resistir info - 25 fev
por Jacques Sapir
[*]
Se isto é verdadeiro até para a França, o que dizer em relação a Portugal? Neste país submetido aos tratos brutais da troika FMI/BCE/UE, a recuperação da soberania monetária constituiria uma verdadeira libertação nacional. Esta é a condição necessária e indispensável (mas não suficiente) para o desendividamento e para qualquer desenvolvimento digno desse nome.
Quanto mais tarde isso for percebido e quanto mais tarde forem dados passos nesse sentido, mais escravizado e depauperado estará o país. Pretender um novo governo mas sem dar este passo fundamental – mesmo que o dito governo se diga "de esquerda" – é enganar os outros e enganarmos a nós próprios.
resistir.info
A questão da dívida pública é objecto de
confusões importantes. Na realidade, ela gira inteiramente em torno da
questão do crescimento nominal (crescimento real + taxa de
inflação) e não da questão da pressão
fiscal. A questão da pressão fiscal é importante para
determinar o nível do défice orçamental que poderá
ser aceitável.
Dívida e crescimento nominal
A fórmula utilizada para medir o peso da dívida ou Dívida/PIB contém já uma confusão. Compara um stock (a dívida) com um fluxo, a riqueza criada num período de referência (neste caso um ano) e medida pelo PIB (soma dos valores acrescentados). Uma medida mais coerente seria comparar a dívida com o stock das imobilizações e do capital (infra-estruturas) que o Estado possui. Este stock é largamente superior ao valor anual do PIB. Se conservarmos a fórmula Dívida/PIB , que é uma fórmula de análise estática, a fórmula dinâmica (derivada) escreve-se Défice Orçamental/Crescimento Nominal do PIB.
Sendo o défice orçamental (numerador) medido aos preços correntes, é preciso evidentemente que o denominador também o seja. Recorde-se que o crescimento nominal é o produto do crescimento do PIB em termos reais pela taxa de inflação. O nível do crescimento nominal depende pois daquilo a que chamamos "crescimento" (na realidade, o crescimento do PIB em termos reais) e do nível da taxa de inflação. O nível da taxa de inflação aceitável depende da competitividade da França em relação aos seus principais concorrentes. Marcaremos com (f) os números relativos à França e com (c) os que são relativos aos países concorrentes. Neste caso, e tudo o mais permanecendo igual, a competitividade é medida pelo diferencial da inflação (lf/lc) que mostra o crescimento comparado da produtividade do trabalho entre a França e os países concorrentes (Prodf/Prodc).
Temos portanto um limite fixado pelos ganhos de produtividade . Se a França tivesse ganhos muito grandes em relação aos dos países concorrentes, podia permitir-se ter uma inflação igualmente superior na mesma proporção. Quando isso não acontece, a taxa de inflação potencial é limitada pela competitividade. Mas, temos vindo a raciocinar até aqui com taxas de câmbio fixas. Quando um país (como o Japão) provoca uma depreciação da sua moeda em relação ao Euro, isso equivale a um ganho em produtividade aparente, e naturalmente o nível de inflação que o Japão pode suportar aumenta.
Se passarmos a raciocinar considerando que a França recupera a sua soberania monetária, uma desvalorização do franco em relação às moedas dos países que são nossos concorrentes permitiria ter uma taxa de inflação superior à desses países.
O nível de inflação natural da França
Publicámos um " working paper " sobre este assunto em Junho de 2012. [1] Nele demonstra-se que em TODAS as inflações há uma componente monetária e uma componente real, a que chamamos taxa de inflação "natural". Os determinantes dessa inflação "real" devem ser procurados nas estruturas económicas. Esses determinantes decompõem-se em factores "estruturais-técnicos", em factores "institucionais" e em factores "sociais" (ver a tabela 1). Um dos principais resultados demonstrados foi que toda a política que visa aproximar a inflação do zero, teria um efeito tanto mais deletério sobre o crescimento económico quanto mais alta fosse a inflação "natural" dessa economia.
Tabela 1- Elementos da taxa de inflação dita "natural"
Dívida e crescimento nominal
A fórmula utilizada para medir o peso da dívida ou Dívida/PIB contém já uma confusão. Compara um stock (a dívida) com um fluxo, a riqueza criada num período de referência (neste caso um ano) e medida pelo PIB (soma dos valores acrescentados). Uma medida mais coerente seria comparar a dívida com o stock das imobilizações e do capital (infra-estruturas) que o Estado possui. Este stock é largamente superior ao valor anual do PIB. Se conservarmos a fórmula Dívida/PIB , que é uma fórmula de análise estática, a fórmula dinâmica (derivada) escreve-se Défice Orçamental/Crescimento Nominal do PIB.
Sendo o défice orçamental (numerador) medido aos preços correntes, é preciso evidentemente que o denominador também o seja. Recorde-se que o crescimento nominal é o produto do crescimento do PIB em termos reais pela taxa de inflação. O nível do crescimento nominal depende pois daquilo a que chamamos "crescimento" (na realidade, o crescimento do PIB em termos reais) e do nível da taxa de inflação. O nível da taxa de inflação aceitável depende da competitividade da França em relação aos seus principais concorrentes. Marcaremos com (f) os números relativos à França e com (c) os que são relativos aos países concorrentes. Neste caso, e tudo o mais permanecendo igual, a competitividade é medida pelo diferencial da inflação (lf/lc) que mostra o crescimento comparado da produtividade do trabalho entre a França e os países concorrentes (Prodf/Prodc).
Temos portanto um limite fixado pelos ganhos de produtividade . Se a França tivesse ganhos muito grandes em relação aos dos países concorrentes, podia permitir-se ter uma inflação igualmente superior na mesma proporção. Quando isso não acontece, a taxa de inflação potencial é limitada pela competitividade. Mas, temos vindo a raciocinar até aqui com taxas de câmbio fixas. Quando um país (como o Japão) provoca uma depreciação da sua moeda em relação ao Euro, isso equivale a um ganho em produtividade aparente, e naturalmente o nível de inflação que o Japão pode suportar aumenta.
Se passarmos a raciocinar considerando que a França recupera a sua soberania monetária, uma desvalorização do franco em relação às moedas dos países que são nossos concorrentes permitiria ter uma taxa de inflação superior à desses países.
O nível de inflação natural da França
Publicámos um " working paper " sobre este assunto em Junho de 2012. [1] Nele demonstra-se que em TODAS as inflações há uma componente monetária e uma componente real, a que chamamos taxa de inflação "natural". Os determinantes dessa inflação "real" devem ser procurados nas estruturas económicas. Esses determinantes decompõem-se em factores "estruturais-técnicos", em factores "institucionais" e em factores "sociais" (ver a tabela 1). Um dos principais resultados demonstrados foi que toda a política que visa aproximar a inflação do zero, teria um efeito tanto mais deletério sobre o crescimento económico quanto mais alta fosse a inflação "natural" dessa economia.
Tabela 1- Elementos da taxa de inflação dita "natural"
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(1) Mudanças internas no seio do aparelho produtivo tornando necessárias variações dos preços e dos rendimentos relativos. | Estrutural - Técnica |
- Progresso técnico e tecnológico, ritmo da
inovação
- Introdução de novos métodos de gestão e de organização - Mudanças institucionais |
(2) Desequilíbrio forte entre a estrutura técnica necessária do capital produtivo e a estrutura presente que pode necessitar uma recuperação de investimento. | Estrutural - Técnica |
- Ruptura importante nos equilíbrios entre diversas tecnologias
- Inovação radical - Atraso acumulado do investimento em períodos anteriores |
(3) Forte rigidez das estruturas de consumos intermédias ligada à forte especificidade dos activos | Estrutural - Técnica | - Aumento acentuado dos custos de consumos intermédios (preço da energia e das matérias-primas). |
(4) Forte dependência das fontes internas de financiamento devido tanto ao mau estado das instituições financeiras como a assimetrias de acesso a estas instituições. | Institucional |
- Alta acentuada das necessidades de investimentos para enfrentar uma grande
mutação ou uma forte expansão da procura.
- Deterioração no acesso às fontes externas de financiamento devido tanto a uma crise das instituições financeiras como a assimetrias fortes induzidas pelo racionamento do crédito. |
(5) Comportamentos de curto-prazo privilegiando a maximização do rendimento imediato e a detenção da liquidez. | Institucional |
- Agravamento brutal da incerteza institucional e contextual.
- Erros e perversõos da política monetária |
(6) Conflito de repartição Trabalhadores/Gestores ou Gestores/Proprietários | Social |
- Existência de desequilíbrios na repartição do
rendimento nacional
- Crise de legitimidade das formas de repartição devido às condições de formação de certos rendimentos |
(7) Desequilíbrio entre consumo e poupança na procura nacional ou no próprio interior da estrutura de consumo | Social |
- Bloqueios no acesso dos agentes nacionais aos bens de consumo e apoios da
poupança.
- Incerteza grave sobre o futuro, criando um pico contextual na necessidade de financiamento. |
No caso da França, os factores ditos
"estruturais-técnicos" desempenham um papel evidente, assim
como alguns dos factores sociais. É pois lógico que a taxa de
inflação em França seja mais elevada do que em
determinados países vizinhos. Os economistas do BCE afirmam há
muito que a melhor taxa de inflação é a mais baixa
possível. Sustentam este objectivo com a afirmação de que
os
agentes económicos não são minimamente sensíveis
à
ilusão nominal.
Por outras palavras, que os agentes estão plenamente conscientes das
modificações presentes e futuras dos preços de todos os
produtos e de todos os activos, e que determinam a sua atitude em
relação à sua riqueza real. Recordemos que era a mesma
hipótese que um dos pais teóricos do Euro, Mundell, tinha
mobilizado. Em meados dos anos 90, George Akerlof e os investigadores da
Brookings Institution nos Estados Unidos demonstraram a persistência
dessa
ilusão nominal
tão referida nos escritos monetaristas.
[2]
Isso levou-os a reconhecer que era necessária uma certa
inflação para o desenvolvimento económico. Deduziram que a
importância da rigidez resultante do sector real e das
instituições económicas tinha consequências
importantes sobre a taxa de inflação. Esta rigidez traduz a
individualidade da trajectória social e histórica de cada
país.
[3]
Ora, constata-se que, mesmo com uma política monetária uniforme
(levada à prática pelo BCE), as diferenças de taxas de
inflação entre os países da zona Euro não
são negligenciáveis.
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Áustria | 1,7 | 1,4 |
Bélgica | 2,2 | 1,7 |
Dinamarca | 2,2 | 2,0 |
Finlândia | 1,2 | 1,8 |
França | 2,1 | 1,4 |
Alemanha | 1,1 | 1,2 |
Grécia | 3,2 | 2,7 |
Irlanda | 3,2 | -1,1 |
Itália | 2,6 | 1,9 |
Luxemburgo | 3,6 | 1,8 |
Países Baixos | 2,6 | 1,4 |
Portugal | 3,0 | 1,5 |
Espanha | 4,1 | 1,4 |
Zona Euro | 2,2 | 1,4 |
Total OCDE | 2,6 | 1,8 |
Um estudo realizado sobre as dinâmicas da inflação nos
países da zona Euro reveste-se aqui duma importância especial.
[4]
O trabalho de Christian Conrad e Menelaos Karanasos, com data de 2004,
demonstra dois resultados essenciais. Primeiro,
não há uma dinâmica única da inflação
no seio da zona Euro e esta não influencia sempre negativamente o
crescimento económico.
Estamos na presença de dinâmicas diferenciadas e, em certos
casos, a inflação aparece mesmo como necessária ao
crescimento. Segundo, o trabalho deles mostra que a heterogeneidade dos
sistemas produtivos e das estruturas sociais se reflecte nas dinâmicas
monetárias. A moeda é um espelho, ou mesmo uma lente de aumentar,
das dinâmicas do mundo real. Podemos pois pensar que uma taxa de
inflação correspondente àquela a que chamamos
inflação "natural", ou seja, uma taxa não
penalizadora do crescimento e correspondente à maximização
do crescimento potencial (com um
"intervalo de crescimento" ou
output gap
nulo), seria para a França na ordem dos 3%, e isso sem um choque
inflacionista exógeno.
Os factores de crescimento
É necessário determinar agora quais são os factores que influenciam mais o crescimento. O investimento, em capital fixo, em infra-estruturas, mas também na educação, determina globalmente o crescimento potencial máximo. O crescimento também é sensível, sabe-se, a uma sobrevalorização ou a uma desvalorização da moeda em relação às divisas dos países concorrentes (efeito de competitividade). Finalmente, está ligado a curto prazo à evolução da procura tanto no interior do país como no exterior. Mas estes diferentes factores são interdependentes. Uma subvalorização da moeda e o crescimento da procura interna aumentam o nível dos investimentos, o que se traduz depois de um certo prazo num aumento do potencial de crescimento a longo prazo. Inversamente, se a procura se contrai e se a taxa de câmbio é sobrevalorizada durante um período relativamente longo, isso arrasta uma baixa do investimento e portanto uma baixa do crescimento potencial. É de resto o que observamos actualmente em Espanha, em Itália e em França. Os factores sobre os quais podemos agir imediatamente são o valor da moeda e a procura. Diversos estudos feitos, em particular no INSEE, mostram que uma variação de 10% na taxa de câmbio (neste caso a taxa de câmbio do Euro) arrasta uma flutuação em sentido inverso do crescimento real de 0,6% no primeiro ano e de 1,2% no segundo ano. Há a tendência para considerar actualmente que estes números até estão subavaliados porque a procura interna está relativamente deprimida, o que aumenta a importância potencial da procura externa (as exportações).
Se supusermos, no quadro de uma saída do Euro, uma desvalorização do franco de 20% em termos reais, isso implica um crescimento suplementar de 1,2% no primeiro ano e de 2,4% no segundo ano. Mas a desvalorização implica também um choque inflacionista, que pode ser estimado, neste nível de desvalorização, em 5% no primeiro ano e em 3% no segundo ano. O ganho de competitividade assim conseguido pode ser mantido se o Banco da França adoptar uma política direccionada para uma taxa de câmbio de referência. Mas, para tal, serão certamente necessários controlos de capitais .
Movimentos da dívida em simulação
Vamos agora comparar as trajectórias da dívida seguindo, por um lado, as hipóteses do governo e, por outro lado, considerando a hipótese da saída do Euro. Na hipótese H1, supomos a saída do Euro, acompanhada por uma desvalorização de 28%. O impacto desta desvalorização sobre a dívida será limitado aos 14% desta última que estão sob contratos de direito estrangeiro. O défice [orçamental] é de 3,7% do PIB no primeiro ano, de 3,5% nos dois anos seguintes e de 3% no resto do período. O crescimento real é estimado em +1,2% no primeiro ano, +2,4% no segundo ano e mantém-se em 2% nos anos seguintes. Isto provavelmente é pessimista, porque subavalia o impacto do choque de competitividade na economia francesa. Adoptemos então uma hipótese H1' que tem em conta um efeito positivo mais importante da desvalorização sobre o crescimento e uma taxa de crescimento residual de 2,3% no final do período. Quanto à taxa de inflação supõe-se que ela se mantém constante em 3% por ano (taxa natural) à qual se junta um choque de 5% no primeiro ano e de 3% no segundo ano para ter em conta os efeitos da desvalorização. Supõe-se que o Banco de França deixa deslizar cerca de 2% por ano o valor do franco durante dois anos para manter o efeito positivo da desvalorização.
Na hipótese H0, o défice atinge 3,7% no primeiro ano, 3,5% nos dois anos seguintes e seguidamente estabiliza em 3% do PIB. O crescimento é nulo no primeiro ano (o que actualmente parece ser optimista), depois é igual a 0,5% nos três anos seguintes e a 1% no resto do período. A taxa de inflação é de 1,4% ao ano o que corresponde à média do período 2007-2011. Segundo esta hipótese, o endividamento da França continua a aumentar.
Constata-se no gráfico 1 a divergência das trajectórias. Aquela que corresponde às hipóteses do governo mostra-se incapaz de travar o movimento da dívida. Quando muito, atrasa-o. As hipóteses H1 e H1' permitem verificar ao longo de 10 anos o decrescimento do peso da dívida relativamente ao PIB e isso sem ter em conta hipóteses especiais sobre a dimensão do défice.
Os factores de crescimento
É necessário determinar agora quais são os factores que influenciam mais o crescimento. O investimento, em capital fixo, em infra-estruturas, mas também na educação, determina globalmente o crescimento potencial máximo. O crescimento também é sensível, sabe-se, a uma sobrevalorização ou a uma desvalorização da moeda em relação às divisas dos países concorrentes (efeito de competitividade). Finalmente, está ligado a curto prazo à evolução da procura tanto no interior do país como no exterior. Mas estes diferentes factores são interdependentes. Uma subvalorização da moeda e o crescimento da procura interna aumentam o nível dos investimentos, o que se traduz depois de um certo prazo num aumento do potencial de crescimento a longo prazo. Inversamente, se a procura se contrai e se a taxa de câmbio é sobrevalorizada durante um período relativamente longo, isso arrasta uma baixa do investimento e portanto uma baixa do crescimento potencial. É de resto o que observamos actualmente em Espanha, em Itália e em França. Os factores sobre os quais podemos agir imediatamente são o valor da moeda e a procura. Diversos estudos feitos, em particular no INSEE, mostram que uma variação de 10% na taxa de câmbio (neste caso a taxa de câmbio do Euro) arrasta uma flutuação em sentido inverso do crescimento real de 0,6% no primeiro ano e de 1,2% no segundo ano. Há a tendência para considerar actualmente que estes números até estão subavaliados porque a procura interna está relativamente deprimida, o que aumenta a importância potencial da procura externa (as exportações).
Se supusermos, no quadro de uma saída do Euro, uma desvalorização do franco de 20% em termos reais, isso implica um crescimento suplementar de 1,2% no primeiro ano e de 2,4% no segundo ano. Mas a desvalorização implica também um choque inflacionista, que pode ser estimado, neste nível de desvalorização, em 5% no primeiro ano e em 3% no segundo ano. O ganho de competitividade assim conseguido pode ser mantido se o Banco da França adoptar uma política direccionada para uma taxa de câmbio de referência. Mas, para tal, serão certamente necessários controlos de capitais .
Movimentos da dívida em simulação
Vamos agora comparar as trajectórias da dívida seguindo, por um lado, as hipóteses do governo e, por outro lado, considerando a hipótese da saída do Euro. Na hipótese H1, supomos a saída do Euro, acompanhada por uma desvalorização de 28%. O impacto desta desvalorização sobre a dívida será limitado aos 14% desta última que estão sob contratos de direito estrangeiro. O défice [orçamental] é de 3,7% do PIB no primeiro ano, de 3,5% nos dois anos seguintes e de 3% no resto do período. O crescimento real é estimado em +1,2% no primeiro ano, +2,4% no segundo ano e mantém-se em 2% nos anos seguintes. Isto provavelmente é pessimista, porque subavalia o impacto do choque de competitividade na economia francesa. Adoptemos então uma hipótese H1' que tem em conta um efeito positivo mais importante da desvalorização sobre o crescimento e uma taxa de crescimento residual de 2,3% no final do período. Quanto à taxa de inflação supõe-se que ela se mantém constante em 3% por ano (taxa natural) à qual se junta um choque de 5% no primeiro ano e de 3% no segundo ano para ter em conta os efeitos da desvalorização. Supõe-se que o Banco de França deixa deslizar cerca de 2% por ano o valor do franco durante dois anos para manter o efeito positivo da desvalorização.
Na hipótese H0, o défice atinge 3,7% no primeiro ano, 3,5% nos dois anos seguintes e seguidamente estabiliza em 3% do PIB. O crescimento é nulo no primeiro ano (o que actualmente parece ser optimista), depois é igual a 0,5% nos três anos seguintes e a 1% no resto do período. A taxa de inflação é de 1,4% ao ano o que corresponde à média do período 2007-2011. Segundo esta hipótese, o endividamento da França continua a aumentar.
Constata-se no gráfico 1 a divergência das trajectórias. Aquela que corresponde às hipóteses do governo mostra-se incapaz de travar o movimento da dívida. Quando muito, atrasa-o. As hipóteses H1 e H1' permitem verificar ao longo de 10 anos o decrescimento do peso da dívida relativamente ao PIB e isso sem ter em conta hipóteses especiais sobre a dimensão do défice.
A evolução do défice orçamental
Constatamos que seria possível atingir um decrescimento da dívida expressa em percentagem do PIB sem mobilizar novas hipóteses quanto ao défice orçamental e sem aplicar à França um choque fiscal demasiado forte. Mas se observarmos as receitas, as despesas e os benefícios fiscais e parafiscais, constata-se que:
Constatamos que seria possível atingir um decrescimento da dívida expressa em percentagem do PIB sem mobilizar novas hipóteses quanto ao défice orçamental e sem aplicar à França um choque fiscal demasiado forte. Mas se observarmos as receitas, as despesas e os benefícios fiscais e parafiscais, constata-se que:
-
(i) Há cerca de 75 mil milhões (3,75% do PIB) em "nichos
fiscais" diversos. Uma série deles estão ligados à
necessidade de a França compensar o seu diferencial de competitividade
com os
outros países. No caso de uma forte desvalorização, uma
parte destes nichos fiscais torna-se supérflua. O ganho estimado
é de 25 mil milhões de Euros (orçamento de 2012), ou seja,
de 1,25% do PIB.
-
(ii) O crescimento implica automaticamente uma subida das receitas fiscais (em
especial via IVA). A diferença entre o crescimento na hipótese H0
e a hipótese H1 é em média de 1,5 pontos do PIB para os
primeiros 4 anos e de 1 ponto para os anos seguintes. Isso implica um ganho de
0,67 pontos do PIB em receitas suplementares nos primeiros 4 anos e de 0,45
pontos do PIB nos anos seguintes.
- (iii) Com o regresso a um crescimento superior a 1,5%, como se simulou nas trajectórias H1 e H1', observa-se uma descida do desemprego e portanto uma baixa dos encargos ligados aos subsídios de desemprego. A recuperação desses encargos pelas empresas e assalariados poderá ser equivalente a 0,2% de crescimento suplementar a partir do terceiro ano.
Chegamos pois, no quadro da hipótese H1 a um crescimento suplementar e a
receitas de 1,92 pontos do PIB para os primeiros quatro anos [isto é,
1,25 da alínea i, mais 0,67 de ii] e de 1,7 pontos
para os anos seguintes. Se aplicarmos estas vantagens na trajectória H1,
chamando H2 à nova trajectória, constata-se uma baixa muito mais
acentuada do peso da dívida pública.
Conclusão
Não há qualquer necessidade de considerar hipóteses extremas do ponto de vista das receitas e das despesas fiscais para obter uma baixa do peso da dívida pública. A variável principal é o crescimento nominal. Deste ponto de vista, uma saída do Euro acompanhada por uma forte desvalorização dá já resultados importantes. Se juntarmos a esta hipótese o efeito fiscal do crescimento reencontrado, supondo ajustamentos marginais (1/3 dos "nichos fiscais), os efeitos, bem entendido, multiplicam-se. Podemos assim fazer baixar a dívida pública para menos de 65% do PIB sem exigir sacrifícios suplementares aos contribuintes e diminuindo o desemprego.
1. Jacques Sapir, Inflation monétaire ou inflation structurelle? Un
modèle hétérodoxe bi-sectoriel, FMSH-WP-2012-14, juin
2012. URL:
http://russeurope.hypotheses.org/61
Não há qualquer necessidade de considerar hipóteses extremas do ponto de vista das receitas e das despesas fiscais para obter uma baixa do peso da dívida pública. A variável principal é o crescimento nominal. Deste ponto de vista, uma saída do Euro acompanhada por uma forte desvalorização dá já resultados importantes. Se juntarmos a esta hipótese o efeito fiscal do crescimento reencontrado, supondo ajustamentos marginais (1/3 dos "nichos fiscais), os efeitos, bem entendido, multiplicam-se. Podemos assim fazer baixar a dívida pública para menos de 65% do PIB sem exigir sacrifícios suplementares aos contribuintes e diminuindo o desemprego.
2. G. A. Akerlof, W. T. Dickens et G. L. Perry, "The Macroeconomics of Low Inflation" in Brookings Papers on Economic Activity, n°1/1996, pp. 1-59.
3. B.C. Greenwald e J. E. Stiglitz, "Toward a Theory of Rigidities" in American Economic Review, vol. 79, n°2, 1989, Papers and Proceedings, pp. 364-369. J.E. Stiglitz, "Toward a general Theory of Wage and Price Rigidities and Economic Fluctuations" in American Economic Review, vol. 79, n°2, 1989, Papers and Proceedings, pp. 75-80.
4. C. Conrad e M. Karanasos, "Dual Long Memory in Inflation Dynamics Across Countries of the Euro Area and the Link between InflationUncertainty and Macroeconomic Performance", Studies in Nonlinear Dynamics & Econometrics, vol. 9, n°4, nov. 2005 (publicado por The Berkeley Electronic Press e consultável em http://www.bepress.com/snde )
10/Fevereiro/2013
Do mesmo autor em resistir.info:
Flexibilidade e desvalorização interna: Ideias perigosas na moda , 24/Jan/13
[*] Doctorat d'etat em economia, autor de Faut-il sortir de l'euro? e de La D�mondialisation . Actualmente dirige o Centre d'�tudes des Modes d'Industrialisation (CEMI-EHESS).
O original encontra-se em http://russeurope.hypotheses.org/855 . Tradução de Margarida Ferreira.
Não sou economista, mas não poderíamos buscar saídas assemelhadas para a economia brasileira?
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