"A discussão da matriz energética brasileira, que é urgente por muitas razões, inclusive mudanças climáticas" é o tema do artigo de Washington Novaes publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 13-04-2007. Citando o relatório inquietante do Grupo de Trabalho II do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas , estudos de especialistas como José Goldemberg, Ignacy Sachs, Carlos B. Vainer, Célio Bermann o jornalista mostra que a discussão de uma matriz energética brasileira, além de urgente, é possível no Brasil.
Eis o artigo.
Pois é. Está aí mais um relatório inquietante do Grupo de Trabalho II do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas a respeito dos “impactos, adaptação e vulnerabilidade” (Estado, 7/3) em cada região, com os cenários dramáticos previsíveis para todo o mundo ao longo deste século. E com uma certeza absoluta: os pobres sofrerão mais no mundo todo e em cada país.
Se já não há mais razões para duvidar dos cientistas, também não é o caso de caminhar para o extremo oposto e achar que o “fim do mundo” é inevitável e não há nada a fazer, atitude que está aterrorizando crianças e adolescentes, principalmente. Até porque o nível de gravidade dos problemas estará relacionado com a capacidade humana de “mitigação” (redução das emissões de poluentes e outros fatores que agravam o quadro) e “adaptação” (construção de soluções) em cada lugar.
Estamos atrasados, certamente. Quinze anos depois da Rio-92, quando o Brasil liderou a assinatura da Convenção do Clima, anuncia o Ministério do Meio Ambiente que o País ainda “prepara um plano nacional de combate” aos efeitos das mudanças climáticas, que abrangerá, além desse Ministério, as Relações Exteriores e a Ciência e Tecnologia (Folha de S.Paulo, 29/3). Ao mesmo jornal (9/4) disse a ministra do Meio Ambiente que “o Brasil não foi pego desprotegido; tivemos o empenho que o fato exige”. Fora do seu Ministério, não é o que parece haver ocorrido; ao contrário, por ação ou omissão, vários deles até contribuíram para o aumento das emissões de poluentes ou para bloquear a adesão do País a compromissos de redução desses poluentes.
Como tem sido comentado neste espaço, o Brasil já é o quarto maior emissor, com mais de 1 bilhão de toneladas anuais de dióxido de carbono (nível aferido em 1994), das quais cerca de 75% por desmatamentos, queimadas e mudanças no uso do solo, principalmente na Amazônia. Embora o desmatamento tenha caído nos dois últimos anos, está no mesmo nível de 1994 e grande parte dos especialistas atribui a redução recente à queda no avanço da soja na região, por causa de baixos preços. Como eles estão se recuperando, ao mesmo tempo em que crescem as exportações de carnes (e a implantação de pastagens é o motivo principal do avanço do desmatamento), ver-se-á este ano e nos próximos o que acontecerá. As previsões da OCDE são de que as emissões brasileiras cresçam 70,5% até 2030 (Estado, 3/4) .
Na área da mitigação, não há dúvida de que, na matriz energética nacional, fora o Proálcool (criado por motivos econômicos na década de 70), quase nada tem sido feito para enfrentar o problema. Basta lembrar que o programa de controle de emissões por veículos, criado há uns 20 anos, até hoje não saiu do papel porque Estados e prefeituras disputam quem ficará com a receita das taxas de inspeção de cada veículo.
Sem falar que, na área governamental, a discussão sobre a matriz energética brasileira é praticamente nenhuma, limitada a um círculo fechado de formuladores governamentais e de setores interessados - sem nenhuma participação da sociedade. Por isso é tão importante a publicação, nos próximos dias, do Dossiê Energia, na edição número 59 da revista Estudos Avançados, da Universidade de São Paulo, com artigos de vários especialistas.
O professor José Goldemberg, ex-secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, por exemplo, acha que o Brasil “está na contramão da história” ao recorrer cada vez mais à energia de fontes poluidoras como as usinas termoelétricas e a carvão mineral. Lembra estimativas da Universidade de Campinas de que “na área da eletricidade seria viável obter uma redução de 38% no consumo de eletricidade a ser atingido em 2020”. Pelo mesmo caminho vai o estudo do WWF Brasil, que ainda lembra a possibilidade de, por meio de programas de eficiência energética, criar 8 milhões de postos de trabalho. Ou o ensaio do professor Célio Bermann, da USP, segundo o qual só a repotenciação de hidrelétricas com mais de 20 anos de operação pode aumentar a oferta de energia em 12% - e certamente a um custo muito menor que o de construir novas usinas.
O professor Carlos B. Vainer, da UFRJ, lembra que “o primeiro passo” (para chegar a políticas adequadas no setor) “parece ser a restauração do debate público, retirando tais políticas e decisões da esfera restrita dos pacotes e planos emergenciais, onde raramente ultrapassam o círculo estreito dos técnicos e dos interesses setoriais”. Nada poderia ser mais descritivo deste momento nas discussões do chamado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em que eventuais questionamentos sobre a necessidade de ampliar a oferta de energia ou sobre problemas socioambientais com mega-hidrelétricas na Amazônia são apontados como “obstáculos ao crescimento” (“esquecidos”, inclusive, de que os investimentos ali podem ser redirecionados para outros setores necessitados).
Também importante para o debate é o artigo do professor Ignacy Sachs, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, sobre “a revolução energética do século XXI”, no qual afirma que “o desenvolvimento sustentável não é compatível com o paradigma energético atual”. E alinha uma série de possibilidades, entre elas as energias das biomassas - mas lembrando que “o Brasil poderá perder rapidamente a enorme vantagem competitiva de que desfruta hoje o seu etanol da cana-de-açúcar”, seja pela oferta de alternativas mais vantajosas (como o etanol celulósico), seja pela ausência ou por erros das políticas públicas nessa área.
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