Uma década depois de La modernidad desbordada (FCE), e confirmando suas intuições, o indiano Arjun Appadurai (Bombaim, 1949) nos brinda com El rechazo de las minorías, um ensaio em que retoma e atualiza uma percepção recorrente na antropologia – em Mary Douglas, por exemplo – acerca da preocupação que todas as sociedades experimentam por manter na linha o seu principal inimigo, que não é tanto a desordem, mas a ambigüidade. Esse pavor diante do desbotamento dos perfis e dos limites é o que viria a apaziguar modalidades de agressão destinadas a castigar os suspeitos por terem vulnerado ou questionado as fronteiras simbólicas que protegem o grupo (qualquer grupo) dos perigos que o espreitam.
A matéria é de Manuela Delgado e foi publicada no El País, 27-10-2007. A tradução é do Cepat.
Aplicando tal premissa, Appadurai observa que as grandes dinâmicas globalizadoras não fizeram senão intensificar esse ingrediente estratégico do qual dependeram os Estados-nação, que foi, desde e para o seu nascimento, a homogeneidade cultural dos territórios e populações administradas. O estouro das certezas culturais compartilhadas que deram consistência às nações modernas – e perdão pelo pleonasmo – levou à generalização daquilo que o autor chama de “angústia do incompleto”, que está se traduzindo num crescente enfurecimento contra qualquer minoria, real ou inventada, que ameace suas supostas integridade e persistência idiossincráticas. Como se todo Estado-nação – formado ou em amadurecimento; aqui e em todas as partes – levasse em si, enrustido em seu narcisismo fundador, o germe do etnocídio ou, como aponta Appadurai, do ideocídio.
O fenômeno derivaria, como outros associados à violência como recurso contra a ansiedade coletiva, de uma proliferação de sistemas celulares, um tipo de organização molecular que está na base hiper-ativa e ao mesmo tempo hiper-dispersa tanto do terrorismo internacional como do novo intervencionismo imperialista, tanto do capitalismo financeiro como daqueles que se atrevem a encará-lo. Um mundo cada vez mais invertebrado e modular, regido mais por códigos desconhecidos, nos quais os Estados-nação aparecem cada vez mais marginalizados e – pior para eles – cada vez mais prescindíveis.
É frente a essa consciência de crise e insegurança que as maiorias estatais contemplam qualquer exceção procedente do exterior ou emergente em seu seio como um fator de risco e uma anomalia a ser neutralizada. Risco e anomalia não obstante indispensáveis, posto que é deles, ou melhor, contra eles, que os Estados constituídos obtêm a evidência paradoxal de uma existência própria que ninguém melhor para corroborar do que aqueles que a questionam.
Inquieta esse tópico que dá como certo que o que se chama de “exacerbamento dos nacionalismos” se combate viajando, aceitando o outro que chega e conhecendo o outro ao qual se chega, aumentando a dose de cosmopolitismo, etc.
O que Appadurai acaba de sustentar é exatamente o contrário. É a promiscuidade cultural, a proliferação de espaços abstratos como o cibernético, o fluxo de capitais e verdades, o aumento das inter-relações e das misturas o que leva a desvanecer-se toda ilusão de pureza e a buscar o contrapeso de tal frustração em autenticidades que, alheias ao mundo, já não podem ser senão ideológicas ou religiosas. Em casos extremos, somente a violência fanática poderá restabelecer a unidade perdida ou afastada. Diante da desordem e da fragilidade do real, só resta a estabilidade imutável das doutrinas mais ferozes, uma ordem atroz que será tanto mais severa quanto mais a experiência se empenhar em desmenti-la, e que não duvidará em afastar, enquanto for preciso, aquilo ou aqueles que se atreverem a lembrar-lhe que só pode existir como sonho para uns e pesadelo para outros.
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