"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, fevereiro 12, 2008

instituto Humanitas Unisinos - 09/02/08

Hobsbawm discute democracia e globalização no século 21


A hegemonia dos Estados Unidos no mundo pós-Guerra Fria é analisada pelo historiador Eric Hobsbawm no livro Globalização, Democracia e Terrorismo – editado no Brasil pela Companhia das Letras. O livro é comentado pelo escritor e poeta Régis Bonvicino na Folha de S.Paulo, 09-02-2008.

Eis o comentário.

Globalização, Democracia e Terrorismo é coletânea de dez ensaios curtos (2000 a 2006), nos quais o historiador Eric Hobsbawm aborda as conseqüências da globalização, que, para ele, trouxe "uma dramática acentuação das desigualdades econômicas e sociais no interior das nações e entre elas" e sua repercussão política e cultural, em desproporção - segundo ele - com sua "escala real modesta". Para analisá-la, faz um estudo comparativo, ao longo dos textos, entre o século 20 e o 21 e examina o legado daquele para este, onde uma única superpotência, a partir, sobretudo, de George W. Bush, intenta dominar, militarmente, o mundo.

Hobsbawm não repete clichês, desmonta-os, quando afirma que: "...isso ressalta a fraqueza relativa e absoluta dos movimentos terroristas da fase atual. Eles são sintomas e não agentes históricos significativos", remarcando que, por mais horripilante que tenha sido o 11 de Setembro de 2001, o poder internacional do país e suas estruturas internas não foram afetadas em nada.

Sintomas, então, do quê? Do esgotamento do Estado nacional e da subseqüente erosão de seus sistemas jurídicos e, principalmente, internacionais, estes por terem perdido seu caráter imperativo, a ser seguido por todos os Estados, em razão do fim da Guerra Fria (extinção, em 1989, da União Soviética) e com a ruptura unilateral, promovida pelos Estados Unidos, com a Guerra do Iraque. Os temas do livro são tão abrangentes, que me limitarei a tatear apenas dois, o do nacionalismo e o da hegemonia norte-americana.

Para Hobsbawm, passou-se do mundo nítido da Guerra Fria, onde as duas superpotências (EUA e União Soviética) respeitavam as fronteiras nacionais de aliados e adversários, em virtude do medo de uma guerra nuclear, para uma situação difusa, sem mediação legislativa sólida, onde as empresas transnacionais privatizaram o direito internacional público e, desde então, "as decisões sobre guerra e paz têm sido improvisadas", provocando tensão permanente. Para ele, "o equilíbrio entre a guerra e a paz no século 21 dependerá muito mais da estabilidade interna dos países e da capacidade de evitar os conflitos militares do que da construção de mecanismos mais eficazes para a negociação e solução de controvérsias".

Com isso, reafirma a falência da ONU. Na trilha do esgotamento do Estado nacional, causado pela globalização econômica, toca num ponto decisivo e, até aqui, pouco pensado: ela não se dá no campo da política, que permanece provinciana, louvando-se de "democracias eleitorais aritméticas", que pouco representam o povo. Ou, no dizer do cartunista El Roto, do jornal espanhol El País, em uma vinheta acerca de políticos: "Globalización si... y pero con muros". Esse desencontro entre economia e política (provincial) leva Hobsbawm à descrença na construção de mecanismos internacionais que possam impedir, de modo efetivo, a guerra, imediatamente.

No ensaio "Por Que a Hegemonia dos Estados Unidos Difere da do Império Britânico", o autor acaba por revelar a índole isolacionista que está na origem e no presente daquele país. Afirma: "A paz internacional não é criação dos impérios, e sim o que lhes dá chance de sobreviver".

Hobsbawm explica que os Estados Unidos ergueram seu império a partir do continente, de uma revolução de independência, com o suporte, depois, de Estados solícitos. E que a Grã-Bretanha montou o seu, nos séculos 18 e 19, lastreada em bases marítimas em todo o globo, reconhecendo, no entanto, suas limitações bélicas.

Aponta a diferença central: os Estados Unidos definem ideologicamente os seus inimigos, "aqueles que rejeitam o estilo de vida americano, quem quer que sejam", comunistas, traficantes ou islamistas. Concluindo que lá existe uma "democracia de negócios": "O que é bom para o país, é bom para a General Motors", relembrando o lema dos anos 1950.

Portanto, em novembro deste ano, o povo estadunidense decidirá - nas urnas, com seu sentido plurívoco - se revigora o dístico e a "megalomania inata" ou se opta pela reconstrução de uma nova ordem mundial pacífica, com respeito às diferenças.

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