A província de Santa Fé, 400 km a nordeste de Buenos Aires, no coração do pampa rico, é a capital do agronegócio argentino. Favorecido por condições internacionais e internas, o setor vive espetacular momento, puxado principalmente pela soja transgênica e pelo leite. As divisas procedentes das exportações de cereais ajudam o governo central a fechar as contas no final do mês. No entanto, cabe perguntar: se a Argentina estiver sendo salva pela soja, quem a salvará dos problemas ambientais decorrentes? Segue a matéria de Christine Legrand, enviada especial a Rosário, publicada no Le Monde, 29-10-2007. A tradução é do Cepat.
Exatamente às 14 horas, elas avançam a passos inquietos. Tal qual estudantes educados, elas se colocam em fila perto de máquinas high-tech que permitem aos gaúchos ordenhá-las, duas vezes por dia, em poucos minutos. Uma das centenas de vacas preto e branco ostenta na orelha uma etiqueta com o nome de seu pai “Eddie”, um touro americano comprado a preço de ouro, há um ano, por Guillermo Veneranda. Esse veterinário, de cerca de 40 anos, está orgulhoso de apresentar a propriedade agrícola em que trabalha há cinco anos, após ter ficado muitos meses desempregado, durante a dramática crise financeira de 2002.
A 400 km a nordeste de Buenos Aires, no coração do pampa rico, na província de Santa Fé, a fazenda La Merced é uma das vedetes que testemunham a prosperidade do mundo agrícola, principal motor da espetacular retomada econômica. “Nós produzimos 60 mil litros de leite por dia, e a indústria leiteira, com a alta dos preços nos mercados internacionais, é tão rentável quanto a soja”, constata Veneranda.
A alguns quilômetros dali, na localidade de Clason, a usina de Santa Sylvina, ligada à fazenda La Merced, garante a produção de leite em pó destinada ao mercado local e à exportação para o Brasil, mas também para a Argélia e o Iraque. Com instalações ultramodernas, o estabelecimento fabrica também alimentos para o gado, principalmente à base de soja, “cuja demanda não pára de crescer, especialmente na Ásia”, se alegra Veneranda. A Argentina é o maior exportador mundial de óleo (desde 1996) e de farinha de soja (desde 1998).
Percorrendo as terras destinadas às pastagens para o gado no volante de seu 4 x 4, o veterinário aponta com o dedo os campos de soja que se estendem a perder de vista. O boom da soja a partir de 2002, acompanhado da desvalorização do peso, desordenou a vida da região mais fértil da Argentina com a chegada massiva de gente vinda das províncias vizinhas: há trabalho nos campos, nas usinas de produtos alimentícios e de material agrícola.
A febre da soja fez renascer um campo que agonizava nos anos 1990, com a paridade entre o peso e o dólar. Na época, uma colheitadeira importada dos Estados Unidos custava menos que uma comprada ali mesmo. Hoje, com um peso desvalorizado e uma elevação em dólares dos custos internacionais, a planta tornou-se o ouro verde da Argentina.
A soja transgênica representa 90% da produção nacional. As ONGs previnem contra uma monocultura que erode os solos e contra a utilização de produtos químicos poluentes. A soja é a principal cultura do país e ocupa mais de 50% das terras cultivadas: 15 milhões de hectares contra seis milhões há dez anos. A colheita, que foi de 45,5 milhões de toneladas em 2007, “poderá chegar a 60 milhões de toneladas”, se entusiasma o economista Rogelio Ponton. Ele lembra que a China é o maior cliente.
A soja vive dias promissores com o desenvolvimento dos biocarburantes, acrescenta Jorge Weskamp, presidente da Bolsa de Comércio de Rosário, principal cidade da província de Santa Fé e porto dinâmico de onde sai a maior parte das exportações agro-alimentares. Santa Fé é o maior centro oleoginoso do mundo com uma produção de 150 mil toneladas/dia de óleos vegetais. Ela garante 21% do total das exportações argentinas.
A Argentina, que era um dos maiores produtores de grãos do mundo no começo do século XX, retoma o oitavo lugar na produção mundial de alimentos. As colheitas de cereais atingem níveis recordes: 95 milhões de toneladas em 2007; 100 milhões de toneladas previstas para 2008. Com a alta contínua dos preços internacionais do trigo, do milho, da soja e do girassol, eles representaram 15 bilhões de dólares em 2007. Estima-se 20 bilhões de dólares em 2008.
O modelo agrícola competente atrai os investimentos estrangeiros. Perto de 90% das exportações agro-alimentares estão nas mãos de dez multinacionais, a maioria americanas.
Entretanto, os produtores se queixam das taxas impostas pelo governo peronista de Néstor Kirchner sobre as exportações: quase 30% por tonelada de cereais. “É verdade que, na atual conjuntura, os agricultores têm ganhos consideráveis”, admite Veneranda. O proprietário de La Merced, Federico Boglione, descendente de imigrantes italianos, possui três outras fazendas, que também exportam leite, cereais, carne, mas também touros destinados à reprodução.
A taxa sobre as exportações de cereais, que representou este ano em torno de quatro bilhões de dólares aos cofres do Estado, tornou-se indispensável para o governo fechar as contas no final do mês. O próximo governo poderia ser tentado a aumentá-la.
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