As 'bolhas' e a nova era da insegurança
Marco Antonio Rocha*
Quantas 'bolhas' terão de 'estourar' no mercado financeiro internacional para termos um cataclismo econômico realmente sério ao redor do mundo, como o que se seguiu, por exemplo, ao crack da Bolsa de Nova York em 1929?
Aqueles eram tempos de crack das Bolsas - expressão mais precisa e restritiva, compreensível até pelo mais comum dos mortais, que não tem dinheiro nenhum aplicado no que quer que seja e vive da mão para a boca.
Já quando se fala em 'bolhas' - de mercados financeiros ou acionários -, a coisa fica meio vaga, misteriosa, ilusória e esvoaçante, como as de sabão.
Pior, porém, é falar de 'bolha' do mercado imobiliário norte-americano, mencionada na imprensa econômica há vários dias, tão desenvoltamente como se até no jardim de infância as crianças soubessem do que se trata e tão alegadamente ameaçadora para os destinos da economia mundial. Entender o que vem a ser isso e por que é tão perigoso chega a desafiar inteligências padrão-Einstein. Talvez até mais argutas, pois há quem julgue mais fácil compreender a essência da Teoria da Relatividade e discernir sua configuração do que perceber o que é exatamente essa 'bolha' prestes a estourar.
Acresce que o centro das preocupações dos últimos dias não foi propriamente o estouro da bolha do mercado imobiliário americano em geral, mas, sim, a do mercado subprime. E a explicação é digna do mais confuso dos explicadores cômicos da história do cinema mundial, o genial Cantinflas. Começa que os bancos financiam a compra de imóveis para pessoas que eles sabem que não podem pagar com facilidade o financiamento, ou que não podem nem mesmo pagá-lo, tout court. Por conseguinte, o risco de calote nesses empréstimos é bem maior, de modo que os bancos cobram desses clientes subprime um juro também maior. O que aumenta o risco do calote.
Alguém acha isso engraçado ou muito louco?
Bem, então repare no corolário do teorema: um dos fatores que entram na formação das taxas de juros dos bancos é a taxa de inadimplência. Quanto mais clientes em atraso e quanto maior o atraso, maior é a taxa de inadimplência e, por conseguinte, maior é a taxa de juros cobrada pelos bancos, que, por sua vez, leva mais clientes à inadimplência.
É muito louco, mesmo, mas os bancos fazem isso. Emprestam a quem não pode pagar e cobram juros mais caros, por isso levam mais pessoas a não poderem pagar e, aí, dizem que a inadimplência aumentou, por isso os juros têm de aumentar. Não, esse papo não é do Coelho Maluco, de Alice no País das Maravilhas. É papo de banqueiro sisudo...
Na década de 30, a audácia e a propensão ao risco - que é o verdadeiro nome dessa política bancária - levavam normalmente à falência. Cerca de 14 mil bancos faliram nos EUA na seqüência dos acontecimentos da crise de 29, a mais espetacular bolha especulativa da história das Bolsas de Valores. Há quem se horrorize e fique petrificado com esse número. Mas há quem ache que a economia ficou mais limpa e mais sólida depois disso. É verdade que vários robber bankers saltaram do alto de arranha-céus em Nova York, atormentados pela presunção de que sua reputação e seus nomes de família ficassem para sempre manchados pela falência e pela revelação das suas fraudes.
Esse, naturalmente, não é mais um fator que inquiete ou iniba a alma dos financistas modernos. Parece que só no Japão ainda há algumas pessoas que se evisceram para não se verem desonradas.
Hoje em dia as coisas são diferentes. A audácia e a propensão ao risco levam em geral à fortuna, pois os governos sempre encontram algum meio de salvar os aventureiros do opróbrio (e da cadeia) em nome da estabilidade do sistema. Isso quando não se dão ao luxo de contribuir para a formação de bolhas, como o governo brasileiro, com sua política de expansão estimulada do crédito, principalmente do crédito consignado. Sem exibir o mesmo appeal para a imprensa econômica e sem representar qualquer ameaça para a economia internacional, essa nossa bolha também vai inchando. É que muitos aposentados ou funcionários públicos da ativa embarcaram nessa canoa e se vão dando conta de que a parcela 'consignada' dos seus rendimentos, isto é, comprometida com o pagamento do empréstimo, está fazendo falta nas despesas domésticas correntes.
O fato é que essa situação de facilitário creditício, aqui como lá fora, é fruto, mais uma vez, de excesso de liquidez. Lá fora porque, curiosamente, o petróleo pode estar sendo de novo uma das fontes dessa cornucópia financeira mundial, como ocorreu na década de 70, pois o grande aumento dos seus preços no ano passado - com algum arrefecimento neste ano - provocou uma enxurrada de moedas fortes para os cofres dos países produtores, que, como sempre, não têm o que fazer com essa grana. Depositam-na nos bancos internacionais, que, por sua vez, dão vazão ao tsunami monetário abaixando seus critérios de análise de risco e dando início à formação de 'bolhas'.
Aqui dentro, o excesso de liquidez tem origem variada, uma delas é o superávit da balança comercial, mas o problema principal é que quase ninguém está investindo em nada. Bancos, fundos de pensão, companhias seguradoras, fundos de renda fixa, pessoas físicas relutam em investir e o próprio governo fala, promete, dá voltas, mas não consegue realmente tomar a iniciativa de obras e projetos que possam absorver investimentos. Há uma poupança crescente que, no entanto, fica girando ao vento, como as birutas dos aeroportos, sem encontrar rumo ou porto seguro.
A situação toda, no exterior e aqui mesmo, no Brasil, é de perplexidade quase geral. As pessoas sentem, ou acham, que estão vivendo melhor, que o dinheiro que ganham lhes está proporcionando confortos e amenidades que seus pais ou elas próprias nunca tiveram. Mas, por outro lado, há uma grande sensação de incertezas e de insegurança. Incertezas a respeito do que fazer com suas poupanças, que profissões ou atividades recomendar aos filhos, que negócios encetar para garantir um futuro mais tranqüilo para si mesmos ou para os familiares, que tipo de planejamento e em que área pode ser realizado. E essas incertezas todas acarretam muita insegurança sobre o destino de cada um. É como se a humanidade estivesse lentamente recuando para épocas em que cada destino pessoal era fruto de puro acaso, e não do planejamento e das previsões que as sociedades modernas tornaram possíveis.
Parte da responsabilidade por essa nova era da insegurança é do mercado financeiro internacional e suas 'bolhas' - imobiliárias ou não.
*Marco Antonio Rocha é jornalista. E-mail: marcoantonio.rocha @grupoestado.com.br
Marco Antonio Rocha*
Quantas 'bolhas' terão de 'estourar' no mercado financeiro internacional para termos um cataclismo econômico realmente sério ao redor do mundo, como o que se seguiu, por exemplo, ao crack da Bolsa de Nova York em 1929?
Aqueles eram tempos de crack das Bolsas - expressão mais precisa e restritiva, compreensível até pelo mais comum dos mortais, que não tem dinheiro nenhum aplicado no que quer que seja e vive da mão para a boca.
Já quando se fala em 'bolhas' - de mercados financeiros ou acionários -, a coisa fica meio vaga, misteriosa, ilusória e esvoaçante, como as de sabão.
Pior, porém, é falar de 'bolha' do mercado imobiliário norte-americano, mencionada na imprensa econômica há vários dias, tão desenvoltamente como se até no jardim de infância as crianças soubessem do que se trata e tão alegadamente ameaçadora para os destinos da economia mundial. Entender o que vem a ser isso e por que é tão perigoso chega a desafiar inteligências padrão-Einstein. Talvez até mais argutas, pois há quem julgue mais fácil compreender a essência da Teoria da Relatividade e discernir sua configuração do que perceber o que é exatamente essa 'bolha' prestes a estourar.
Acresce que o centro das preocupações dos últimos dias não foi propriamente o estouro da bolha do mercado imobiliário americano em geral, mas, sim, a do mercado subprime. E a explicação é digna do mais confuso dos explicadores cômicos da história do cinema mundial, o genial Cantinflas. Começa que os bancos financiam a compra de imóveis para pessoas que eles sabem que não podem pagar com facilidade o financiamento, ou que não podem nem mesmo pagá-lo, tout court. Por conseguinte, o risco de calote nesses empréstimos é bem maior, de modo que os bancos cobram desses clientes subprime um juro também maior. O que aumenta o risco do calote.
Alguém acha isso engraçado ou muito louco?
Bem, então repare no corolário do teorema: um dos fatores que entram na formação das taxas de juros dos bancos é a taxa de inadimplência. Quanto mais clientes em atraso e quanto maior o atraso, maior é a taxa de inadimplência e, por conseguinte, maior é a taxa de juros cobrada pelos bancos, que, por sua vez, leva mais clientes à inadimplência.
É muito louco, mesmo, mas os bancos fazem isso. Emprestam a quem não pode pagar e cobram juros mais caros, por isso levam mais pessoas a não poderem pagar e, aí, dizem que a inadimplência aumentou, por isso os juros têm de aumentar. Não, esse papo não é do Coelho Maluco, de Alice no País das Maravilhas. É papo de banqueiro sisudo...
Na década de 30, a audácia e a propensão ao risco - que é o verdadeiro nome dessa política bancária - levavam normalmente à falência. Cerca de 14 mil bancos faliram nos EUA na seqüência dos acontecimentos da crise de 29, a mais espetacular bolha especulativa da história das Bolsas de Valores. Há quem se horrorize e fique petrificado com esse número. Mas há quem ache que a economia ficou mais limpa e mais sólida depois disso. É verdade que vários robber bankers saltaram do alto de arranha-céus em Nova York, atormentados pela presunção de que sua reputação e seus nomes de família ficassem para sempre manchados pela falência e pela revelação das suas fraudes.
Esse, naturalmente, não é mais um fator que inquiete ou iniba a alma dos financistas modernos. Parece que só no Japão ainda há algumas pessoas que se evisceram para não se verem desonradas.
Hoje em dia as coisas são diferentes. A audácia e a propensão ao risco levam em geral à fortuna, pois os governos sempre encontram algum meio de salvar os aventureiros do opróbrio (e da cadeia) em nome da estabilidade do sistema. Isso quando não se dão ao luxo de contribuir para a formação de bolhas, como o governo brasileiro, com sua política de expansão estimulada do crédito, principalmente do crédito consignado. Sem exibir o mesmo appeal para a imprensa econômica e sem representar qualquer ameaça para a economia internacional, essa nossa bolha também vai inchando. É que muitos aposentados ou funcionários públicos da ativa embarcaram nessa canoa e se vão dando conta de que a parcela 'consignada' dos seus rendimentos, isto é, comprometida com o pagamento do empréstimo, está fazendo falta nas despesas domésticas correntes.
O fato é que essa situação de facilitário creditício, aqui como lá fora, é fruto, mais uma vez, de excesso de liquidez. Lá fora porque, curiosamente, o petróleo pode estar sendo de novo uma das fontes dessa cornucópia financeira mundial, como ocorreu na década de 70, pois o grande aumento dos seus preços no ano passado - com algum arrefecimento neste ano - provocou uma enxurrada de moedas fortes para os cofres dos países produtores, que, como sempre, não têm o que fazer com essa grana. Depositam-na nos bancos internacionais, que, por sua vez, dão vazão ao tsunami monetário abaixando seus critérios de análise de risco e dando início à formação de 'bolhas'.
Aqui dentro, o excesso de liquidez tem origem variada, uma delas é o superávit da balança comercial, mas o problema principal é que quase ninguém está investindo em nada. Bancos, fundos de pensão, companhias seguradoras, fundos de renda fixa, pessoas físicas relutam em investir e o próprio governo fala, promete, dá voltas, mas não consegue realmente tomar a iniciativa de obras e projetos que possam absorver investimentos. Há uma poupança crescente que, no entanto, fica girando ao vento, como as birutas dos aeroportos, sem encontrar rumo ou porto seguro.
A situação toda, no exterior e aqui mesmo, no Brasil, é de perplexidade quase geral. As pessoas sentem, ou acham, que estão vivendo melhor, que o dinheiro que ganham lhes está proporcionando confortos e amenidades que seus pais ou elas próprias nunca tiveram. Mas, por outro lado, há uma grande sensação de incertezas e de insegurança. Incertezas a respeito do que fazer com suas poupanças, que profissões ou atividades recomendar aos filhos, que negócios encetar para garantir um futuro mais tranqüilo para si mesmos ou para os familiares, que tipo de planejamento e em que área pode ser realizado. E essas incertezas todas acarretam muita insegurança sobre o destino de cada um. É como se a humanidade estivesse lentamente recuando para épocas em que cada destino pessoal era fruto de puro acaso, e não do planejamento e das previsões que as sociedades modernas tornaram possíveis.
Parte da responsabilidade por essa nova era da insegurança é do mercado financeiro internacional e suas 'bolhas' - imobiliárias ou não.
*Marco Antonio Rocha é jornalista. E-mail: marcoantonio.rocha @grupoestado.com.br
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