Os efeitos da crise global, antes mais concentrados no setor financeiro brasileiro, começam a abalar com mais força o resto da economia. Indicadores recentes já apuraram desaceleração no consumo, pessimismo entre consumidores e empresários, elevação da inadimplência e aumento nos preços por conta do dólar mais alto.
A reportagem é de Toni Sciarretta e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 17-10-2008.
Apesar de o mercado interno continuar se expandindo puxado pela renda e pelo emprego e a economia estar mais protegida pelas reservas internacionais recordes de US$ 200 bilhões, economistas e empresários vêem a trava no crédito e a oscilação do câmbio como os canais de transmissão da crise, que dificultam o planejamento das empresas e reduzem a confiança de empresários e consumidores. O componente que mede a percepção do futuro do Índice de Confiança do Consumidor da Fecomercio de outubro teve recuo de 1,5%, interpretado como indício de cautela para comprar e fazer dívidas.
Com o crédito mais escasso, o consumo deu sinais de desaceleração em setembro e de "pane" em segmentos sensíveis, como o de material de construção: as vendas caíram até 30% no início de outubro, auge do pânico nos mercados.
A situação ainda não é tão preocupante, segundo os economistas, porque seguem em alta o nível de emprego e a renda do brasileiro. Ontem, a Fiesp reportou criação de 11 mil vagas na indústria paulista. Já a renda do trabalhador cresceu 5,7% em agosto, em relação ao mesmo mês de 2007, diz o IBGE.
"A crise via canal de crédito já chegou ao Brasil. As informações relativas a outubro mostram a rápida desaceleração nas vendas de automóveis e outros tipos de veículos, da mesma forma já há siderúrgicas, principalmente voltadas para a exportação, reduzindo a produção. Outro canal de contaminação virá pela revisão de investimentos", disse Luiz Carlos Mendonça de Barros, que foi ministro das Comunicações no governo FHC.
"Ninguém pode ter dúvidas de que a crise está chegando ao setor real. Já chegou há algumas semanas na oferta de crédito. Muitas pessoas que faziam plano de viajar ao exterior estão desistindo, e as empresas estão revendo suas atividades. Em alguns bancos, há redução de pessoal. As demissões já começaram. E isso vai influenciar o comportamento dos consumidores e o planejamento das empresas. Todos estão se reposicionando", disse o economista Maílson da Nóbrega.
Com os juros maiores, piorou também a capacidade de pagamento e o endividamento dos consumidores. A Serasa apurou crescimento de 15,4% dos pagadores em atraso em setembro, em relação ao mesmo mês do ano passado.
Segundo os economistas, se a desaceleração vier forte no início de 2009 poderá elevar o desemprego e diminuir a renda. No início do ano, as previsões eram de crescimento de 4,8% em 2009; agora, a média dos analistas prevê alta de 3,5%.
Apesar da desaceleração no consumo, a alta do dólar pressiona a inflação e as empresas.
O IGP-10 de outubro, que funciona com uma prévia do IGP-M, subiu 0,78% -em setembro, havia tido deflação de 0,42%. A Klabin, grande do setor de papel e celulose, anunciou ontem prejuízo de R$ 253 milhões no terceiro trimestre, com perdas de R$ 381 milhões atribuídas à alta do dólar.
O dólar alto também trouxe perdas aos balanços de empresas exportadoras que apostavam no real, pressionando a revisão das estratégias de expansão do setor corporativo.
Empresa que primeiro comunicou perdas com o câmbio, a Sadia admitiu ontem que poderá ter seu primeiro prejuízo anual em 64 anos de história.
Para Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas, a redução nas vendas do varejo é reflexo do aumento dos juros, que começou bem antes do recrudescimento da crise. Ele tem dúvidas se as empresas de fato estão tomando decisões no "calor dos acontecimentos" atuais. "Nesse momento de grande volatilidade, temos de deixar a poeira assentar um pouco e dar tempo para que as medidas tenham efeitos. Temos de ter paciência para esperar, sob pena de tomar decisões precipitadas", disse.
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