Reportagem de Luciana Sgarbi para a revista IstoÉ, nas bancas, relata a imensa plataforma de sujeira encontrada no oceano Pacífico e formada sobretudo por resíduos de plástico.
Foi durante uma alegre competição de barco a vela que o oceanógrafo americano Charles Moore se deparou com algo trágico: um gigantesco depósito de lixo em pleno mar. “Fiquei impressionado, de repente estava no meio daquilo. Para onde eu olhava, via lixo”, diz ele. A
Pode ser que os milhões de toneladas tenham passado despercebidos pelas autoridades ambientais e sua tecnologia - translúcida, a mancha flutua rente à linha da água e, por isso, pode ser imperceptível aos satélites. Mas, de acordo com o Programa Ambiental da ONU, detritos de plástico constituem 90% de todo o lixo flutuante nos oceanos. Estima-se que 46 mil peças de plástico provoquem anualmente a morte de mais de um milhão de aves e de outros 100 mil mamíferos marinhos. Seringas, isqueiros e escovas já foram encontrados no estômago desses animais depois de mortos.
A gravidade do problema soou como um alarme aos ouvidos de especialistas de todo o mundo. O oceanógrafo David Karl, da Universidade do Havaí, pretende coordenar uma expedição para estudar o problema ainda este ano, pois acredita que esse lixo no Pacífico já formou um novo habitat marinho. Tão cedo, porém, essa situação não será resolvida. A área, conhecida como "giro Pacífico norte", é um local onde o oceano é calmo devido aos poucos ventos e aos sistemas de pressão extremamente altos.
Essas condições naturais estariam "segurando a sujeira". "Da mesma forma que ela está presa naquele redemoinho, a sociedade está presa a maus costumes", diz Moore. E com razão: até pesquisadores da Agência Espacial Americana (Nasa) e de agências russas estão acostumados a despejar toneladas de resíduos de suas espaçonaves no oceano Pacífico.
A nave russa Progress M-59, por exemplo, teve seus fragmentos carbonizados e lançados ao mar - uma tonelada de lixo. Em forma de chuva de metal incandescente, os destroços caíram em uma zona entre a Oceania e as Américas (a mesma região da sopa) e, assim, o caldo de trambolhos e quinquilharias foi ganhando proporções cada vez maiores.
A fiscalização para evitar agressões ao meio ambiente em geral costuma ser fraca, e mais inoperante ainda é a fiscalização que deveria proteger o ambiente marinho - a absurda sopa de lixo no Pacífico comprova esse fato. Convenções internacionais determinam que todas as embarcações devem manter em recipientes adequados os seus resíduos produzidos a bordo, sendo proibido (e passível de multa) o seu descarte no mar - a Marinha brasileira estabelece punições pecuniárias que vão de R$ 7 mil a R$ 50 milhões. Uma vez boiando nos oceanos, no entanto, esses resíduos passam a ser sujeira sem dono - como ponta de cigarro na rua.
Ainda que se saiba a sua procedência, é impossível responsabilizar culpados. Por isso a fiscalização é teórica e ineficaz, por isso formam-se lixões como o do Pacífico, por isso a humanidade, feito suicida, emporcalha aquilo que é a principal condição biológica para a sua sobrevivência - a água.
Califórnia, no oeste dos EUA, esse depósito estava e ainda está lá. A primeira e mais importante questão é saber como essa mancha se formou e cresceu. A primeira e mais importante resposta, impressionante e assustadora, é que a grande sujeira que muitas vezes se tenta esconder debaixo do imenso tapete de mar é fruto da falta de consciência ambiental - um dia ela aparece e bóia, um dia a atitude predatória vem à tona, ainda que seja em meio a uma tranqüila regata. "Toda vez que eu ia ao deque via coisas boiando.
Como nós conseguimos sujar uma área tão enorme?", pergunta Moore. O especialista que passou anos em seu barco estudando essa área (do Havaí até quase o Japão) revela que a mancha tem mais de dez anos. E suas proporções são assustadoras: "Ali existem cerca de 100 milhões de toneladas de detritos." A formação desse megaentulho, apelidado pelos especialistas de "sopa plástica", é atribuída a dois fatores combinados: ação humana e ação da natureza.
Os pesquisadores contabilizam que um quinto dos resíduos foi jogado de navios ou plataformas petrolíferas, e inclui itens como bolas de futebol, caiaques, sacolas plásticas e restos de naufrágios. O restante veio da terra. No mar, esse lixo flutuante acabou se agrupando por influência das correntes marítimas. E então ficou vagando.
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