Enviado por luisnassif, sab, 20/10/2012 - 18:00
Por Demarchi
Do Repórter Brasil, no jornal Brasil de Fato
Sem perspectivas no sertão da Bahia, aos 15 anos, uma retirante chega a Ilhéus para buscar trabalho em casas de família. Acaba virando cozinheira na casa do árabe Nacib, onde começa propriamente a história de “Gabriela, Cravo e Canela”, romance consagrado de Jorge Amado, encenado várias vezes no cinema e na TV.
A história de Gabriela, muito viva no imaginário popular brasileiro, parte de uma situação tão comum para a sociedade da época que até hoje ainda passa batida para quem se envolve com o livro: o trabalho infantil doméstico.
Num Brasil bem mais moderno e onde o trabalho infantil já era proibido, em 2008, cerca de 320 mil crianças de 10 a 17 anos realizavam trabalhos domésticos, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE. Em 2001, estudo da Organização Internacional do Trabalho apontou que mais da metade (64%) das 500 mil crianças trabalhando no serviço doméstico então recebiam menos de um salário mínimo por uma jornada superior a 40 horas semanais e 21% tinham algum problema de saúde decorrente do trabalho.
Barreira cultural
Ainda hoje o trabalho infantil doméstico se confunde com solidariedade e relacionamento familiar em lares brasileiros. Em regiões onde convivem famílias pobres e ricas, é comum a divisão do trabalho na cidade ou na fazenda se estender à figura do “afilhado” ou “filho de criação”, geralmente o filho do empregado ou do parente mais pobre que vai à cidade para “ter mais oportunidades” e cuidar da casa e das crianças da família.
“O trabalho infantil doméstico é visto mais como caridade do que como exploração. Isso não mudou”, conta Renata Santos, pedagoga do programa de enfrentamento ao trabalho infantil doméstico (PETID) do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-Emaús), em Belém. Segundo ela, famílias de classe média da capital ainda recebem mão-de-obra do interior do Estado; no interior, a zona urbana emprega as crianças da zona rural.
Renata lembra das primeiras reuniões de conscientização no início do programa, há 13 anos: “Era horrível. Fazíamos palestras em igrejas e anúncios no rádio para tentar sensibilizar as patroas, e elas não entendiam”, conta.
Ativo na região metropolitana de Belém e em quatro outras cidades do Pará, o Petid hoje entrou em sua terceira fase. “Agora fazemos uma campanha mais incisiva. Antes era uma questão de sensibilização, de explicar o problema, e agora nós dizemos claramente que quem emprega mão-de-obra infantil está sujeito a penalidades”, explica Renata.
O trabalho doméstico é tão fortemente enraizado nas práticas sociais brasileiras que chegou a ser contemplado no Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído em 1990 – o ECA determinava regularização da guarda do adolescente empregado na prestação de serviços domésticos. Esse artigo (248) é considerado tacitamente revogado desde 2008, quando o Brasil aprovou a lista de piores formas de trabalho infantil, proibidas para adolescentes com menos de 18 anos. Entre elas está o trabalho doméstico.
O ministro Lélio Bentes, presidente da mais alta corte trabalhista do Brasil, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), reforça a necessidade das campanhas – incisivas, como diz Renata – de conscientização na área. “Quando se diz que uma criança é levada ao trabalho infantil para ser protegida, para ter oportunidade de estudo – isso é balela, é um discurso construído para justificar a exploração”, afirma. “O que me parece mais eficaz na questão do trabalho infantil doméstico, sem sombra de dúvida, é a conscientização: as pessoas precisam se indignar com a violação dos direitos das crianças e dos adolescentes”.
Características e riscos do trabalho infantil doméstico
Enquanto, em geral, o trabalho infantil atinge mais meninos do que meninas, quando se trata de trabalho doméstico a situação se inverte e fica mais aguda: 94% das crianças e adolescentes trabalhando em casas de família são meninas, segundo a PNAD de 2008.
Com mais de dez anos de experiência no combate ao problema Renata aponta o que considera o maior problema enfrentado pelas meninas que trabalham cuidando da casa ou dos filhos de alguém. “A criança que faz o trabalho infantil doméstico é privada do convívio com sua família e sua comunidade, não é uma situação natural para ela”, explica.
A OIT cita ainda como os riscos mais comuns presentes na vida dessas crianças a submissão a jornadas longas e muito pesadas de traballho, salários baixos ou inexistentes e uma grande vulnerabilidade ao abuso físico, emocional ou sexual.
Renato Mentes, coordenador nacional do Programa para Erradicação do Trabalho Infantil da Organização Internacional do Trabalho (OIT), concorda: “Muitas trabalhadoras domésticas que vêm de uma situação de trabalho infantil têm um perfil mais submisso e introvertido, características desenvolvidas por uma criança ou adolescente que assume um papel de adulto dentro de casa”, afirma. De acordo com ele, uma menina que presta serviço doméstico dificilmente encontra ou tira proveito de oportunidades educativas e de desenvolvimento pessoal.
A defasagem escolar de crianças que fazem serviço doméstico também é muito acentuada, o que também compromete as perspectivas de futuro. Estudo de pesquisadores das Universidades Federais da Paraíba e de Pernambuco publicado na revista Psicologia e Sociedade em 2011 mostrou que 80% das crianças que faziam trabalho doméstico já tinham sido reprovadas; metade dessas crianças atribuíram as dificuldades de desempenho a dificuldades de relacionamento ou adaptação, e 26% delas citaram expressamente o trabalho como fator principal.
Hoje, a principal frente de ação do CEDECA-Emaús no Pará é justamente a escola. “Nossa experiência mostrou que na maioria das vezes a escola sabe da situação da criança, mas não faz a denúncia”, afirma Renata.
Por isso, a estratégia da organização mudou: hoje, oito grupos de jovens, muitos deles ex-trabalhadores domésticos, fazem ações diretas de prevenção em escolas cujos alunos enfrentam o problema. Eles dão palestras sobre o tema dos direitos da criança e do adolescente em escolas, abordam a questão do trabalho doméstico e se aproximam da realidade das crianças exploradas.
Dificuldade de fiscalização
Luiz Henrique Ramos Lopes, coordenador da divisão de trabalho infantil do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), admite que o trabalho infantil doméstico é especialmente difícil de se fiscalizar. “Por causa da inviolabilidade domiciliar, não existe uma ação fiscal contra o trabalho doméstico como há em outras áreas. Não se pode entrar na casa de alguém sem um mandado judicial”, explica.
Muitos fiscais, segundo Lélio Bentes, conseguem fazer a fiscalização em espaços públicos onde a criança trabalhadora doméstica circula, como feiras, parques e mercados. São raras as vezes, no entanto, em que criança é encaminhada para a rede de proteção, já que a regulamentação específica para a fiscalização do trabalho doméstico também é mais branda; instrução normativa do MTE prevê que os eventuais flagrantes devem ser tratados com medidas de conscientização, e não propriamente com autuação dos fiscais. Essa instrução normativa, segundo apurou a Repórter Brasil, está sob revisão e deve cair.
Por fim, a própria atividade do trabalho doméstico adulto é alvo de discriminação por parte da legislação brasileira. O registro de empregados domésticos hoje, por exemplo, não contempla o recolhimento obrigatório do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Também há dificuldades em se aplicar o controle de jornada e fazer valer o direito a pausas e horas extras, por exemplo. A Convenção 189 da OIT para o Trabalho Doméstico, que exige a equiparação dos direitos desses empregados aos dos demais trabalhadores urbanos, aguarda ratificação do Brasil.
Texto ideologicamente muito bonito, mas sem profundidade nenhuma. Só postei por retratar uma triste realidade nacional, mas os orgãos, assim como o Ministro Lélio Bentes, ao invés de disperdiçarem tempo e recursos com “conscientização” deveriam realmente buscar formas de atuarem na raíz do problema, que de longe tem a ver com conscientização.
Falta de condições dignas de vida e de educação são as razões pelas quais os pais permitem que seus filhos sejam utilizados nesse tipo de atividade. Melhor eles estarem alimentados, vestidos e terem um teto para dormir, do que passarem fome, não terem vestimenta ou correrem o risco de virar morador de rua. Esse é o raciocinio lógico das famílias de onde saem as crianças que realizam o trabalho infantil. Como se pode ter a ideia idiota de que conscientizar os empregadores vai alimentar e vestir as crianças nos “sertões”, e dar a sensação de se estar fazendo o melhor por seus filhos para os pais das crianças carentes?
Sinceramente não entendo essas políticas de tapar o sol com a peneira.
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