"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quarta-feira, junho 30, 2010

O economista que tocou fogo na blogosfera

29 de junho de 2010 às 21:41

Da série “Os que MORREM DE MEDO das blogosferas”
Economista aos blogueiros: “Calem o bico, idiotas”

28/6/2010, Salon, Andrew Leonard – traduzido por Caia Fittipaldi

Considerando que economistas supergraduados devem ser pressupostos ligados e espertos, Karthik Athreya, especialista em macroeconomia e finanças do consumidor, e que habita os intestinos do Federal Reserve Bank em Richmond, sabia, é claro, que provocaria um terremoto, ao publicar artigo em que diz que toda a discussão de economia na blogosfera é irrelevante, inútil e idiota.

Lutei muito à procura da melhor metáfora para descrever o impacto que “Economia é Dureza” [ing. "Economics is Hard"] teve na econoblogosfera. “Mexer em vespeiro” não espelha a magnitude da transgressão. Talvez uma declaração de guerra, de Brunei, à China? Ou Os Cavaleiros do Mal desafiando a horda mongol de Genghis Khan, para luta até o último homem? Uma coisa é certa: Karthik Athreya, ao descatar legiões de blogueiros como inúteis, garantiu lugar eterno (ou, no mínimo, por meia semana) na lista dos Infames.

O argumento básico de Athreya parece ser que só economistas pesquisadores profissionais podem ser autorizados a discutir economia, porque, bem, economia não é moleza, e ninguém, senão os economistas profissionais jamais entenderão ou avaliarão corretamente a complexidade da disciplina. “Quando um economista pesquisador profissional pensa ou fala sobre seguro social, desemprego, taxas, déficits de orçamento, dívida soberana, dentre outras coisas, quase sempre tem um modelo muito precisamente articulado, repetidamente testado para garantir sua coerência interna” – escreve o autor. O resto do mundo, não, ninguém tem nada disso.

Comparem-se, só por um momento, aqueles primores de raciocínio atento, argumentação clara, a abordagem gentil e transparente, sempre atentos, os economistas especialistas, ao que o ouvinte tenha a declarar, e a reprodução alucinada, sem sentido, sem ligar coisa a coisa, dos blogueiros autodidatas ou nada-didatas. A comparação é instrutiva.

A questão real é que há pouca probabilidade de as especulações e chutes dos não-treinados, sobre temas quase patologicamente carregados de “considerações dinâmicas” e “efeitos de retroalimentação”, apresentem algo de novo. O mais provável, sim, é que ofereçam contribuições incoerentes ou distorcidas.

(Se você aproximar o ouvido, aí, do seu monitor, ouvirá claramente o rugido de indignação de milhões de blogueiros. Não é ruído de alegria. De fato, parece mais o som que se ouve quando se atropela um ninho de cascavéis.)

Athreya observa, com certo desânimo, que não há onco-blogosfera – blogosfera na qual quadrilhas de idiotas sem qualquer treinamento deem palpites sobre câncer, o que é e como tratá-lo. (O que não é o mesmo que dizer que não haveria onco-jornalismo; há. Apenas que existe em número insignificante, se comparado ao número de pseudo-entendidos em economia, que se atrevem a usar em vão o nome de Keynes como se entendessem do que Deus tratou em “The General Theory of Employment, Interest and Money”.)

E Athreya pergunta, em tom lastimoso: “Alguém espera que os mais recentes avanços em biologia celular sejam imediatamente acessíveis a alunos de ginásio?”

E é exatamente aí que Athreya pisa, feio, na bola. A ciência da biologia celular não é monolítica, mas há razoável consenso sobre qual seja a verdade científica para a maioria dos cientistas que trabalham no campo. Claro que há muito por descobrir, e há teorias concorrentes que trabalham nas fronteiras da pesquisa, mas, mesmo não sendo professor supergraduado em biologia celular, posso dizer, com satisfatória segurança, que a maioria dos biólogos da biologia celular concordam quanto aos conceitos fundamentais.

Não se pode dizer o mesmo da economia. Os economistas Prêmio Nobel discordam praticamente sobre tudo, a saber: qual o papel correto das políticas fiscal e monetária em tempos de recessão? Salário mínimo ou imigração ilegal prejudicam ou estimulam o emprego? Os economistas discordam dos economistas. Que impacto tem a regulação, sobre a economia? Cada economista dirá uma coisa.

Sim, a economia é dureza – tão dureza, que economistas os mais impressionantemente laureados dão aos leigos a impressão de não saberem, absolutamente, porcaria alguma sobre o que acontece no mundo.

Nada disso seria problema grave, não fosse pelo pequeno, ínfimo detalhe, de que todos esperamos que os governos construam políticas econômicas.

Ninguém espera que deputados e senadores curem doentes de câncer, mas, sim, esperamos que façam todo o possível para não aprofundar a Depressão, para não provocar corridas aos bancos, para não estimular devastadoras guerras comerciais.

O problema é, sim, gravíssimo, porque, não bastasse os economistas discordarem entre eles, profundamente, sobre como suas pesquisas devem converter-se em políticas, a maior parte dos economistas é horrendamente incapaz de comunicar suas pesquisas em língua que os políticos compreendam.

É onde entramos nós, os autodidatas não graduados, tentando entender o que dizem os economistas para traduzi-lo em palavras que possam influenciar as decisões políticas, de modo prático-objetivo, na vida real.

O nosso trabalho é impressionantemente complexo, imenso. Mas isso não implica que se deva fugir dele – sobretudo agora que temos a internet.

A parte mais estúpida do ensaio de Athreya é o título: “Economia é Dureza”, que automaticamente traz à lembrança as bonecas Barbie Falantes: “Aula de matemática é dureza”. (Desgraçadamente, a Wikipedia ensina que nenhuma boneca Barbie jamais disse “Aula de matemática é dureza”, e acusa-me de idiotice terminal, porque acredito em tudo que leio na Wikipedia. Mas sou especialista em bonecas Barbie Falantes, e insisto. Mais um pouco, aparece alguém com dados e fontes, e corrige a Wikipedia.) O motivo pelo qual as mulheres detestam as bonecas Barbie Falantes está em elas reforçarem o estereótipo de que mulheres não seriam boas em matemática. Nesse caso, discutir é perda de tempo.

Serei o primeiro a reconhecer que desabei, de cara no chão, quando cheguei à parte da teoria econômica dos meus estudos matemáticos. Mas isso não implica que eu não continue tentando entender. Entender, nesse contexto, significa aprender em quem confiar na cacofonia do debate econoblogosférico. Quais as articulações do problema aproximam-se mais da realidade e soam em melhor harmonia com a história? Quem se mostra mais competente no trabalho de colher os dados do dia e articulá-los numa narrativa que faça sentido? E quem é obviamente o cínico, o idiota ideológico perfeito, o mais fascista convicto sincero?

Não me canso de maravilhar-me ante o poder que tem a Internet, para me por em contato, em pleno coração das discussões, entre economistas treinados e um vasto universo de intérpretes e filtros. Uma vez escrevi que a econoblogosfera seria um seminário sempre em andamento, de nível colegial, sobre economia, aberto a todos. Continuo a pensar do mesmo modo. Claro. Democratizar a informação implica que, sim, há muita besteira também na Internet, como na economia dos Prêmios Nobel. A lei de Sturgeon (“90% de qualquer coisa é sempre lixo”) aplica-se, sem dúvida, também às discussões de Internet sobre economia.

Mas… Leia com atenção, faça a lição de casa, e você descobrirá que pode aprender muito sobre os temas das discussões do dia, mais, hoje, do que jamais antes. O mais leve tende a flutuar e sobe à superfície e aparece. Temo que não seja esse o destino de “Economia é Dureza”.

A postagem original, em inglês, pode ser lida em: Economist to bloggers: Shut up, fools

Lembrei-me do grande Milton Santos ao dizer que sociólogos e economistas desenvolvem belas teorias, só isso.

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