...haverá efeitos na inflação, na segurança alimentar dos países e na desigualdade mundial, dizem especialistas. A reportagem é de Fabiana Ribeiro e publicada pelo jornal O Globo, 18-05-2008.
O que aconteceria no mundo se cada chinês aumentasse em 25% seu consumo anual de frango e porco?
Um frango e oito quilos de suíno a mais na mesa de cada chinês por ano teriam efeitos nos preços da comida, na economia dos demais países, na segurança alimentar e na desigualdade mundial, alertam especialistas.
É um cenário possível em cinco ou seis anos — que poderia ter efeitos agravados em caso de problemas climáticos ou acidentes naturais.
Nos cálculos de Mauro Lopes, especialista em agricultura da Fundação Getulio Vargas (FGV), para cada frango a mais consumido por habitante na China, por ano, serão necessários 5,6 milhões de toneladas de milho e 2,4 milhões de toneladas de soja.
E cada oito quilos a mais de suínos na dieta anual dos chineses demandam 21,5 milhões de toneladas de milho e 7,8 milhões de toneladas de soja.
Mais proteínas e menos cereais na dieta Soja, na opinião de Lopes, não é o problema. A questão é o milho: a China teria de importar os 27,1 milhões de toneladas extras do grão. As exportações anuais dos Estados Unidos são de cerca de 60 milhões de toneladas. Isto é: um aumento de consumo dessas proporções da China acarretaria uma explosão de preços do milho ou privação para muitos consumidores em outros países. Ou os dois cenários, prevê o especialista.
— Se somarmos o que Brasil e Argentina exportam, isso ainda não atenderia à demanda extra da China. Se o consumo de alimentos na China continuar crescendo, não haverá produto para todo mundo. O efeito é nos preços, que poderiam triplicar. Por isso, a taxa de crescimento populacional da China tem que cair. E é preciso fazer ajustes internos para que o país cresça até 6% ao ano (atualmente são cerca de 11%) — disse Lopes.
Estaria, então, o futuro do mercado de alimentos — e da crise — na mesa dos chineses?
Para o professor da FGV, sim.
— A crise de alimentos está nas mãos da China, se ela não conseguir conter o desejo do povo de se alimentar mais e melhor. Aí não há cenário possível de se prever. As grandes movimentações populares na China partiram de escassez de alimentos. É uma questão política — explicou Lopes, frisando que petróleo e clima são fatores que contribuem para a crise.
— Estamos no limite, com estoques baixos, que não atingem hoje 12,5% do consumo mundial. Se houver problema de clima, como começou a ocorrer com atraso no plantio de milho em Missouri, Iowa, Mississipi há uma semana, uma importação extra de seis milhões de toneladas seria a gota d’água que desencadearia elevação insuportável de preços.
Mas a pergunta é: até que ponto os EUA suportarão a pressão mundial para que o país reveja a política de etanol? O aumento de renda da população chinesa — rural e urbana — explica parte da crise dos alimentos. E a urbanização fortalece a alta do consumo, embora ainda seja de 39%, equivalente à taxa do Reino Unido em 1850 e à dos Estados Unidos em 1911. Ao trocar o campo pela cidade, boa parte busca empregos na indústria, que pagam mais. No entanto, esses trabalhadores urbanos se tornam consumidores de algo que não produzem mais: alimentos. E querem comer melhor: mais proteína animal, menos cereais.
— Com melhores salários, não é qualquer elevação dos preços que conterá o consumo de alimentos na China. E se alguém come mais, outro come menos — explicou Chico Menezes, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
Na avaliação de Menezes, um aumento abrupto do consumo na China teria força para espalhar fome nos quatro cantos do mundo: — Esse aumento de consumo pode tornar vulneráveis regiões que não cuidaram de seu autoabastecimento, como países da África, Honduras, El Salvador, Haiti e México. E, com isso, a questão da segurança alimentar está ameaçada especialmente nesses países: mais gente pode comer menos e pior. Menos comida, preços ainda mais altos.
Uma equação que levaria o mundo a aumentar a desigualdade.
Os especialistas se dividem, no entanto, na hora de refletir sobre as possíveis saídas para o problema. Segundo Menezes, não há soluções globais: — Frente a um consumo desse porte, os governos terão de resolver seus problemas de forma independente. Restrições como a da Argentina com o trigo (veto à exportação) podem se multiplicar.
Para Pierre Vilela, analista da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais, o fim dos subsídios agrícolas especialmente em Europa e EUA, que mexem artificialmente nos preços, e um livre comércio é uma das saídas à crise dos alimentos e ao aumento de consumo na China — e ainda em Índia e Rússia.
Na China, oportunidade para o agronegócio brasileiro Ricardo da Cotta, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), pondera que um salto de 25% no consumo de frango e suínos não se dá de um ano para o outro. E que, por isso, o mundo tem como se preparar para abastecer a China. Os países terão que produzir mais e ter uma maior produtividade. Nesse contexto, o Brasil sai à frente — com terra, água e capacidade de aumentar a produção.
— A fome na China é uma excelente oportunidade para o agronegócio brasileiro.
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