viomundo - publicado em 28 de maio de 2013 às 23:11
O “cisma do Pacífico”
Promovido por México, Chile, Peru e Colômbia, o “cisma do Pacífico”
tem mais importância ideológica do que econômica dentro da América do
Sul, e seria quase insignificante politicamente se não fosse por se
tratar de uma pequena fatia do projeto Obama de criação de uma área de
reafirmação do poder norte-americano no Pacífico.
“O Brasil era naturalmente líder, hoje a coisa é muito complicada. O
continente se dividiu, há o “Arco do Pacífico”… Então de alguma maneira
perdemos nossa relevância política no continente que era inconteste.
Nunca chegamos a pensar uma negociação a funda com os EUA, sempre
tivemos medo”. F.H. Cardoso, Valor Econômico, 30 de novembro de 2012
Na história do desenvolvimento sul-americano – depois da II Guerra
Mundial –, o projeto de integração do continente nunca foi uma política
de Estado, indo e vindo através do tempo, como se fosse uma utopia
“sazonal”, que se fortalece ou enfraquece dependendo das flutuações da
economia mundial e das mudanças de governo dentro da própria América do
Sul. Durante a primeira década do século XX, os novos governos de
esquerda do continente, somados ao crescimento generalizado da economia
mundial – entre 2001 e 2008 – reavivaram e fortaleceram o projeto
integracionista, em particular o Mercosul, liderado pelo Brasil e pela
Argentina.
Depois da crise de 2008, entretanto, esse cenário mudou: a América do
Sul recuperou-se rapidamente, puxada pelo crescimento chinês, mas este
sucesso de curto prazo trouxe de volta e vem aprofundando algumas
características seculares da economia sul-americana, que sempre
obstaculizaram e dificultaram o projeto de integração, como seja, o fato
de ser uma somatória de economias primário-exportadoras paralelas, e
orientadas pelos mercados externos.
Esta situação de desaceleração ou impasse do “projeto brasileiro” de
integração sul-americana explica, em parte, o entusiasmo da grande
imprensa econômica internacional e o sucesso entre os ideólogos liberais
latino-americanos da nova “Aliança do Pacífico”, bloco comercial
competidor do Mercosul inaugurado pela “Declaração de Lima”, de abril de
2011, e sacramentado pelo “Acordo Marco de Antofagasta”, assinado em
junho de 2102 por Peru, Chile, Colômbia e México. Quatro países com
economias exportadoras de petróleo ou minérios, e adeptos do
livre-comércio e das políticas econômicas ortodoxas. O entusiasmo
ideológico ou geopolítico, entretanto, encobre – às vezes – alguns fatos
e dados elementares.
O primeiro é que os quatro membros da “nova aliança” já tinham
assinado acordos prévios de livre-comércio com os EUA e com um grande
numero de países asiáticos. O segundo, e mais importante, é que o México
pertence geograficamente à América do Norte, e desde sua incorporação
ao Nafta, em 1994, se transformou num pedaço inseparável da economia
americana e também no território ocupado pela guerra entre os grandes
cartéis da droga que fornecem a cocaína da sociedade norte-americana,
vinda, em boa parte, exatamente do Peru e da Colômbia. Em terceiro
lugar, os três países sul-americanos que fazem parte do novo bloco têm
territórios isolados por montanhas e florestas tropicais, e são pequenas
ou médias economias costeiras e de exportação, com escassíssimo
relacionamento comercial entre si, ou com o México.
O Chile é o único destes três países que possui um clima temperado e
terras produtivas, mas é um dos países mais isolados do mundo, e é quase
irrelevante para a economia sul-americana. A soma do produto interno
bruto dos três é de cerca de U$ 800 bilhões, menos de 1/3 do produto
interno bruto brasileiro, e menos de ¼ do produto interno do Mercosul.
Além disto, o crescimento econômico recente do Chile, Peru e Colômbia
foi quase igual ao do Equador e Bolívia, que também são andinos, não
pertencem ao novo bloco, se opõem às politicas e reformas neoliberais, e
devem ingressar brevemente no Mercosul, como já passou com a Venezuela.
Concluindo, se pode dizer com toda certeza que este “cisma do
Pacífico” tem mais importância ideológica do que econômica dentro da
América do Sul, e seria quase insignificante politicamente se não fosse
pelo fato de se tratar de uma pequena fatia do projeto Obama de criação
da “Trans-Pacific Economic Partnership” (TPP), peça central da sua
política de reafirmação do poder econômico e militar norte-americano, na
região do Pacífico. Desde 2010, o presidente Barack Obama vem
insistindo na tecla de que os EUA são uma “nação do Pacífico” que se
propõe exercer um papel central e de longo prazo no controle geopolítico
e econômico dos dois lados do Pacífico, no Oceano Índico, e no sul da
Ásia.
Neste sentido, é preciso ter claro que a inclusão do Brasil neste
novo “arco do Pacífico” implica numa opção pela condição de “periferia
de luxo” do sistema econômico mundial, e também significa, em última
instância, apoiar e participar da estratégia norte-americana de poder
global, e ao mesmo tempo, de uma disputa regional, entre os EUA, o Japão
e a China, pela hegemonia do leste asiático e do Pacífico Sul. Segundo o
Foreign Affairs, “if the negociations be fruit the TPP will add
billions to the U.S. economy and solidify Washington´s political,
financial, and military commitment to the Pacific for decades to come.”
(july/august 2012; p. 22)
José Luís Fiori integra o grupo de pesquisa CNPq/UFRJ Poder Global
(*) José Luis Fiori é professor titular de Economia Política
Internacional da UFRJ e coordenador do Grupo de Pesquisa do CNPQ/UFRJ “O
Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo”. (www.poderglobal.net)
Nenhum comentário:
Postar um comentário