Jean Paul Fitoussi, um dos mais prestigiados pensadores franceses, acredita que a América Latina vive uma boa democracia, aquela com a capacidade de corrigir os erros cometidos, entre eles, o de reversão da retórica e das práticas do Consenso de Washington. Em entrevista ao jornal Clarín, 15-04-2007, afirmou ainda que a América Latina mudou radicalmente.
Eis a entrevista
Os críticos dizem que o crescimento da Argentina é alto porque partiu do subsolo da crise.
Não concordo. A Argentina cresceu quatro anos seguidos 9%. Isso é uma taxa compatível à chinesa. E agora com um estado de maior bem estar social que antes. A mudança está por toda a América Latina num processo de se libertar das poderosas influências externas e isso não é uma mudança acidental.
É uma reação das maiorias pelos golpes sofridos com a política neoliberal dos anos 90?
As razões tem raízes profundas no passado, sobretudo em dois aspectos: o constante fracasso dos governos em melhorar as condições dos cidadãos e as brutais reformas aplicadas para dotar a economia de mercado de uma maneira totalmente dogmática.
Por isso a maioria desses novos governos começou revisando o passado e mudando-o, por exemplo, reestatizando o que foi privatizado?
Vejo uma América Latina muito mais pragmática. Acredito que ao ir se livrando dessas atitudes doutrinárias foi adquirindo uma visão mais realista. Começaram a optar, a perceber qual é o setor que está melhor privatizado e qual não. Eu não vejo que se esteja aplicando o dogma da reestatização. Mas sim que se corrige o que foi um erro ter privatizado. Isso é uma boa democracia: aquela que é capaz de se auto-corrigir.
Poderia explicar melhor isso?
A democracia funciona por ensaios e erros. É uma instituição que se auto-corrige. Por isso não existe nenhuma possibilidade de que em uma democracia as coisas aconteçam eternamente erradas, porque se muda de governo e pronto. Ao contrário, com uma doutrina as coisas podem ir eternamente mal. Por quê? Vocês aplicaram o Consenso de Washington e as coisas iam mal. A típica resposta dos defensores dessa política é que as coisas iam mal porque a doutrina não havia sido suficientemente aplicada. O dogma é assim, nunca quer mudar, quer sempre mais do mesmo. Por isso digo que na América Latina está acontecendo uma boa democracia.
Hoje há sete paises de centro-esquerda. Você acredita que como aconteceu no passado, o EUA busque interromper esse processo?
Washington usa um montão de retórica, mas tem claro que não está em condições de parar esse processo. A América Latina é uma região muito poderosa.
É curioso que diga isso. Nosso não temos consciência de ser tão poderosos!
São muito poderosos e no momento não há nenhuma superpotência que possa freá-los.
É por que os EUA está muito ocupado com o Iraque?
Não. É porque o mundo mudou radicalmente. Não estamos mais em mundo unipolar. Temos a China, a Índia, a Rússia. Temos a União Européia que é a maior economia do mundo.
Mas a nível de influência internacional, a União Européia quase não tem voz nas decisões mundiais.
A UE não tem a influência que deveria porque não conseguiu ter um governo europeu comum. É difícil, é um longo processo.
O que pensa do Iraque
Não tenho bola de cristal, mas acredito que as tropas irão ficar por muito tempo, inclusive se o próximo presidente for um democrata.
E o Irã?
É uma das grandes incertezas que há no mundo. Pode acontecer qualquer coisa, inclusive algo de bom.
Uma das mudanças mais dramáticas é que estamos num mundo cada vez mais religiosos e menos laico. Há uma regressão de idéias que pareciam superadas faz séculos?
Efetivamente estamos em uma regressão, o que não sabemos é se esta onda crescerá ainda mais ou se já alcançou o seu pico.
Você diz que o mundo mudou radicalmente. Também está mudando o tipo de globalização?
É preciso diferenciar a retórica da globalização da realidade. Segundo a retórica estamos vivendo sob o poder do mercado e a nossa única lei é a competitividade. Mas a realidade nos mostra um mundo dividido em Estados nacionais e o mercado não consegue fazê-los desaparecer. Então resulta que o mercado não era tão poderosos como diziam. E qual é a principal função do Estado nação? Proteger a sua população. Então se se olha atentamente a atualidade, os Estados nações estão mais fortes do que nunca.
Poderia dar um exemplo?
Os países mais globalizados do mundo são os escandinavos. Seu intercambio no mercado mundial equivale a 70% do seu PIB. Mas são também os países com maior proteção: o gasto público representa 50% do seu PIB. Então resulta que com um Estado forte também são muito exitosos.
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