por Matt Taibbi
Se alguma vez foi preso por posse de droga, se alguma vez passou um dia na
prisão por ter um bocado de marijuana no seu bolso ou "equipamentos
de droga" na sua mochila, o procurador-geral assistente e amigo de longa
de data de Bill Clinton, Lanny Breuer, tem uma mensagem para si: Suma daqui.
Breuer concluiu esta semana um
acordo
com o gigante bancário
britânico HSBC que é o insulto final a toda pessoa comum que
alguma vez na vida teve a sua vida alterada por uma acusação de
narcóticos. Apesar do facto de o HSBC ter admitido que lavava milhares
de milhões de dólares para cartéis de droga colombianos e
mexicanos (entre outros) e violava um conjunto de importantes leis
bancárias (desde o Bank Secrecy Act até o Trading With the Enemy
Act), Breuer e seu Departamento da Justiça preferiu não efectuar
processamentos criminais do banco, optando ao invés por um
acordo financeiro recorde
de US$1,9 mil milhões, que um analista observou
corresponder a cerca de cinco semanas de rendimento do banco.
As transacções de lavagem dos bancos eram tão descaradas
que a National Security Agency provavelmente podia tê-las detectado do
espaço. Breuer admitiu que os traficantes de droga por vezes vinham a
agências mexicanas do HSBC e "depositavam centenas de milhares de
dólares em cash, num único dia, numa única conta,
utilizando caixas concebidas para ajustarem-se às dimensões
precisas das janelas dos caixas".
Isto importa repetir: a fim de movimentar mais eficientemente tanto dinheiro
ilegal quanto possível para a instituição bancária
"legítima" do HSBC, traficantes de droga conceberam caixas
destinadas a passar através das caixas receptoras. O homem de
confiança do [personagem] Tony Montana a marchar com sacos de cash no
[filme de ficção] "American City Bank", em Miami, era
realmente mais subtil do que aquilo que faziam os cartéis quando lavavam
o seu dinheiro por meio de uma das mais célebres
instituições financeiras britânicas.
Embora não seja declarado explicitamente, a lógica do governo
para não avançar com processos criminais contra o banco
aparentemente estava enraizada em preocupações de que colocar
executivos de uma "instituição sistemicamente
importante" na cadeia por lavagem de dinheiro da droga ameaçaria a
estabilidade do sistema financeiro. O
New York Times
colocou isto desta forma:
Autoridades federais e estaduais optaram por não acusar o HSBC, o banco com sede em Londres, por ampla e prolongada lavagem de dinheiro, por receio de que a acusação criminal derrubasse o banco e, no processo, pusesse em perigo sistema financeiro.
Não é preciso ser um génio para ver que o
raciocínio aqui é altamente enviesado. Quando se decide
não processar banqueiros por crimes de milhares de milhões de
dólares conectados com o tráfico de droga e o terrorismo (alguns
clientes sauditas e bangladeshis do HSBC
tinham ligações terroristas
, segundo uma investigação do Senado), isso não
protege o sistema bancário, faz exactamente o oposto. Aterroriza
investidores e depositantes por toda a parte, deixando-os com a
impressão clara de que mesmo os bancos mais "reputados" podem
de facto ser instituições capturadas cujos executivos
sénior estão ao serviço de (isto não pode ser
repetido demasiado repetido) assassinos e terroristas. Ainda mais chocante, a
resposta do Departamento da Justiça ao saber acerca de tudo isto foi
fazer exactamente a mesma coisa que os executivos do HSBC fizeram em primeiro
lugar para se meterem em perturbações – tomaram o dinheiro a
olhar para o outro lado.
E eles não só liquidaram-se aos traficantes de droga, eles
liquidaram-se barato. Pode-se ouvir esta semana jactâncias da
administração Obama de que conseguiram uma penalidade recorde do
HSBC, mas isso é uma piada. Algumas das penalidades envolvidas
são literalmente de dar gargalhada. Isto é do
anúncio
de
Breuer:
Em consequência da investigação do governo, o HSBC ... "recuperou" bónus previstos para dar como compensação a alguns dos seus mais importantes responsáveis nos EUA anti-lavagem e concordou em adiar bónus de compensação para os seus principais responsáveis sénior durante o período de cinco anos do acordo de acusação adiado.
Uau. Então os executivos que passaram uma década a lavar milhares
de milhões de dólares terão de adiar parcialmente os seus
bónus durante os cinco anos do acordo de acusação adiada?
Estão a brincar comigo? Isso é lá punição?
Os negociadores do governo não podiam manter-se firmes forçando
os responsáveis do HSBC a esperar para receber os seus mal fadados
bónus? Eles tinham de decidir fazê-los esperar
"parcialmente"? Todo promotor honesto na América tem de estar
a vomitar as suas entranhas diante de tais tácticas de
negociação. Qual foi a oferta de abertura do Departamento de
Justiça – pedir aos executivos para restringirem sua temporada de
férias no Caribe para nove semanas por ano?
Então, pode-se perguntar, qual é a penalidade apropriado para um
banco na posição do HSCB? Exactamente quanto dinheiro deveria ser
extraído de uma firma que desavergonhadamente ao longo de anos e anos
lucrou de negócios com criminosos? Recorde-se, estamos a falar acerca de
uma companhia que admitiu um vasto conjunto de graves crimes bancários.
Se você fosse o promotor, teria o banco preso pelos colhões.
Assim, quanto dinheiro deveria ser tomado?
O que acha de tudo isto? O que acha de cada dólar que o banco ganhou
desde que começou a sua actividade ilegal? O que acha de mergulhar em
cada conta bancária de cada simples executivo envolvido nesta sujeira e
tomar até o último dólar de bónus que eles alguma
vez ganharam? A seguir tomar suas casas, carros, as pinturas que compraram em
leilões do Sotheby's, as roupas nos seus armários, os trocos
soltos nos jarros sobre os balcões das suas cozinhas, tudo o que
restasse. Tome isso tudo e não pense duas vezes. E a seguir lance-os na
prisão.
Soa duro? Assim parece, não é? O único problema é
que se trata exactamente do que o governo faz todos os dias a pessoas comuns
envolvidas em casos de droga habituais.
Será interessante, por exemplo, perguntar a residentes em Tenaha, Texas,
o que pensam acerca do acordo HSBC. É a cidade onde a polícia
local
rotineiramente detém motoristas (sobretudo negros)
e, sempre que
encontram dinheiro, propõem uma escolha aos motoristas: Poderiam deixar
a polícia tomar o dinheiro ou enfrentar acusações de droga
e lavagem de dinheiro.
Ou podiam perguntar a
Anthony Smelley
, residente em Indiana, que ganhou US$50
mil num acordo de acidente de carro e estava a transportar US$17 mil em cash no
seu carro quando foi detido pela polícia. Os polícias revistaram
o seu carro e tinham cães para cheirar droga. Os cães alertaram
duas vezes. Não foram encontradas drogas, mas a polícia ficou com
o dinheiro na mesma. Mesmo depois de Smelley ter apresentado
documentação provando onde obtivera o dinheiro,
responsáveis do Putnam County tentaram manter o dinheiro com base no
argumento de que ele podia ter utilizado o dinheiro para comprar drogas no
futuro.
Sem brincadeira, isso aconteceu. Isso acontece o tempo todo, e mesmo o
próprio Departamento da Justiça de Lanny Breuer envolve-se nestes
actos. Só em 2010, gabinetes de Procuradores dos EUA depositaram
aproximadamente US$1,8 mil milhões em contas do governo em
consequência de casos de apreensão, a maior parte deles casos de
droga. Pode ver neste gráfico as estatísticas do próprio
Departamento da Justiça:
Se nos EUA for detido na estrada levando cash consigo e o governo pensar que
é
dinheiro de droga, esse cash vai servir para comprar ao seu chefe de
polícia local
uma nova Ford Expedition
na tarde do dia seguinte.
E isso é só a cobertura do bolo. O prémio real que
você obtém por interagir com um responsável pela
aplicação da lei, se acontecer estar conectado de qualquer forma
às drogas, é uma ridícula e descomunal penalidade
criminal. Mesmo aqui em Nova York, um em cada sete casos que acaba em tribunal
é um caso de marijuana.
Noutro dia, enquanto Breuer anunciava seu tabefe no pulso dos mais produtivos
lavadores de dinheiro do mundo, eu estava num tribunal no Brooklyn a observar
como eles tratam pessoas reais. Um defensor público explicou o absurdo
das prisões por droga nesta cidade. Nova York realmente tem leis
razoavelmente liberais acerca da marijuana –
não se supõe que a polícia o prenda se possuir a droga em privado
. Então como
é que a polícia consegue fazer 50.377 prisões relacionadas
a marijuana num único ano só nesta cidade? (Isso foi em 2010, o
número em 2009 era de 46.492).
"O que ele fazem é pará-lo na rua e dizer-lhe para esvaziar
os seus bolsos", explicou o defensor público. "Então,
no instante em que um cachimbo ou uma semente está fora do bolso –
bum, é de "uso público". E você fica preso".
Pessoas passam noites na prisão, ou pior. Em Nova York, mesmo se eles o
deixam sair com uma contravenção e tempo passado, você tem
de pagar US$200 e tem o seu DNA extraído – um processo que tem de
ser pago por si (custa 50 dólares). Mas além disso não
é preciso investigar muito para encontrar casos de sentenças
draconianas, idiotas por crimes de droga não violentos.
Peça só a Cameron Douglas, o filho de Michael Dougal, que foi
condenado a
cinco anos de prisão
pela simples posse. Seus carcereiros
mantiveram-no em solitária durante 23 horas por dias durante 11 meses e
negaram-lhe visitas de família e amigos. Embora o típico
condenado não violento não o filho branco de uma celebridade, ele
é habitualmente o utilizador que obtém sentenças mais
duras do que os garotos brancos ricos obtém por cometerem os mesmos
crimes – todos nós recordamos a controvérsia crack versus
coca na qual orientações federais e estaduais de sentenciamento
deixavam que os utilizadores de crack (uma minoria) obtivessem sentenças
100 vezes mais duras do que aquelas administradas aos utilizadores
predominantemente brancos da coca em pó.
O viés institucional nas orientações das sentenças
por crack eram um ultraje racista, mas este acordo do HSCB deixa aquilo longe.
Ao abster-se de processos criminais de grandes lavadores de dinheiro da droga
com o argumento (claramente absurdo, a propósito) de que o seu
processamento põe em perigo o sistema financeiro mundial, o governo
acabou de formalizar o duplo padrão.
O que eles agora estão a dizer é que se você não for
um dente importante na engrenagem do sistema financeiro global, você
não pode escapar impune de coisa alguma, nem mesmo pela simples posse.
Você será encarcerado e qualquer dinheiro que eles encontrem
consigo será apreendido na hora, e convertido em novos cruzadores ou
brinquedos para a sua equipe local de agentes aplicadores da lei
(SWAT team),
a qual estará pronta a arrombar as portas de casas onde vivem dentes da
engrenagem tão pouco essenciais como você. Se não tiver um
emprego sistemicamente importante a posição do governo é,
por outras palavras, de que os seus activos podem ser utilizados para financiar
a sua própria privação de direitos políticos.
Por outro lado, se você for uma pessoa importante e trabalhar para um
grande banco internacional, você não será perseguido mesmo
se lavar nove mil milhões de dólares. Mesmo se se conluiar
activamente com as pessoas no topo máximo do comércio
internacional de narcóticos, a sua punição será
muito mais pequenas do que aquela na base da pirâmide mundial da droga.
Você será tratado com mais deferência e simpatia do que um
drogado desmaiado numa carruagem do metro em Manhattan (utilizar dois assentos
numa carruagem de metro é um
delito comum processável
nesta
cidade). Um traficante internacional de droga é um criminoso e
habitualmente um assassino; um viciado em droga a passear na rua é uma
das suas vítimas. Mas graças a Breuer, agora estamos no
negócio, oficialmente, de encarcerar as vítimas e deixar os
criminosos.
Isto é a desgraça das desgraças. Não
faz mesmo qualquer sentido. Não havia razão para que o
Departamento da Justiça não pudesse ter agarrado toda a gente no
HSBC envolvida com o tráfico, processado criminalmente e actuado com
reguladores bancários para assegurar que o banco sobrevivesse à
transição para nova administração. Nessas
circunstâncias, o HSBC não teve virtualmente de substituir
ninguém na sua administração de topo. As partes culpadas
aparentemente eram tão importantes para a estabilidade da economia
mundial que tiveram de ser deixados nas suas mesas de trabalho.
Não há absolutamente nenhuma razão para que eles
não pudessem enfrentar penalidades criminais. Que não estejam a
ser processados é covardia e corrupção pura, nada mais. E
ao aprovar este acordo, Breuer removeu a autoridade moral do governo para
processar qualquer um por qualquer delito de droga. Não é que a
maior parte das pessoas já não soubesse que a guerra à
droga é uma piada, mas isto torna-a oficial.
O original encontra-se em
www.rollingstone.com/...
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