Sua formação foi literária e filosófica. Marc Augé disse (Poitiers, 1935) que a antropologia, no final dos anos 1950, não tinha um programa acadêmico bem definido. Chegou a isso na década seguinte, quando mergulhou no continente africano. Na seqüência chegou à América do Sul e hoje este professor e ex-diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris sorri ao afirmar, em perfeito castelhano, que ele foi mudando “com a própria mundialização”. Sua perspectiva atual o levou a destilar conceitos da vida contemporânea como o dos não lugares para referir-se a aeroportos ou estradas. Seu último livro, El oficio de antropólogo (Gedisa), empreende uma defesa apaixonada e argumentada de sua vocação.
Segue a íntegra da entrevista que o antropólogo Marc Augé concedeu ao jornal espanhol El País, 23-06-2007. A tradução é do Cepat.
É a antropologia mais necessária do que nunca?
O presente sempre é uma paisagem que é preciso estudar. A Antropologia é um lugar, num momento. Seu objeto de estudo é a relação entre seres humanos num dado grupo, tomando em conta o contexto. É muito difícil pensar no tempo a partir da ideologia do presente.
E o passado de sua disciplina?
O contexto é que está mudando. A mudança é parte do objeto. Não perdemos as sociedades primitivas, mas tudo está se transformando. Não estamos para festejar os paraísos perdidos, que nunca o foram em caso algum. Não é preciso alimentar a nostalgia porque não faz parte do ofício de antropólogo, é uma ilusão. A antropologia tem um papel e é útil para a observância do mundo atual.
Fala de supermodernidade, da multiplicidade de coisas e da aceleração do tempo, do império do tempo sobre o espaço na era da internet.
É uma tensão que atravessa o mundo inteiro. A homogeneização e a globalização econômica e tecnológica produzem a ilusão de que podemos nos comunicar com o mundo inteiro. A reação a isto é o nacionalismo e os proselitismos religiosos como o evangelismo ou o lado mais tradicional do Islã, que está estreitamente vinculado a regimes políticos não democráticos que impõem a opressão de indivíduos e uma ideologia sobre todo tipo de problemas, como a desigualdade das mulheres. As democracias devem combater a diferença cultural.
Procura a antropologia o fator comum a todos os homens?
O objeto intelectual são as relações de parentesco ou o poder econômico. A simbolização destas relações é um fato comum, patente na educação das crianças. A alienação do indivíduo a esta estrutura é necessária para ser saudável de espírito. O homem que se aliena consente em viver num mundo com relações preexistentes. Qualquer regime político é uma tensão entre o sentido social e a liberdade. Lyotard propõe dois tipos de mitos: a cosmogonia do passado e os mitos do futuro e do progresso do século XVIII. Todos fracassaram.
Outro grande relato da história?
Não temos ferramentas para entender o que está acontecendo. Esquecemos as ferramentas intelectuais. Não somos capazes de pensar o tempo. Há uma denominação da linguagem do espaço. O binômio local-global não é equivalente a particular-universal. O local pode ser uma réplica do global ou uma exceção e o particular tem coisas que se relacionam com o universal de forma dialética. Daí surge o termo glocal.
Disse que o real se esforça para ser ficção.
Sim, é a ilusão do indivíduo frente à sua contemporaneidade. Toda a história do mundo em seu computador. Selecionar e utilizar a ilusão da liberdade porque as coisas são representadas a partir do consumo.
Expandem-se os não lugares?
Esta é uma noção que se opõe ao lugar entendido em seu sentido antropológico, quer dizer, como espaço no qual se plasmam as próprias relações sociais. O não lugar é uma realidade empírica. Muita gente não tem ali nada para negociar, mas isto não é uma distensão absoluta: é um não lugar para uns e um lugar para outros, por exemplo, para aqueles que trabalham num aeroporto. Produziu-se um desenvolvimento destes espaços por todo o planeta; espaços organizados através de códigos que não foram pensados para a comunicação. Têm uma organização muito sofisticada, mas não incorporaram os elementos simbólicos das relações sociais.
Os meios de comunicação substituem, ganham terreno a outros espaços sociais?
A imagem pode ser o novo ópio do povo. Vivemos num mundo de reconhecimento, não de conhecimento. Vive-se realmente através da tela. Os meios de comunicação devem ser objeto de educação, não apenas um canal de informação. Você apenas entende a manipulação das imagens ao fazer um filme. Devemos aprender a ler e escrever e também a ler e a fazer imagens.
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