Quinta-feira, 22 horas. Nas proximidades do metrô Barra Funda, zona oeste de São Paulo, concentra-se um verdadeiro mercado livre às portas da Uninove, uma das maiores universidades particulares do país em número de alunos. Do lado de fora do campus, DVD, chocolate, batata frita, lingerie, cachecol e relógio Chanel falso, entre outras ofertas, disputam a atenção dos estudantes a caminho da estação. Vários bares estão no trajeto, mas o principal ponto de parada é o Castelinho Beer, bem em frente à entrada da Uninove, onde a promoção de quatro garrafas de cerveja a R$ 15 vem funcionando. "Chego a vender 70 caixas por noite às quintas e às sextas", diz a gerente do Castelinho, Janete Yoko, que também oferece música eletrônica vários decibéis acima do permitido para o horário. A reportagem é de Daniele Madureira e publicada pelo jornal Valor, 17-06-2008.
Com exceção da bebida alcoólica e do relógio pirata, as universidades brasileiras estão dispostas a levar esse ambiente de consumo e confraternização para dentro do campus.
A Estácio de Sá, a segunda maior do país, acaba de contratar a administradora de shopping centers In Mont para criar e coordenar minicentros comerciais em todas as suas 63 unidades no país.
Segundo a Estácio, os alunos pediram "serviços de qualidade" próximos à sala de aula. Outras grandes universidades, como a gaúcha Ulbra e o renomado Mackenzie, de São Paulo, permitem ações de marketing nos seus domínios desde que acompanhadas de vantagens explícitas para os alunos: notebooks com 40% de desconto e dez meses para pagar; financiamento de 50% das mensalidades para depois da formatura; patrocínio ao time da faculdade e até para produções de cinema estudantis.
Algumas das iniciativas são pagas, outras fruto de permuta. "Mais do que obter uma fonte alternativa de receita, o que as universidades particulares querem é levar benefícios ao estudante para que ele se encarregue da propaganda boca a boca, capaz de garantir à instituição um reconhecimento público que apenas anos de tradição poderiam conferir", afirma o consultor Ryon Braga, presidente da Hoper, uma das poucas consultorias especializadas no negócio de educação no país. Esse ganho de popularidade é importante mesmo entre aquelas que já são reconhecidas, uma vez que a disputa pelos alunos se acirra a cada semestre letivo.
Entre 2004 e 2007, o número de instituições de ensino superior privado cresceu 27%, para 2.237 empresas. Estas faturaram juntas R$ 20 bilhões no ano passado - 38% a mais do que em 2004. Mas o total de estudantes atendidos nesse mesmo período subiu em menor proporção: 23%, para 3,7 milhões.
"É importante 'fidelizar' os alunos não só para que eles indiquem a instituição, como para fazê-los voltar a estudar lá depois de formados, em busca de uma pós", diz Braga, ressaltando que essa postura reflete a gestão profissional que passou a vigorar nas universidades nos últimos anos. Algumas delas, inclusive, abriram capital na bolsa, como a Estácio e a Anhanguera, e vêm usando os recursos para acelerar o crescimento via aquisições.
Mauro Lissoni, sócio da Mundo Universitário, agência especializada no público em busca do diploma, lembra que número de alunos matriculados é moeda forte nesse novo cenário. "Os investidores, estrangeiros ou não, avaliam a rentabilidade por aluno, a quantidade de matrículas, a estrutura do local e a tradição, nessa ordem", diz Lissoni, cuja agência também atua na intermediação entre universidades e potenciais investidores.
Ainda que o principal objetivo das promoções e vendas nos campi não seja financeiro, a receita com essas parcerias deve aumentar. "Hoje menos de 1% do faturamento total das universidades vem dessas ações, mas a tendência é que as receitas alternativas cresçam como nos Estados Unidos, onde significam entre 5% e 7% do faturamento das universidades", diz Braga. O consultor aponta como novidade a venda de espaço publicitário em alguns campi, com inserções em banheiros, mobiliário urbano e até em TVs de plasma.
O preço de uma ação promocional por três dias na universidade pode chegar a R$ 15 mil - uma pechincha para o anunciante, sabendo-se que uma cifra como essa significa apenas 5% do que se costuma pagar por uma única inserção de 30 segundos em horário nobre da TV (cuja audiência, apesar de maior, é dispersa). Mas algumas ações nem precisam ser pagas: basta oferecer um benefício tangível aos alunos - como os 200 mil CDs de instalação do sistema Windows Vista, da Microsoft, com programa de navegação, distribuídos neste ano pela Oi na Estácio.
"O que vai manter o aluno é a qualidade do ensino, mas se você pode agregar valor a isso, inclusive com ganhos para a área acadêmica, melhor ainda", diz Marcelo Campos, diretor de relações institucionais da Estácio. Um exemplo de parceria na área acadêmica está no patrocínio do Unibanco às produções dos alunos do curso de cinema. "Este ano lançamos o DVD 'A alma de uma orquestra', um documentário sobre a Rio Jazz Orchestra produzido por alunos e professores da Estácio e bancado pela Unibanco AIG", diz Campos.
Na maioria das universidades, as instituições financeiras são as grandes parceiras. Elas respondem por contratos de alguns milhões de reais ao ano, uma vez que costumam responder pela emissão de boletos aos alunos e pela folha de pagamento. Em troca, têm o direito de fazer ações promocionais nos campi, com exclusividade. No caso do Unibanco com a Estácio, o banco se oferece para financiar metade da mensalidade do aluno durante o curso. "O estudante só paga a metade e, quando se formar, começa a pagar a outra metade para o banco", explica Campos.
Na Ulbra, o aluno também tem a opção de pagar a mensalidade com o cartão de crédito Credicard Citi. "Nós cobramos caro para que as ações não se vulgarizem", diz o assessor de marketing da Ulbra, Sérgio Freitas, sem revelar quanto. Os recursos, segundo ele, são destinados ao Esporte Clube Ulbra, que tem a AmBev entre os patrocinadores. A marca da fabricante de bebidas não aparece na camisa dos atletas. Em compensação, a AmBev é a fornecedora exclusiva dos oito campi da Ulbra no Rio Grande do Sul, atingindo 45 mil estudantes.
Não é qualquer ação - nem anunciante - que tem portas abertas. "Bebida alcoólica e cigarro são proibidos", diz Vladimir Cruz, analista de marketing do MacKenzie, que conseguiu com a Semp Toshiba desconto de 40% nos notebooks. Mas alguns serviços não passam. "Já tive proposta de salão de beleza, mas isso desviaria demais a atenção dos alunos", diz Cruz, que recebe pelo menos duas propostas ao dia de anunciantes.
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