José Ramos Horta, 57, Nobel da Paz em 1996, e Francisco Guterres, 53, conhecido como Lu-Olo, candidato da Fretilin (Frente Revolucionária de Timor Leste Independente) - movimento que liderou a luta pela independência e do qual Xanana Gusmão se afastou no final dos anos 1990 - são os principais candidatos na disputa para ganhar as eleições no Timor. Candidato favorito da imprensa internacional, José Ramos-Horta concedeu a entrevista que segue para o jornal português O Público, 8-04-2007.
Filho de mãe timorense e pai português, deportado por Salazar devido à sua participação na Revolta dos Marinheiros, em 1936. Membro da delegação externa da Fretilin, partido que abandonou em 1988, desenvolveu, em paralelo, uma carreira acadêmica. Primeiro-ministro de Timor-Leste desde 8 de Julho de 2006, após a demissão de Mari Alkatiri. Antes, fora ministro de Estado, dos Negócios Estrangeiros e da Defesa.
Eis a entrevista
Alguma vez previu, quando trabalhava para a Resistência, que o Timor independente teria tantos problemas?
Em 2000 várias pessoas me perguntaram se iríamos ter problemas no futuro. Eu respondi que dentro de três a cinco anos teríamos problemas graves. Porque a geração que pegou nas rédeas do país, em 2002, é uma elite muito desfasada da realidade timorense. Vinda de Maputo, principalmente, mas também da Austrália ou Portugal, provocaram, desde o início, clivagens no plano cultural. A nova geração de estudantes sentiu-se desde logo alienada do poder político. Uma segunda razão é que Mari Alkatiri nunca foi um homem de diálogo. Em quatro anos de chefe do Governo, nunca se sentou à mesa com a oposição.
Poder-se-ia ter feito de outra forma?
Sim, se a elite política timorense fosse menos apressada e tivesse apostado em cinco anos de transição para a independência, em vez de dois. É impensável que em dois anos a ONU pudesse entregar um Estado totalmente operacional. Foi por isso que surgiram os problemas.
Esses problemas mostraram que Timor é inviável?
Não. Apesar de tudo, não entramos em uma guerra civil. Por duas razões: primeiro, porque o povo não queria. Em segundo lugar, porque o Presidente Xanana Gusmão neutralizou a polícia, dando-lhe ordens para sair de Díli.
Não foi ele que ativou a crise, com o famoso discurso divisionista?
Não. Se lermos bem o discurso, o que ele diz é que se só os de Lorosae combateram, o que seria dele, Xanana? De Loromono? Ele não combateu? As razões de fundo da crise estão na politização da polícia e na intervenção grosseira do ministro do Interior. Ele não confiava nos comandantes e não havia cadeia de comando. A culpa disso é do Governo e não do Presidente.
A questão este-oeste não é real?
É completamente artificial. Nunca houve, na história deste país, nenhuma guerra leste-oeste. Nem se consegue definir, geográfica e etnicamente, o que é este e oeste.
Então quais foram as raízes da crise do ano passado?
A excessiva partidarização do Estado. Basta ver que no dia 20 de Maio, o dia da restauração da independência, é o dia da fundação da Fretilin. As pessoas não sabem se em 20 de Maio celebram a independência ou o aniversário da Fretilin. Há secretários de Estado que são apenas secretários do partido. Eu tenho secretários de Estado que nunca compareceram numa reunião do Conselho de Ministros. Nunca me apresentaram um relatório, e eu não faço a mínima idéia do que fazem
O Presidente Xanana evitou a guerra civil, mas não evitou a crise. Poderia ter assumido maior protagonismo?
Xanana não foi muito ativo enquanto Presidente. Eu, pelo contrário, vejo a possibilidade de um aumento de poderes do Presidente.
Segundo a Constituição, não tem quaisquer poderes executivos.
Não, mas como chefe de Estado, em toda e qualquer questão de natureza estratégica ou moral, como é a luta contra a pobreza, ninguém me vai impedir de exigir ao Parlamento e ao Governo um determinado orçamento. Posso mesmo apresentar um orçamento alternativo.
O Presidente poderá apresentar o seu próprio orçamento?
Não unilateralmente, mas sob a forma de uma recomendação ao Governo.
Mas apareceu na campanha ao lado de Xanana Gusmão, dizendo que o quer para primeiro--ministro. Foi apenas para usar o seu nome como forma de propaganda?
Quando digo que tenho um programa para a Presidência, que implica liderar, como chefe do Estado, a luta contra a pobreza, acudir aos jovens e estudantes, criar emprego, preciso de um parceiro estratégico no Governo. E quero Xanana como parceiro porque o conheço bem, porque temos a mesma maneira de pensar. Já conversamos sobre esta minha visão, que ele subscreve inteiramente. O novo partido, o NNRT, que ele vai liderar, absorverá tudo o que eu tenho dito na minha campanha eleitoral.
E em que consiste esse programa comum?
Pedi ao FMI que me apresentasse um projeto de reforma fiscal audaciosa, que quero pôr em prática e que fará de Timor uma espécie de país sem impostos. Com a ajuda de uma equipa internacional que me aconselha na área econômica, vamos atrair investimentos da Austrália e outros países vizinhos.
A cooperação com a Austrália é importante?
É vital. A Fretilin não se pode esquecer que estamos nesta região do mundo com dois poderosos vizinhos: a Austrália e a Indonésia. E a liderança da Fretilin não tem quaisquer relações com estes países.
As relações privilegiadas com Portugal devem ceder lugar à Austrália?
Temos com Portugal relações históricas, de séculos, e excelentes relações atuais. Mas Portugal está longe. Gradualmente, a ajuda portuguesa deverá ser mais orientada para a educação, a formação humana. E também no plano da segurança, na formação do nosso Exército e polícia. Mas o papel central deve ser da Austrália, Nova Zelândia e outros países da região. Sempre que pedimos, Portugal diz que sim. Mas não podemos sobrecarregar Portugal. Por isso vamos diversificar, sem medos nem falsos nacionalismos. A Austrália é um país amigo. A população australiana tem tanta simpatia por Timor como tem a portuguesa. E o Governo tem sido genuíno no seu apoio a Timor Leste, que eles querem estável e próspero. Não lhes interessa vizinhos pobres e instáveis, que lhes enviem milhões de refugiados. Por isso, é de uma lamentável estupidez pensar que a Austrália seja nossa inimiga, ou esteja por trás da nossa crise.
Refere-se a quem pensa isso em Timor?
Também em Portugal há muitos líderes de opinião que dizem isso, sem dúvida influenciados por certos líderes timorenses.
Líderes da Fretilin?
Sim. Não têm coragem de reconhecer os seus próprios erros e procuram sempre causas externas e inimigos externos. Não. Fomos nós que gerimos mal a questão da polícia nacional. Politizamo-la. E quisemos que a ONU saísse de Timor demasiado rapidamente.
As eleições presidenciais estão correndo de forma que os resultados sejam certificados pelos candidatos e pela comunidade internacional?
Acho que sim. Não houve incidentes muito graves na campanha. O que me preocupa é que muitos milhares de cidadãos, iletrados e sem acesso aos meios de comunicação, e numa campanha tão curta, não tenham podido conhecer os candidatos.
Filho de mãe timorense e pai português, deportado por Salazar devido à sua participação na Revolta dos Marinheiros, em 1936. Membro da delegação externa da Fretilin, partido que abandonou em 1988, desenvolveu, em paralelo, uma carreira acadêmica. Primeiro-ministro de Timor-Leste desde 8 de Julho de 2006, após a demissão de Mari Alkatiri. Antes, fora ministro de Estado, dos Negócios Estrangeiros e da Defesa.
Eis a entrevista
Alguma vez previu, quando trabalhava para a Resistência, que o Timor independente teria tantos problemas?
Em 2000 várias pessoas me perguntaram se iríamos ter problemas no futuro. Eu respondi que dentro de três a cinco anos teríamos problemas graves. Porque a geração que pegou nas rédeas do país, em 2002, é uma elite muito desfasada da realidade timorense. Vinda de Maputo, principalmente, mas também da Austrália ou Portugal, provocaram, desde o início, clivagens no plano cultural. A nova geração de estudantes sentiu-se desde logo alienada do poder político. Uma segunda razão é que Mari Alkatiri nunca foi um homem de diálogo. Em quatro anos de chefe do Governo, nunca se sentou à mesa com a oposição.
Poder-se-ia ter feito de outra forma?
Sim, se a elite política timorense fosse menos apressada e tivesse apostado em cinco anos de transição para a independência, em vez de dois. É impensável que em dois anos a ONU pudesse entregar um Estado totalmente operacional. Foi por isso que surgiram os problemas.
Esses problemas mostraram que Timor é inviável?
Não. Apesar de tudo, não entramos em uma guerra civil. Por duas razões: primeiro, porque o povo não queria. Em segundo lugar, porque o Presidente Xanana Gusmão neutralizou a polícia, dando-lhe ordens para sair de Díli.
Não foi ele que ativou a crise, com o famoso discurso divisionista?
Não. Se lermos bem o discurso, o que ele diz é que se só os de Lorosae combateram, o que seria dele, Xanana? De Loromono? Ele não combateu? As razões de fundo da crise estão na politização da polícia e na intervenção grosseira do ministro do Interior. Ele não confiava nos comandantes e não havia cadeia de comando. A culpa disso é do Governo e não do Presidente.
A questão este-oeste não é real?
É completamente artificial. Nunca houve, na história deste país, nenhuma guerra leste-oeste. Nem se consegue definir, geográfica e etnicamente, o que é este e oeste.
Então quais foram as raízes da crise do ano passado?
A excessiva partidarização do Estado. Basta ver que no dia 20 de Maio, o dia da restauração da independência, é o dia da fundação da Fretilin. As pessoas não sabem se em 20 de Maio celebram a independência ou o aniversário da Fretilin. Há secretários de Estado que são apenas secretários do partido. Eu tenho secretários de Estado que nunca compareceram numa reunião do Conselho de Ministros. Nunca me apresentaram um relatório, e eu não faço a mínima idéia do que fazem
O Presidente Xanana evitou a guerra civil, mas não evitou a crise. Poderia ter assumido maior protagonismo?
Xanana não foi muito ativo enquanto Presidente. Eu, pelo contrário, vejo a possibilidade de um aumento de poderes do Presidente.
Segundo a Constituição, não tem quaisquer poderes executivos.
Não, mas como chefe de Estado, em toda e qualquer questão de natureza estratégica ou moral, como é a luta contra a pobreza, ninguém me vai impedir de exigir ao Parlamento e ao Governo um determinado orçamento. Posso mesmo apresentar um orçamento alternativo.
O Presidente poderá apresentar o seu próprio orçamento?
Não unilateralmente, mas sob a forma de uma recomendação ao Governo.
Mas apareceu na campanha ao lado de Xanana Gusmão, dizendo que o quer para primeiro--ministro. Foi apenas para usar o seu nome como forma de propaganda?
Quando digo que tenho um programa para a Presidência, que implica liderar, como chefe do Estado, a luta contra a pobreza, acudir aos jovens e estudantes, criar emprego, preciso de um parceiro estratégico no Governo. E quero Xanana como parceiro porque o conheço bem, porque temos a mesma maneira de pensar. Já conversamos sobre esta minha visão, que ele subscreve inteiramente. O novo partido, o NNRT, que ele vai liderar, absorverá tudo o que eu tenho dito na minha campanha eleitoral.
E em que consiste esse programa comum?
Pedi ao FMI que me apresentasse um projeto de reforma fiscal audaciosa, que quero pôr em prática e que fará de Timor uma espécie de país sem impostos. Com a ajuda de uma equipa internacional que me aconselha na área econômica, vamos atrair investimentos da Austrália e outros países vizinhos.
A cooperação com a Austrália é importante?
É vital. A Fretilin não se pode esquecer que estamos nesta região do mundo com dois poderosos vizinhos: a Austrália e a Indonésia. E a liderança da Fretilin não tem quaisquer relações com estes países.
As relações privilegiadas com Portugal devem ceder lugar à Austrália?
Temos com Portugal relações históricas, de séculos, e excelentes relações atuais. Mas Portugal está longe. Gradualmente, a ajuda portuguesa deverá ser mais orientada para a educação, a formação humana. E também no plano da segurança, na formação do nosso Exército e polícia. Mas o papel central deve ser da Austrália, Nova Zelândia e outros países da região. Sempre que pedimos, Portugal diz que sim. Mas não podemos sobrecarregar Portugal. Por isso vamos diversificar, sem medos nem falsos nacionalismos. A Austrália é um país amigo. A população australiana tem tanta simpatia por Timor como tem a portuguesa. E o Governo tem sido genuíno no seu apoio a Timor Leste, que eles querem estável e próspero. Não lhes interessa vizinhos pobres e instáveis, que lhes enviem milhões de refugiados. Por isso, é de uma lamentável estupidez pensar que a Austrália seja nossa inimiga, ou esteja por trás da nossa crise.
Refere-se a quem pensa isso em Timor?
Também em Portugal há muitos líderes de opinião que dizem isso, sem dúvida influenciados por certos líderes timorenses.
Líderes da Fretilin?
Sim. Não têm coragem de reconhecer os seus próprios erros e procuram sempre causas externas e inimigos externos. Não. Fomos nós que gerimos mal a questão da polícia nacional. Politizamo-la. E quisemos que a ONU saísse de Timor demasiado rapidamente.
As eleições presidenciais estão correndo de forma que os resultados sejam certificados pelos candidatos e pela comunidade internacional?
Acho que sim. Não houve incidentes muito graves na campanha. O que me preocupa é que muitos milhares de cidadãos, iletrados e sem acesso aos meios de comunicação, e numa campanha tão curta, não tenham podido conhecer os candidatos.
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