viomundo - publicado em 3 de setembro de 2013 às 12:13
Lobby por agrotóxico na Anvisa é um inferno, diz ex-gerente
3 de setembro de 2013
Por Tiago Mali
Luiz Cláudio Meirelles, ex-gerente de toxicologia da Agência de
Vigilância Sanitária (Anvisa) foi exonerado do cargo em novembro de 2012
quando denunciou um esquema de corrupção para aprovar 7 princípios
ativos de agrotóxicos mais rapidamente.
Nesta entrevista, ele relata como era a abordagem para que se
apressasse as aprovações e diz que vê sua saída como algo já desejado há
muito tempo pela bancada ruralista do congresso.
Quanto tempo você ficou na Anvisa?
Treze anos e meio. Peguei lá em fevereiro de 1999 e sai de lá em novembro de 2012.
Como as coisas funcionavam lá?
A Anvisa estava para ser criada em 1999 e eu fui convidado pra
organizar a gerência de toxicologia [que cuida da avaliação de
agrotóxicos] ,ela não existia ainda. O nosso olhar sobre essa questão
era uma avaliação preventiva.
Você vê os problemas relacionados àquela substância antes de ela ir
pro mercado, e evitar que exista algum risco ou algum dano saúde da
população, e também pensa em questões de controle.
Por exemplo, monitorar os resíduos de agrotóxicos em alimentos,
melhores informações sobre os agravos provocados por esses produtos,
melhoria da notificação de intoxicações, rever substancias autorizadas
no passado que já estavam no mercado quando a gente chegou.
Você organizou esse setor lá.
Sim. E o objetivo era uma ação dinâmica. Quando você fala de
substância química, elas estão sendo estudadas permanentemente. E às
vezes uma coisa que era considerada segura no passado, dependendo dos
estudos que apareçam, pode não ser mais considerada segura e você ter
que mudar a decisão.
Por exemplo, o DDT. Quando foram lançados ali pela década de 1970
eram a maravilha do mundo. E depois eles passam a ser hoje, combatidos
no mundo inteiro. Descobrimos que causam câncer, se acumulam no tecido
adiposo, que contaminam o lençol freático.
Por isso temos nessa área constantemente de rever nossas decisões.
Mesmo porque quem avalia as substancias são as empresas, né, elas são
donas das moléculas, elas que apresentam estudos, e nesse início da
entrada de molécula em qualquer país, os pesquisadores independentes não
tem acesso àquela substancia pra desenvolver estudo. Então o trabalho
da gente tinha esse escopo de prevenção com base em dados.
Essa prevenção é bem feita hoje?
A gente sabe que no Brasil a produção de dados em
relação a essas contaminações da população ainda é extremamente
precária. Pouco se investiga, poucos são os programas de monitoramento
que temos operando, como o PARA [Programa de Análise de Resíduos de
Agrotóxicos em Alimentos].
Existe monitoramento de água potável, mas a gente não encontra os
dados. Devia existir pra todo tipo de alimento. Processado, de origem
agropecuária, água de ambiente, agua potável, pra que pesquisadores e
gestores pudessem tomar sua decisão.
Muitas vezes você se depara com uma substância química nova e o
estudo não te dá clareza sobre produção de câncer ou alteração de
embrião.
Enquanto o órgão avaliador e de proteção sanitária você deve impedir a
exposição até que isso se esclareça, mas essa é uma questão muito
polêmica no país.Tem essa questão do poder de fogo que as empresas do
agronegócio têm. Aos olhos deles, a precaução é tida como algo xiita,
ideólogo, radical.
Mas o controle é bem feito?
Olha, faltam programas de monitoramento, de
resíduos, programas de capacitação, tanto de profissionais de saúde
quanto dos próprios agricultores. Os agricultores precisam ser mais bem
informados sobre o perigo das substâncias que eles manipulam.
Os profissionais de saúde em como atender um intoxicado, como tratar
uma intoxicação. Precisamos também monitorar resíduo de água, de solo.
São informações importantes pra tomadores de decisão no momento de
avaliação.
Por que esse monitoramento não é feito?
Falta de recurso, falta de estrutura dos órgãos, falta de
laboratório. O Para, por exemplo. A gente fez logo no inicio da Anvisa,
começou com 4 estados e 3 laboratórios na ocasião, e a gente começou a
estruturar os laboratórios e trazer as vigilâncias sanitárias estaduais
pra perto, porque na verdade o papel de monitoramento envolve os
estados.
Ao longo de 10 anos conseguimos alcançar o país todo. E qualificar 4
laboratórios públicos no Brasil que monitoram resíduos com muita
qualidade, pra evitar questionamento judicial, e uma série de outras
questões. Esse processo lento se repete em várias áreas.
O que precisaria?
Precisaria ter análise de resíduo de agrotóxico em
água, em alimento processado, em águas profundas, no solo.. Não saberia
estimar quantos laboratórios mais seriam necessários.
Um país que usa agrotóxico como o Brasil precisa ter uma estrutura
pra que a sociedade monitore a qualidade do ambiente em que ela vive, e
isso ainda é bastante precário. Se não tenho isso, minha discussão com o
setor regulado fica muito precária.
Não é discussão qualitativa que você olha nesse aspecto, é levar porrada.
Você sofria muita pressão na Anvisa? Como o lobby funcionava?
Olha, tem varias maneiras. A estratégia das
empresas vai desde desqualificar o nosso trabalho, dizendo que o setor
não tem capacidade de fazer aquilo.
Por exemplo, a reavaliação de agrotóxico [processo que revê liberação
de agrotóxicos já aprovados para ver se eles não estão causando nenhum
dano] que eles diziam que a gente não tinha capacidade. E depois a
pressão política através dos deputados, senadores que muitas vezes têm
suas campanhas financiadas por esse segmento e acabam tendo que dar uma
resposta e procuram a instituição pra questionar o trabalho, por que
proibiram aquele produto, por que não liberou aquele.
Era muito comum políticos procurarem vocês?
Bastante. Durante todos os anos que estive lá, a
maior parte dos políticos que procurou na Anvisa enquanto eu era gestor
era pra saber dos processos.
Pra reclamar de atraso na avaliação e reclamar da reavaliação que
proibiu produto tal e que isso ia prejudicar a produção. Poucas e raras
vezes um politico procurou. O lobby do setor também vai pra Justiça
tentar derrubar nossa decisão.
Você diz isso à respeito da reavalição?
Sim. No Brasil, agrotóxico é registrado para sempre.
A única maneira do Estado intervir nessa situação é ter em conta que o
conhecimento avança, novos dados surgem, as substâncias passam a ser
proibidas em outros países. Quando a gente chamou uma reavaliação de 14
ingredientes em 2008, houve toda a pressão política para não permitirem
isso.
Depois, tentaram via judicial e conseguiram uma liminar que parou
esse trabalho por um ano. Não queriam que houvesse revisão de
substâncias que estão sendo proibidas inclusive na China, proibidas já
na Europa, EUA, e amplo uso no Brasil.
Derrubamos a liminar, mas o processo foi atrasado em uma ano [das 14
substâncias que começaram a ser reavaliadas em 2008, apenas 5 tiveram
decisão final até agora, com 4 banimentos].
A gente tem um Estado que vive oscilando nessa questão. Gente
competente dentro do governo tem, não é pouco não. Só que esbarra nesse
inferno, muitas vezes institucional, desses acordos que os políticos
fazem, do financiamento de campanha.
Nada disso tá desligado. Quem indica um diretor da Anvisa é o Senado. Uma coisa empurra a outra, não tem jeito.
Como funcionava isso?
Se você pegar o processo do metamidofós
[ingrediente ativo de agrotóxico barrado após ser reavaliado] vai ver o
horror que foi aquilo. A empresa pressionou de tudo quanto é maneira.
Mandou carta pra tudo que é político, dizendo que a gente tava
desempregando gente, piorando a agricultura, e por ai foi até que o
próprio escritório deles abandonou o uso.
Quais eram os políticos que mais apareciam por lá?
Eu teria que verificar o nome pra não ser leviano contigo. Mas normalmente os políticos da bancada ruralista.
Não lembra de nenhum?
Tinha o Gonzaga Patriota (PSB-PE), o Alex Canziani (PTB-PR)… Esse
Gonzaga Patriota chegou a pedir meu cargo várias vezes, pra me
substituir, por 2005… Mandava indicação, pra me tirar do cargo pra botar
fulano. O que gente sofre muitas vezes dentro do órgão publico, não tá
desvinculado de uma estratégia politica maior.
Havia pressão direta das empresas dentro da Anvisa?
Elas nunca pressionam diretamente, são recebidas em audiências. É
direito pedir audiências com o diretor, como pediam também comigo. Então
eles questionavam e, às vezes ameaçavam quando se viam prejudicados… E
eu sempre dizia, se você se sente prejudicado tem o direito de ir pra
Justiça.
Nem sempre é uma relação tranquila, a empresa que investiu pesado no
produto e você tem que barrar o seu pedido. Mas de maneira geral a
relação é cordial. Atendíamos com toda reserva. Sempre fui muito
cuidadoso. A Anvisa criou um parlatório pra proteger os servidores. A
gente tinha uma sala onde a audiência era gravada, a fita ficava
registrada. A pressão era nesse sentido, da preocupação deles com a
norma… Era legitimo.
Essas pressões estão relacionadas com as irregularidades que você apontou antes de sair?
Não, não. O que eu apontei foi uma descoberta
interna de uma autorização. De um determinado caminho que o processo
deveria ter seguido que é a nossa rotina de trabalho e que não seguiu.
Mas isso não era do interesse de alguém?
Por acaso descobri aquilo ali, verificando uma
situação que uma das gerentes que trouxe. Informei meus superiores, pedi
providências. Providência, quando você encontra uma situação de
irregularidade, é polícia e Ministério Público. Também pedi a saída do
gerente responsável por isso.
Isso gerou, inexplicavelmente e espero que um dia se explique, um
ambiente muito ruim. E o diretor logo depois de demitir a pessoa que eu
tava pedindo, me demite.
Eu fui claro com eles: não vai me botar na mesma sacola, das
irregularidades. Não adianta elogiar o trabalho e falar que é assim
mesmo. Essa exoneração da maneira que aconteceu já era desejada há muito
tempo, há dois anos a pressão tinha aumentado muito.
Quem que desejava a sua saída?
A bancada ruralista, há muito tempo. Esse segmento
deseja que o setor saúde pare de avaliar os agrotóxicos. Já tem um
projeto de lei rolando, claramente jogando todas as atribuições pro
ministério da Agricultura. Pra mim essa questões tão mais no fundo das
exonerações, mas elas não foram ditas. Houve uma oportunidade em relação
à situação, que gerou um mal-estar e o sujeito lá agiu dessa maneira.
O que, na sua opinião, motivou as irregularidades?
As instituições têm fragilidades, se identifica um
canal e se entra por ele… As motivações são sempre aquelas: benefício
pessoal, alguém que pode estar influenciando externamente, um apoio de
empresa… Isso que eu gostaria de ver investigado.
Foram sete aprovações de agrotóxicos sem avaliação técnica apropriada?
Identifiquei sete.
É possível que haja mais?
É possível, é claro. Fui exonerado logo depois que descobri o sétimo. E desde então não sei se alguém continuou investigando.
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