viomundo - publicado em 3 de setembro de 2013 às 17:29
Ilustração do Correio Braziliense
por Igor Grabois, especial para o Viomundo
A grande mudança institucional na área da defesa, desde a
constituição de 1988, foi a criação do Ministério da Defesa. Em tese, a
existência de um ministério da Defesa asseguraria a integração das
Forças Armadas e a subordinação dos militares ao poder civil.
Criado em 1999, o ministério da defesa era encarado como um abacaxi,
entregue a políticos em fim de carreira e a burocratas sem expressão.
O Ministério começou a ganhar destaque com as edições da Política de
Defesa Nacional, em 2004, e da Estratégia Nacional da Defesa, em 2008.
As questões de defesa são as mais relegadas na discussão das
políticas públicas. Merecem pouco destaque nos programas eleitorais. A
formulação das políticas de defesa é entregue a especialistas,
geralmente militares.
Uma contradição, posto que as forças armadas empregam cerca de
400.000 pessoas, entre civis e militares de carreira e temporários.
Em 2013, o ministério da defesa tem a terceira dotação orçamentária,
de cerca de 40 bilhões de reais, atrás de saúde e transportes.
Os documentos norteadores da defesa nacional, a Política Nacional da
Defesa (PND) e a Estratégia Nacional da Defesa (END) são conhecidos,
praticamente, apenas por pessoal da área.
Tais documentos são oficiais, baixados por decreto presidencial e
atualizados de quatro em quatro anos e apresentados ao Congresso
Nacional.
A PND tenta dar conta de uma análise de conjuntura de longo prazo,
partindo do pressuposto do aumento do destaque do Brasil no plano
internacional. Sua revisão em 2012 mantém a visão de que os recursos
naturais do país podem ser objeto de cobiça.
Traça um cenário de escassez de recursos energéticos e ambientais, como água doce, biodiversidade etc.
Subestima, em certa medida, o potencial industrial e tecnológico do
país. A concepção da Política Nacional de Defesa vê o fortalecimento dos
meios militares como um prolongamento da política externa do Brasil,
embasando a postulação de um assento permanete no Conselho de Segurança
da ONU.
A END pretende articular as três Forças Armadas e a base tecnológica e industrial necessária para essa articulação.
A END elege três áreas estratégicas para o desenvolvimento
tecnológico dos recursos da defesa: nuclear, espacial e cibernética. E
divide as tarefas entre as três forças singulares: à Marinha cabe o
setor nuclear, à Aeronáutica o setor espacial e ao Exército a área
cibernética.
A Marinha desenvolve um programa nuclear bem-sucedido desde a década
de 70. A Aeronáutica é peça central no programa espacial brasileiro,
desenvolvendo os lançadores espaciais, também desde a década de 70. A
novidade fica por conta do setor cibernético, leia-se tecnologias de
informação e comunicação, a cargo do Exército.
Ambos os documentos marcam a prioridade com a defesa contra as
ameaças externas. Constatam a impossibilidade de um enfrentamento em
condições de igualdade com as maiores potências militares.
Por isso, propõem dotar o país de meios de dissuasão, ou seja, ter
meios de cobrar caro uma derrota, fazendo o inimigo calcular os custos
de um ataque.
As tarefas de defesa interna, colaboração com a defesa civil em
desastres naturais e operações de garantia de lei e da ordem são citadas
como ações subsidiárias.
Missões de paz sob a égide da ONU são consideradas prioritárias, haja vista a missão do Haiti e da Marinha no Líbano.
A PND e a END consolidam o papel do Ministério da Defesa. Na esteira
do lançamento da END, houve a reestruturação do ministério, com a
criação do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) e da
Secretaria de Produtos da Defesa (Seprod).
Há também a criação do Instituto Pandiá Calógeras, para a formação de
pessoal civil da área de defesa. Esses órgãos são criados em função do
conceito de inter-operabilidade das três forças. O fortalecimento do
Ministério e das atribuições do EMCFA têm plena consonância com os
planos das forças singulares.
O chefe do EMCFA é um oficial-general de último posto das três forças
e tem a mesma precedência hierárquica dos comandantes singulares que
apesar de subordinados ao Ministro da Defesa têm status de ministro.
Possui três chefias, também ocupadas por oficiais-generais de último
posto das três forças em sistema de rodízio, a saber, Operações
Conjuntas, Logística e Assuntos Estratégicos. Todas as ações conjuntas
das Forças Armadas, inclusive as missões de paz, passam pelo EMCFA.
A Seprod tenta emular a Direction Generale d’Armament, do ministério
da defesa francês e centralizar as compras de armamento das três forças.
Seu titular, atualmente, é um civil. Já produziu requisitos conjuntos
de fuzil, material de comunicação e de helicópteros de instrução.
A END estabelece os princípios do monitoramento, controle e
mobilidade estratégica das forças. Os cenários de emprego principais são
o ambiente amazônico e o mar territorial, que a marinha chama de
Amazônia Azul.
No quesito monitoramento, o Exército está implantando o Sistema de
Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), a FAB o Sistema de Controle do
Espaço Aéreo Brasileiro (SISCEAB) e a Marinha o Sistema de Vigilância e
Gerenciamento da Amazônia Azul (SISGAAZ).
Em articulação com a END, as forças singulares elaboraram seus planos de rearticulação e reequipamento.
O Exército apresenta um ousado Projeto de Transformação. Neste
programa, a Força Terrestre quer superar a era industrial, tornando-se
um Exército da era do conhecimento, refletindo a influência de Alvin
Tofler e seus conceitos de guerra e anti-guerra.
O Exército se prepara para operações de amplo espectro, com o
concurso de agências civis e atores díspares como ONG’s e organizações
internacionais.
Em que pese o preparo para a intervenção interna e a velha guerra
anti- insurreicional, com outros nomes, o programa de transformação do
Exército contempla diversas áreas, como doutrina, ciência e tecnologia,
ensino e finanças.
O programa se divide em projetos estratégicos como o citado SISFRON, a
mecanização da Força Terrestre, a recuperação da capacidade
operacional, a defesa anti-aérea, a proteção de estruturas estratégicas.
Diversas aquisições de material estão em curso. O blindado sobre
rodas Guarani, feito em conjunto com a Iveco-Fiat, já passou a fase de
protótipo e cerca 90 carros estão em experimentação doutrinária.
A IMBEL desenvolveu um novo fuzil. A Avibrás prepara a nova geração
do lançador múltiplo de foguetes Astros, incorporando um míssil de
cruzeiro de longa distância.
Foram adquiridas, na conta do PAC, 9000 viaturas. A força blindada
sobre lagartas foi renovada, com a aquisição de carros na Alemanha,
inclusive de artilharia antiaérea.
Para a rearticulação da Força Terrestre, foram criadas novas
organizações, com o Comando Militar do Norte, que nucleia as forças da
Amazônia Oriental, um novo batalhão de guerra eletrônica, outro de
defesa química, nuclear e bacteriológica, novos batalhões de polícia do
exército, a transformação da brigada de Cascavel-PR de motorizada em
mecanizada (equipada com blindados sobre rodas), uma base de apoio
logístico etc.
Está prevista a criação de uma nova brigada antiaérea, novas brigadas
de selva e a transferência da brigada paraquedista para a Anápolis.
A Marinha apresentou o Plano de Articulação e Equipamento da Marinha
(PAEMB). O PAEMB prevê a criação de uma segunda esquadra no
Norte/Nordeste.
A Marinha pleiteia dois navios aeródromos para nuclear as duas
esquadras, fragatas de emprego geral de 6000 toneladas, corvetas, navios
de propósitos múltiplos – para apoio às ações anfíbias – navios de
apoio logístico, helicópteros anti-submarino e de guerra de superfície,
dentre outros meios.
A construção do submarino nuclear já está em andamento. A Marinha
domina a tecnologia de produção do combustível nuclear. O casco do
submarino está sendo construído com assistência francesa no estaleiro de
Itaguaí, com participação da Odebrecht.
Este é o projeto mais ambicioso dentre os diversos em curso nas forças armadas.
A Marinha busca adquirir meios de superfície. Constrói no Brasil
navios –patrulha de 500 toneladas e comprou na Inglaterra três
navios-patrulha oceânicos de 1800 toneladas.
A aquisição das fragatas de 6000 toneladas está em fase de licitação.
O plano é produzir no Brasil em associação com estaleiros estrangeiros.
Planeja-se, também, construir mais corvetas da classe Barroso, de projeto nacional.
A FAB foi a força que passou por mais renovação nos últimos anos.
Modernizou a aviação de transporte e a de asas rotativas. Adquiriu
armamento no estado da arte, inclusive mísseis de fabricação nacional.
A Força Aérea saltou dos “reloginhos” para os painéis digitais para a
pilotagem e navegação aérea. Recuperou a capacidade anti-submarino. E,
hoje, combate para além do alcance visual.
Hoje possui capacidade de defesa antiaérea de curto alcance. Comprou
helicópteros de ataque de origem russa, inaugurando a aquisição de
material do país do leste europeu.
O Plano Estratégico Militar da Aeronáutica (PEMAER) tem como centro a
aquisição da aeronave de combate. O programa FX se arrasta desde o
período FHC. São três candidatos pré-selecionados, o Rafale, da Dassault
francesa, o Gripen sueco e FA-18 Super Hornet da estadunidense Boeing.
O nó, ao que tudo indica, está na transferência de tecnologia. Os
pacotes aparentam querer ensinar o que a indústria brasileira já sabe
fazer.
Os programas de rearmamento e de articulação das forças militares
dependem de uma política industrial e tecnológica, tema de um próximo
artigo. As questões de defesa são importantes demais para ficar a cargo
apenas dos militares.
A sociedade civil precisa acompanhar e decidir sobre essa política pública com tantas implicações.
O risco da omissão é a possibilidade de desvio da função das forças armadas, a defesa contra a intervenção externa.
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