Experimento no interior paulista vai testar recomposição de reserva legal. Ideia é criar floresta que possa produzir madeira com mais rentabilidade que pastagem. Estudo afeta debate sobre lei.
A reportagem é de Claudio Angelo e publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, 05-07-2010
O ecólogo Sérgius Gandolfi caminha na floresta e para diante de um jequitibá de 15 metros de altura. São pouco mais de 16h, mas já começa a escurecer sob aquele trecho de mata atlântica em Iracemápolis, interior paulista. Gandolfi aponta o chão, onde brotam "filhas" do jequitibá e de outras árvores. "Isso mostra que a floresta está funcionando", diz.
O que é uma grande notícia: afinal, há apenas 23 anos, aquilo que hoje é mata fechada era um canavial. A mata ali é resultado de replantio numa área de preservação permanente (APP). Essa e outras experiências de reposição de mata nativa em áreas devastadas estão no foco de uma polêmica nacional nesta semana.
Hoje, em Brasília, o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) deve apresentar a uma comissão especial da Câmara a versão final de seu projeto de reforma no Código Florestal, a lei de 1965 que protege as florestas do país. O projeto de Rebelo visa adequar a maior parte dos agricultores do Brasil à lei.
Para isso, deve reduzir a proteção às APPs (margens de rio, encostas, várzeas e topos de morro) e dispensar cerca de 90% dos proprietários de terra de replantar florestas na reserva legal -fração de uma propriedade que deve ser mantida como mata. A anistia a desmatamentos já feitos na reserva legal é uma antiga bandeira dos ruralistas. "É um custo com o qual nós não podemos arcar e tem eficiência questionável do ponto de vista biológico", argumenta o pecuarista Assuero Veronez, da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).
Refazenda
Sérgius Gandolfi e seus colegas do Lerf (Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal) da USP de Piracicaba querem provar o contrário. Segundo eles, é possível repor ao menos parte dos 43 milhões de hectares de reserva legal estipulados pelo código atual. E dá até para fazer dinheiro com isso.
A ideia está sendo testada em uma área de 300 hectares da fazenda Guariroba, em Campinas. Ali, eles plantaram há quatro anos uma floresta que, esperam os cientistas, será a primeira reserva legal para proteção da biodiversidade e produção de madeira da mata atlântica. O Lerf criou um método que permite "recriar florestas tropicais com alta diversidade em qualquer lugar".
O truque: plantar pelo menos 80 espécies, numa ordem tal que árvores nobres, como jequitibás e cedros, possam crescer à sombra de plantas de desenvolvimento rápido, como quaresmeiras. Não é barato. Implantar uma reserva custa de R$ 10 mil a R$ 12 mil por hectare em dois anos. A cana rende R$ 500 por hectare/ano. "Você precisa de 20 anos da renda da cana para poder pagar um hectare de floresta", diz Giselda Durigan, pesquisadora do Instituto Florestal e uma das maiores autoridades do país em restauração. Ela é cética em relação à reposição de reserva legal.
Mercado futuro
Os pesquisadores do Lerf apostam em tirar essa diferença transformando as reservas legais em polos produtores de madeira. Após dez anos, seria possível cortar as árvores pioneiras para fazer lenha e carvão vegetal. Após 20 a 30 anos, viria a exploração das árvores nobres. Nesse período, o produtor que refizesse a mata poderia ganhar até R$ 500 por hectare/ano com a produção de madeira.
"É duas vezes mais do que a renda de uma pastagem", diz Ricardo Rodrigues, coordenador do Lerf. No quadragésimo ano, com as árvores nobres da propriedade já maduras, a renda subiria para quase R$ 2.000 por ano no pior cenário, e R$ 3.500 no melhor. "A reserva legal pode ser um grande negócio", diz Gandolfi. Ele lembra que os Estados do Sudeste hoje são os maiores consumidores de madeira nativa, que vem quase toda da Amazônia. Produzir tal madeira em São Paulo valeria a pena.
E nem é preciso brigar com lavouras rentáveis como a cana e a laranja. Segundo o grupo, há na mata atlântica 7 milhões de hectares de áreas de baixa aptidão agrícola que poderiam ser aproveitadas. "Nas áreas mais agricultáveis do Estado de São Paulo você tem aproveitamento de 70% da propriedade no máximo", diz André Nave, do Lerf. "O resto são trechos de baixa aptidão, com reflorestamento de exóticas [plantas que não são nativas do país, como o eucalipto] ou áreas abandonadas, que poderiam voltar a ser reserva legal."
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