrícolas) são, na maioria, agricultores que vão se beneficiar (mas não todos) com a alta dos preços agrícolas. Se isso for duradouro, seu efeito sobre as desigualdades no mundo é, portanto, nada menos que evidente. Resta outro mistério a ser esclarecido.
Qual é o papel da especulação financeira neste aumento dos preços agrícolas? Observamos uma bolha especulativa, tanto mais inconveniente quanto ela poderia desembocar em situações de fome? Alguns consideram que as taxas de juros baixos que conhecemos até hoje são em parte responsáveis pela especulação sobre as matérias-primas e sobre os produtos alimentares. Seu raciocínio é o seguinte: se os especuladores pensam que os preços vão aumentar no futuro, eles podem se endividar a baixo custo para comprar hoje nos mercados financeiros contratos a prazo de matérias-primas agrícolas e fazer subir os preços hoje. O aumento dos preços valida a antecipação da alta e se forma a bolha.
Esta explicação esbarra na questão do economista Paul Krugman (pouco inclinado a defender os especuladores): onde está o aumento dos estoques? Se a alta dos preços se explica pela especulação, deveríamos ver os estoques dos produtos alimentares aumentarem e os especuladores guardarem os produtos para revendê-los no futuro. Ora, os estoques de produtos alimentares são os mais baixos da história recente e os governos foram incapazes de refazerem as suas reservas. Talvez os dados sobre os estoques sejam pouco confiáveis. Compreendemos porque os especuladores teriam interesse em escondê-los ou falsificá-los. Os estoques são menores porque não há prova de que a especulação tenha exercido um papel crucial na recente alta dos preços. Se isto for verificado, é de fato uma péssima notícia, porque significa que a alta é real e não especulativa e que, portanto, ela veio para ficar.
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