Em pé de guerra com movimentos ambientalistas e boa parte da Igreja Católica, o governo deve iniciar, nesta semana, as primeiras escavações dos canais previstos no projeto de transposição do Rio São Francisco. Quatro batalhões de engenharia do Exército já estão com canteiros instalados em Cabrobó e Floresta, em Pernambuco. A reportagem é de Daniel Rittner e publicada pelo jornal Valor, 25-06-2007.
Opositores da obra questionam os efeitos que ela terá sobre a sustentabilidade do rio. Argumentam que a retirada de vazão tende a agravar problemas como a salinização da foz do São Francisco e lembram que há problemas imediatos a resolver, como o elevado fluxo de esgoto despejado ao longo do caminho e a perda quase completa da vegetação às margens do rio.
O governo diz que não pode esperar a recuperação total do São Francisco, um estrago feito em décadas, para começar as obras da transposição. Mas considera prioritário revitalizar o rio e destinou, no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), R$ 1,3 bilhão em programas com essa finalidade. Apesar do reforço nas verbas, os ministérios envolvidos - Integração Nacional e Meio Ambiente - não têm conseguido aplicar a maior parte dos recursos para revitalização que já estavam programados no Orçamento Geral da União de 2007.
Levantamento realizado pela organização não-governamental Contas Abertas aponta que, até a semana passada, foi empenhado somente R$ 1,960 milhão dos R$ 124,2 milhões previstos para este ano em "revitalização de bacias hidrográficas em situação de vulnerabilidade" - a rubrica orçamentária que reúne esse tipo de ação. Isso equivale a 1,57% dos recursos programados. Quase todas as verbas da rubrica destinam-se à Bacia do Rio São Francisco.
Procurado pela reportagem, o Ministério do Meio Ambiente informou que é responsável pela aplicação de R$ 23 milhões e empenhou R$ 1,9 milhão.
De acordo com o ministério, o baixo empenho é resultado da demora na implementação de convênios com governos estaduais, mas não há contenção de gastos e a expectativa é acelerar essas despesas ao longo do segundo semestre, de modo que todos os recursos previstos sejam aplicados.
Para amenizar a situação, o governo executou R$ 11,4 milhões de restos a pagar de 2006. Mas vários programas tiveram investimentos ínfimos neste ano. Um exemplo é o monitoramento da qualidade da água na Bacia do São Francisco, que recebeu míseros R$ 975 até junho. Somados os restos a pagar, o valor chega a R$ 124 mil - ainda assim, fica muito abaixo da dotação autorizada para este ano, de R$ 1,7 milhão.
A recuperação das matas ciliares, uma das principais preocupações dos ambientalistas, também vive uma escassez de recursos. Até junho, foram aplicados somente R$ 4,5 mil no reflorestamento de nascentes, margens e áreas degradadas do São Francisco. Houve ainda o pagamento de R$ 885 mil de restos do ano passado - mais uma vez, longe do investimento prometido para 2007, de R$ 4,8 milhões. O apoio a projetos de controle da poluição por resíduos, que previa a aplicação de R$ 2 milhões, ainda não recebeu um centavo sequer.
Apesar da dificuldade de execução orçamentária nos últimos meses, o Ministério da Integração Nacional informa que já foram investidos R$ 192 milhões nos programas de revitalização do São Francisco, entre 2004 e 2006. As ações consistem em obras de saneamento básico e ambiental, coleta e tratamento de esgoto, macrodrenagem, resíduos sólidos e contenção de desmoronamento de barrancas, controle de processos erosivos e melhoria da navegabilidade.
Desde o início do mês, soldados e engenheiros do Exército estão prontos para começar os trabalhos de terraplenagem e as escavações para os dois canais de aproximação, que vão ligar o rio às estações de bombeamento das águas nos dois futuros eixos da transposição: Norte e Leste. Em Cabrobó, será um canal de três quilômetros; em Floresta, de seis quilômetros. O uso do Exército foi a estratégia adotada pelo governo para ganhar tempo nas obras, enquanto espera o resultado da megalicitação em curso.
Os canais são necessários para "chupar" a água do rio, no volume definido pela Agência Nacional de Águas (ANA), e transportá-la para duas barragens, de onde serão bombeadas para toda a rede de canais. As duas barragens, tecnicamente chamadas de reservatórios de passagem, também serão construídas pelo Exército. O custo total é estimado em R$ 85 milhões, e as obras têm duração prevista de um ano e dois meses.
Por enquanto, os militares estão fazendo a topografia para delimitar as áreas onde haverá supressão de árvores. Nos próximos dias, concluirão o inventário florestal para identificação de espécies e o resgate de fauna e flora das áreas a serem desmatadas. Quando isso estiver pronto, provavelmente até sexta-feira, vão iniciar as escavações. Até o fim de julho, a expectativa do governo é começar a anunciar os vencedores dos primeiros lotes da licitação de R$ 3,3 bilhões para as obras civis.
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