"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quarta-feira, setembro 04, 2013

Igor Grabois: Um balanço dos programas militares brasileiros

viomundo - publicado em 3 de setembro de 2013 às 17:29

Ilustração do Correio Braziliense
por Igor Grabois, especial para o Viomundo
A grande mudança institucional na área da defesa, desde a constituição de 1988, foi a criação do Ministério da Defesa. Em tese, a existência de um ministério da Defesa asseguraria a integração das Forças Armadas e a subordinação dos militares ao poder civil.
Criado em 1999, o ministério da defesa era encarado como um abacaxi, entregue a políticos em fim de carreira e a burocratas sem expressão.
O Ministério começou a ganhar destaque com as edições da Política de Defesa Nacional, em 2004, e da Estratégia Nacional da Defesa, em 2008.
As questões de defesa são as mais relegadas na discussão das políticas públicas. Merecem pouco destaque nos programas eleitorais. A formulação das políticas de defesa é entregue a especialistas, geralmente militares.
Uma contradição, posto que as forças armadas empregam cerca de 400.000 pessoas, entre civis e militares de carreira e temporários.
Em 2013, o ministério da defesa tem a terceira dotação orçamentária, de cerca de 40 bilhões de reais, atrás de saúde e transportes.
Os documentos norteadores da defesa nacional, a Política Nacional da Defesa (PND) e a Estratégia Nacional da Defesa (END) são conhecidos, praticamente, apenas por pessoal da área.
Tais documentos são oficiais, baixados por decreto presidencial e atualizados de quatro em quatro anos e apresentados ao Congresso Nacional.
A PND tenta dar conta de uma análise de conjuntura de longo prazo, partindo do pressuposto do aumento do destaque do Brasil no plano internacional. Sua revisão em 2012 mantém a visão de que os recursos naturais do país podem ser objeto de cobiça.
Traça um cenário de escassez de recursos energéticos e ambientais, como água doce, biodiversidade etc.
Subestima, em certa medida, o potencial industrial e tecnológico do país. A concepção da Política Nacional de Defesa vê o fortalecimento dos meios militares como um prolongamento da política externa do Brasil, embasando a postulação de um assento permanete no Conselho de Segurança da ONU.
A END pretende articular as três Forças Armadas e a base tecnológica e industrial necessária para essa articulação.
A END elege três áreas estratégicas para o desenvolvimento tecnológico dos recursos da defesa: nuclear, espacial e cibernética. E divide as tarefas entre as três forças singulares: à Marinha cabe o setor nuclear, à Aeronáutica o setor espacial e ao Exército a área cibernética.
A Marinha desenvolve um programa nuclear bem-sucedido desde a década de 70. A Aeronáutica é peça central no programa espacial brasileiro, desenvolvendo os lançadores espaciais, também desde a década de 70. A novidade fica por conta do setor cibernético, leia-se tecnologias de informação e comunicação, a cargo do Exército.
Ambos os documentos marcam a prioridade com a defesa contra as ameaças externas. Constatam a impossibilidade de um enfrentamento em condições de igualdade com as maiores potências militares.
Por isso, propõem dotar o país de meios de dissuasão, ou seja, ter meios de cobrar caro uma derrota, fazendo o inimigo calcular os custos de um ataque.
As tarefas de defesa interna, colaboração com a defesa civil em desastres naturais e operações de garantia de lei e da ordem são citadas como ações subsidiárias.
Missões de paz sob a égide da ONU são consideradas prioritárias, haja vista a missão do Haiti e da Marinha no Líbano.
A PND e a END consolidam o papel do Ministério da Defesa. Na esteira do lançamento da END, houve a reestruturação do ministério, com a criação do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) e da Secretaria de Produtos da Defesa (Seprod).
Há também a criação do Instituto Pandiá Calógeras, para a formação de pessoal civil da área de defesa. Esses órgãos são criados em função do conceito de inter-operabilidade das três forças. O fortalecimento do Ministério e das atribuições do EMCFA têm plena consonância com os planos das forças singulares.
O chefe do EMCFA é um oficial-general de último posto das três forças e tem a mesma precedência hierárquica dos comandantes singulares que apesar de subordinados ao Ministro da Defesa têm status de ministro.
Possui três chefias, também ocupadas por oficiais-generais de último posto das três forças em sistema de rodízio, a saber, Operações Conjuntas, Logística e Assuntos Estratégicos. Todas as ações conjuntas das Forças Armadas, inclusive as missões de paz, passam pelo EMCFA.
A Seprod tenta emular a Direction Generale d’Armament, do ministério da defesa francês e centralizar as compras de armamento das três forças.
Seu titular, atualmente, é um civil. Já produziu requisitos conjuntos de fuzil, material de comunicação e de helicópteros de instrução.
A END estabelece os princípios do monitoramento, controle e mobilidade estratégica das forças. Os cenários de emprego principais são o ambiente amazônico e o mar territorial, que a marinha chama de Amazônia Azul.
No quesito monitoramento, o Exército está implantando o Sistema de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), a FAB o Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro (SISCEAB) e a Marinha o Sistema de Vigilância e Gerenciamento da Amazônia Azul (SISGAAZ).
Em articulação com a END, as forças singulares elaboraram seus planos de rearticulação e reequipamento.
O Exército apresenta um ousado Projeto de Transformação. Neste programa, a Força Terrestre quer superar a era industrial, tornando-se um Exército da era do conhecimento, refletindo a influência de Alvin Tofler e seus conceitos de guerra e anti-guerra.
O Exército se prepara para operações de amplo espectro, com o concurso de agências civis e atores díspares como ONG’s e organizações internacionais.
Em que pese o preparo para a intervenção interna e a velha guerra anti- insurreicional, com outros nomes, o programa de transformação do Exército contempla diversas áreas, como doutrina, ciência e tecnologia, ensino e finanças.
O programa se divide em projetos estratégicos como o citado SISFRON, a mecanização da Força Terrestre, a recuperação da capacidade operacional, a defesa anti-aérea, a proteção de estruturas estratégicas.
Diversas aquisições de material estão em curso. O blindado sobre rodas Guarani, feito em conjunto com a Iveco-Fiat, já passou a fase de protótipo e cerca 90 carros estão em experimentação doutrinária.
A IMBEL desenvolveu um novo fuzil. A Avibrás prepara a nova geração do lançador múltiplo de foguetes Astros, incorporando um míssil de cruzeiro de longa distância.
Foram adquiridas, na conta do PAC, 9000 viaturas. A força blindada sobre lagartas foi renovada, com a aquisição de carros na Alemanha, inclusive de artilharia antiaérea.
Para a rearticulação da Força Terrestre, foram criadas novas organizações, com o Comando Militar do Norte, que nucleia as forças da Amazônia Oriental, um novo batalhão de guerra eletrônica, outro de defesa química, nuclear e bacteriológica, novos batalhões de polícia do exército, a transformação da brigada de Cascavel-PR de motorizada em mecanizada (equipada com blindados sobre rodas), uma base de apoio logístico etc.
Está prevista a criação de uma nova brigada antiaérea, novas brigadas de selva e a transferência da brigada paraquedista para a Anápolis.
A Marinha apresentou o Plano de Articulação e Equipamento da Marinha (PAEMB). O PAEMB prevê a criação de uma segunda esquadra no Norte/Nordeste.
A Marinha pleiteia dois navios aeródromos para nuclear as duas esquadras, fragatas de emprego geral de 6000 toneladas, corvetas, navios de propósitos múltiplos – para apoio às ações anfíbias – navios de apoio logístico, helicópteros anti-submarino e de guerra de superfície, dentre outros meios.
A construção do submarino nuclear já está em andamento. A Marinha domina a tecnologia de produção do combustível nuclear. O casco do submarino está sendo construído com assistência francesa no estaleiro de Itaguaí, com participação da Odebrecht.
Este é  o projeto mais ambicioso dentre os diversos em curso nas forças armadas.
A Marinha busca adquirir meios de superfície. Constrói no Brasil navios –patrulha de 500 toneladas e comprou na Inglaterra três navios-patrulha oceânicos de 1800 toneladas.
A aquisição das fragatas de 6000 toneladas está em fase de licitação. O plano é produzir no Brasil em associação com estaleiros estrangeiros.
Planeja-se, também, construir mais corvetas da classe Barroso, de projeto nacional.
A FAB foi a força que passou por mais renovação nos últimos anos. Modernizou a aviação de transporte e a de asas rotativas. Adquiriu armamento no estado da arte, inclusive mísseis de fabricação nacional.
A Força Aérea saltou dos “reloginhos” para os painéis digitais para a pilotagem e navegação aérea. Recuperou a capacidade anti-submarino. E, hoje, combate para além do alcance visual.
Hoje possui capacidade de defesa antiaérea de curto alcance. Comprou helicópteros de ataque de origem russa, inaugurando a aquisição de material do país do leste europeu.
O Plano Estratégico Militar da Aeronáutica (PEMAER) tem como centro a aquisição da aeronave de combate. O programa FX se arrasta desde o período FHC. São três candidatos pré-selecionados, o Rafale, da Dassault francesa, o Gripen sueco e FA-18 Super Hornet da estadunidense Boeing.
O nó, ao que tudo indica, está na transferência de tecnologia. Os pacotes aparentam querer ensinar o que a indústria brasileira já sabe fazer.
Os programas de rearmamento e de articulação das forças militares dependem de uma política industrial e tecnológica, tema de um próximo artigo. As questões de defesa são importantes demais para ficar a cargo apenas dos militares.
A sociedade civil precisa acompanhar e decidir sobre essa política pública com tantas implicações.
O risco da omissão é a possibilidade de desvio da função das forças armadas, a defesa contra a intervenção externa.

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