Jornalista conta em livro como o aquecimento global já afeta o planeta. A resenha do livro "Planeta Terra em Perigo -O Que Está, de Fato, Acontecendo no Mundo", de Elizabeth Kolbert e pela Editora Globo, é de Cláudio Angelo e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 15-06-2008.
Eis a resenha.
São muito poucas as pessoas que podem dizer que assistiram ao fim do mundo e voltaram para contar a história. A jornalista americana Elizabeth Kolbert é uma delas. E que história ela conta: quem ainda tem uma pontinha de dúvida sobre a dimensão do estrago que o aquecimento global já está causando deveria imediatamente ler "Planeta Terra em Perigo", livro de Kolbert recém-lançado no Brasil.
Quem acha, por outro lado, que a crise climática pode ou vai ser solucionada antes que seja tarde demais talvez não devesse nem abrir o livro: em vez de se render a uma visão otimista do futuro da humanidade, como faz Al Gore, Kolbert prefere se ater aos fatos.
E os fatos são feios.
A americana, que passou anos cobrindo política antes de se debruçar sobre a questão ambiental, foi destacada pela revista "The New Yorker" para correr o mundo atrás de evidências do aquecimento global. Isso aconteceu em 2004, antes de Gore lançar seu filme, quando a sigla IPCC ainda precisava de explicação.
Kolbert viajou da Groenlândia à Antártida, visitou vilas esquimós que precisaram mudar de lugar devido ao degelo marinho no Ártico, viu casas rachadas pela desintegração do permafrost no Alasca. E falou com cientistas, dezenas de cientistas. O resultado foi a série de três reportagens "The Climate of Man", expandida e editada em 2005 nos EUA na forma do livro "Fieldnotes From a Catastrophe" ("Diário de uma Catástrofe" - título inexplicavelmente alterado, para pior, na edição brasileira).
O que a repórter viu foi o começo do fim do mundo como o conhecemos. Talvez a elevação sem precedentes nos níveis de dióxido de carbono na atmosfera não seja o momento final da civilização ou a extinção da espécie humana. Mas certamente o aquecimento global do Antropoceno (Período geológico marcado pela transformação da Terra pelo homem) mudará a face do planeta com uma velocidade jamais observada.
Mudanças climáticas bruscas, explica a autora, sempre fizeram parte da história da Terra. Mas a civilização humana, iniciada com a invenção da agricultura, há 10 mil anos, coincidiu com um período de estabilidade ímpar do clima, após a última era glacial.
Lições dos acádios
Do clima benigno dependeram os assentamentos humanos permanentes que deram origem às cidades e, com o tempo, à sociedade moderna. Ao lançar gás carbônico no ar para gerar energia e mover carros e fábricas, os seres humanos já estão rompendo essa estabilidade. E clima instável significa fome, guerra e morte.
Que o diga o império acádio, criado há 4.300 anos na Mesopotâmia. Kolbert conta sobre as pesquisas científicas que concluíram que os acádios foram extintos devido a uma mudança climática brusca - natural - por volta de 2.200 a.C.
"Pegos de surpresa, os acádios atribuíram sua sorte à vingança divina", escreve. "Por outro lado, as alterações climáticas previstas para o próximo século podem ser atribuídas a forças cujas causas são conhecidas e cuja magnitude pode ser determinada por nós."
Determinar o tamanho do impacto tem sido muito mais fácil do que convencer os governos a agir a tempo de evitá-lo. Em um dos pontos altos do livro, Kolbert descreve em tom de tragicomédia seu encontro com Paula Dobriansky, funcionária da diplomacia de George W. Bush encarregada durante oito anos de bloquear toda e qualquer tentativa de acordo internacional contra emissões.
Dobriansky responde a todas as questões da repórter com a mesma frase: "Nós agimos, aprendemos e depois agimos novamente". Kolbert não precisa de muitas palavras e não usa sequer um adjetivo para qualificar a posição do governo de seu país sobre o tema.
As críticas, no entanto, não se voltam apenas aos Estados Unidos. A expansão das termelétricas a carvão na China, relata a autora, anula "em menos de duas horas e meia" a economia de energia feita em uma década pela cidade americana de Burlington, no ecologicamente correto Estado de Vermont.
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