Os exportadores agrícolas brasileiros ficaram decepcionados com o impasse da Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC), e acusaram todos os atores envolvidos - Brasil, Índia, Estados Unidos e União Européia - pelo fracasso ontem na cidade de Potsdam, na Alemanha. Já os representantes da indústria pareciam aliviados e classificavam de "corretíssima" a decisão do Brasil de não ceder às pressões por maior abertura da economia. A reportagem é de Raquel Landim e publicada no jornal Valor, 22-06-2007.
O setor privado ainda têm dúvidas se a rodada terminou ontem ou se é apenas "jogo de cena" dos negociadores. Se Doha tiver chegado a um caminho sem saída, pelo menos um ponto é consenso entre agricultura e indústria: é hora de o Brasil mudar a estratégia de política comercial e correr atrás do tempo perdido nos acordos bilaterais.
"Para quem coloca agricultura como prioridade, o Brasil está mal acompanhado no G-20. A Índia foi o único país inflexível", criticou Antônio Donizeti Beraldo, chefe do departamento de comércio exterior da Confederação de Agricultura do Brasil (CNA). Pedro de Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Carne Suína (Abipecs), avalia que os EUA e a UE não estavam preparados para reduzir subsídios ou abrir mercados. "Eles se acertaram e acharam que os países em desenvolvimento aceitariam."
Para André Nassar, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), americanos e europeus perceberam que não arrancariam concessões da Índia em agricultura e pressionaram o Brasil para abrir a indústria. "Cobraram mais do que o Brasil podia oferecer", disse. Nassar classifica a oferta americana de reduzir os subsídios agrícolas para US$ 17 bilhões e as pequenas cotas da UE para alguns produtos como um "mau acordo".
"Foi corretíssima a posição do Brasil. Por que nós temos que cortar na carne, se eles estão cortando só água?", questionou Carlos Cavalcanti, diretor-adjunto de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). "Com essa proposta agrícola, o governo não tinha que ceder nada. Está certo de levantar da cadeira", disse Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee)
Os representantes da indústria se referem à barganha sugerida pelos países ricos ontem em Potsdam. Enquanto ofereciam limite de US$ 17 bilhões para os subsídios dos EUA, mais que os US$ 11 bilhões concedidos em 2006, pediam que o Brasil aceitasse um coeficiente abaixo do 20 para o corte das tarifas industriais, o que significaria redução real das alíquotas de importação de mais de 5 mil produtos.
Beraldo lamenta os preciosos dias perdidos, já que a negociação poderia prosseguir até sábado. "Não tem mais tempo para esse teatro. Era a hora da verdade", diz. Representantes da agricultura e da indústria duvidam que a rodada tenha acabado. "Já vi essas crises antes. Nunca achei que o último movimento seria feito em Potsdam", disse Camargo Neto. "Ainda é cedo para dizer que acabou, mas está caminhando mal", afirmou Nassar.
Cavalcanti, da Fiesp, acredita que as negociações devem continuar na próxima semana em Genebra. Nassar, do Icone, diz que o foco agora está em uma eventual proposta do diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, mas admite que vê com "descrença" a possibilidade de o acordo ser aceito por todos os países.
Para os empresários, o Brasil deve agora buscar os acordos bilaterais. "Não é nenhuma surpresa que um acerto tão amplo na OMC seja complicado. Isso só demonstra que o Brasil está perdendo tempo em colocar todas as suas fichas no multilateral", diz Fernando Pimentel, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), acrescentando que seu setor está sendo prejudicado pela falta de acordos com mercados como Estados Unidos, UE e Japão.
Barbato, da Abinee, acredita que, se o Brasil quiser avançar nos bilaterais, deverá voltar atrás no Mercosul e transformá-lo em uma área de livre comércio, porque os interesses defensivos da Argentina estão atrapalhando o país na hora de fechar acordos. Para Nassar, a pressão do setor privado por uma maior inserção do Brasil na economia mundial será grande daqui para frente.
O setor agrícola defende que as negociações com a UE devem ser prioridade. Beraldo, da CNA, ressalta, no entanto, que o Brasil retoma o processo em uma posição mais frágil. Ao contrário de 2004, quando havia três grandes negociações pela frente (UE, Alca e OMC), o acordo com os europeus é o único que restou. Além disso, a UE já deixou claro que sua prioridade é Ásia e que está preocupada com a entrada da Venezuela no Mercosul.
"Confessar que a Alca é impossível é errado. Uma negociação depende da outra. Sem a Alca, a UE não avança", disse Camargo Neto. Ele ensina que é o medo de perder mercado que força os países a avançar na negociação, seja bilateral ou multilateral, e que, por isso, colocar todas as moedas em um pote só é mau negócio.
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