O Brasil está "chegando à hora da decisão" para definir se quer que sua indústria prossiga na vocação histórica da diversificação ou se quer ter uma indústria especializada em setores "basicamente produtores de commodities", aqueles mais competitivos internacionalmente. A constatação é do economista David Kupfer, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que participou ontem de seminário promovido pelo BNDES para avaliar as Perspectivas do Investimento 2007/2010, compiladas a partir de levantamento do banco. A reportagem é do jornal Valor, 20-06-2007.
"Se continuarmos no quadro atual de custos sistêmicos (infra-estrutura, basicamente) altos, câmbio valorizado e produtividade crescendo lentamente, isso que chamam de desindustrialização irá acontecer", afirmou Kupfer após comentar a apresentação dos números compilados pelo BNDES. De acordo com esses números, o Brasil possui atualmente uma carteira de projetos, considerados apenas aqueles monitorados pelo banco estatal, que somam R$ 1,051 trilhão em 16 setores para efetivação até 2010, mais que o dobro do previsto no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que é de R$ 503,9 bilhões.
O diretor da área de Insumos Básicos do BNDES, Wagner Bittencourt, disse que o banco tem potencial para financiar R$ 53,1 bilhões em obras de infra-estrutura no âmbito do PAC. São 126 projetos nas áreas de energia, logística e saneamento, cujos investimentos totais somam R$ 95,3 bilhões. Os projetos estão no banco em fases que vão da consulta à liberação de recursos. Até 31 de maio haviam sido liberados R$ 624 milhões para 19 projetos de energia do PAC.
A apresentação dos números, transformados em um livro pela equipe do BNDES, acabou transformando-se em pano de fundo para uma discussão sobre o tema da desindustrialização, iniciada com a intervenção de Kupfer. O economista disse que, se os números referentes aos projetos de insumos básicos, ligados ao comércio internacional, e aqueles ligados aos investimentos (imóveis residenciais) e ao consumo de bens duráveis pelas famílias podem ser considerados "firmes", os projetos em infra-estrutura (R$ 197,9 bilhões) estão "sujeitos a chuvas e trovoadas" por serem muito dependentes do Estado brasileiro.
Kupfer disse que gostaria de ver o levantamento do BNDES expandido para as indústrias "que não estão no BNDES", ou seja, que não entram diretamente na relação de projetos encaminhados ao banco. Para ele, serão as medidas de política industrial que serão tomadas pelo governo que irão ou não fazer com que o que ele chama de "miolo da indústria" acompanhe o crescimento dos grandes projetos. "Você pode construir uma plataforma de petróleo com 10%, 20% ou 80% de índice de nacionalização. Vai depender das políticas que tenha para isso", exemplificou.
Do ponto de vista macroeconômico, Kupfer considera que se o real permanecer valorizado como está, o país pagará o preço daqui a, no máximo, dois anos. Junto com a política macroeconômica, ele avalia que a falta de infra-estrutura adequada e a dificuldade de acesso ao crédito para grande parte dessas empresas que produzem insumos industriais (partes, peças e componentes) vão acabar deixando toda a responsabilidade do crescimento industrial no aumento da produtividade. "É como querer que alguém dê respostas sem dar os meios para obter essas respostas", disse.
A economista Maria da Conceição Tavares, também da UFRJ, que mediou uma das meses, também atacou o câmbio. Para ela, o real valorizado traz uma situação paradoxal porque ajuda a controlar a inflação e a aumentar a renda real do trabalho, mas prejudica os segmento industriais que mais empregam. "Há uma situação tão paradoxal que o poder de compra melhora, mas a indústria que tradicionalmente trabalhou para os trabalhadores (para vender a eles), de móveis, têxteis , confecções e sapatos vai para o diabo", disse.
Conceição, conhecida por seu estilo polêmico, causou constrangimento ao criticar a apresentação de Ricardo Carneiro, da Unicamp. Carneiro havia batido na tecla da especialização, dizendo que faltava investimento público em infra-estrutura e que o crescimento da indústria estava sendo puxado pelos segmentos extrativos e pelo agronegócio. A economista da UFRJ, estruturalista e desenvolvimentista como Carneiro, disse que ele estava brigando com seus próprios pares ao não reconhecer que o agronegócio gera uma diversificação industrial também.
Isso tudo após o economista-chefe do Bradesco, Octávio de Barros, ter feito um discurso altamente otimista, com base em pesquisas feitas pelo departamento que dirige. Segundo ele, os dados obtidos mostram que há uma redução de custos industriais generalizada e o ambiente de estabilidade faz com que as empresas estejam com perspectiva de aumentar seus negócios. "É o momento de aproveitar a maré boa a fugir para a frente."
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que segunda-feira havia criticado o câmbio valorizado, adotou ontem um discurso mais positivo sobre o setor industrial ao destacar os investimentos feitos. "Os investimentos na indústria vêm crescendo de forma expressiva. Nos últimos 12 meses chegaram a R$ 30 bilhões no BNDES, aumentando em 35%. Portanto, demonstrando vigor num ciclo de crescimento de investimentos de diversos setores da indústria de transformação e da indústria extrativa", afirmou.
Entre junho do ano passado e maio deste ano, o BNDES desembolsou R$ 57,7 bilhões em financiamentos, com elevação de 26% em relação aos 12 meses anteriores. As aprovações para futuros empréstimos chegaram a R$ 88,3 bilhões, com acréscimo de 67%. O desempenho dos enquadramentos e das consultas também foi positivo no intervalo, avaliou o banco de fomento, com expansão respectiva de 33% (R$ 106,6 bilhões) e 27% (R$ 118,4 bilhões).
Todos os principais segmentos registraram alta de desembolsos e das aprovações nos últimos 12 meses em relação ao período anterior.
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