“Uma liderança muito rara (...) Não querem aparecer como líderes. Temem aparecer isolados e prepotentes. Querem ser solidários e cooperativos, mas é um país que apresenta uma grande assimetria com os outros países”, disse Alain Rouquié, analisando a liderança do Brasil na América Latina.
A reportagem e a entrevista é de Natasha Niebieskikwiat e publicada no Clarín, 04-09-2008. A tradução é do Cepat.
O respeitado cientista político francês Alain Rouquié voltou outra vez à Argentina. Desta vez para dissertar no ciclo Globalização, Estado e Cidadania, organizado pelas embaixadas da França e Canadá e pela Universidade de Buenos Aires.
Eis a entrevista.
Você sempre recorda que a União Européia nasceu de um acordo confidencial sobre o aço e o carvão. E muitos buscam aqui paralelismos com o Mercosul. É possível?
Não, por uma razão muito simples. A União Européia começou criando instituições e o Mercosul nunca fez isso. É administrado a nível intergovernamental, o que não permite superar as dificuldades. É muito difícil avançar quando não se tem um mínimo de transferência de soberania, e no Mercosul não há nenhuma. O conflito das papeleiras (Uruguai-Argentina) demonstrou que não há nenhum espírito comunitário. O assunto foi tratado como um tema de política estrangeira. Nós não temos problemas de política estrangeira com os outros países membros. São problemas comunitários tratados através das instituições.
Você sustenta que o Brasil se opõe às instituições do Mercosul porque busca um benefício máximo com um compromisso mínimo. Que liderança o Brasil exerce então?
Uma liderança muito rara. Natural porque tem mais de 50% do PIB, mas ao mesmo tempo sempre muito moderado. É o contrário da Venezuela, um país muito pequeno com nem sequer a quinta parte do PIB do Brasil, mas sempre muito presente e exteriorizado. Como disse o ex-chanceler do Brasil, a diplomacia da ‘moderação consultiva’. Não querem aparecer como líderes. Temem aparecer isolados e prepotentes. Querem ser solidários e cooperativos, mas é um país que apresenta uma grande assimetria com os outros países.
Você é um dos pensadores que não utilizaria a palavra “populismo” para descrever “fenômenos” na América Latina.
Nunca a utilizei porque não significa nada. O termo aceita qualquer acepção e é empregado para cobrir fenômenos totalmente díspares. Também não utilizo a palavra “neoliberalismo” porque se há liberalismo não sei porque é “neo”.
Há uma sensação de uma América Latina aliada a Washington e outra antinorte-americana.
Analisemos a tendência política da América Latina. Há uma tentativa de liderança antinorte-americana muito clara por parte da Venezuela. E políticas nacionalistas, mas com menos antiamericanismo nos outros países. Mas não creio que haja tantos problemas. Acaba sendo uma facilidade retórica. E aqui não vejo isso tanto assim. Outro dia esteve em Buenos Aires Thomas Shannon com ar de sorridente. A Argentina é um país que exporta para o mundo inteiro e neste momento não tem muitos problemas com os Estados Unidos. Pode haver piadas que dêem esta impressão, mas não creio que tenhamos retornado à época de Perón-Braden. O socialismo do século XXI é muito diferente do século XX, se podemos dizê-lo assim. Este é um país com livre mercado, capitalista, e há empresas estrangeiras que funcionam muito bem e outras que têm problemas.
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