por Eugénio Rosa [*]
À medida que se aprofunda a análise da Proposta de Orçamento do Estado para 2011 apresentado pelo governo encontram-se mais "surpresas". Neste estudo vão-se analisar quatro: (a) As dotações incluídas no OE2011 para pagar trabalhadores precários que aumentam significativamente; (b) As dotações destinadas a suportar despesas de representação de governantes e chefias que também aumentam; (c) As despesas com combustíveis que sobem significativamente; (d) As dotações inscritas no OE2011 destinadas a aquisição de serviços a privados que, apesar da crise, continuam elevadíssima sendo uma fonte importante de lucros para dezenas de empresas. E isto numa altura em que se cortam 1.432 milhões € nos vencimentos de mais de 350 mil trabalhadores e se congelam, pelo segundo ano consecutivo, as remunerações dos restantes trabalhadores. Para isso observem-se os dados do quadro seguinte retirados dos Mapas Informativos anexo ao OE2011.
Quadro 1 – Dotações inscritas nos orçamentos dos Serviços Integrados da Administração Central em 2010 e em 2011
Quadro 1 – Dotações inscritas nos orçamentos dos Serviços Integrados da Administração Central em 2010 e em 2011
| Milhões € | Milhões € | Milhões € |
Pessoal dos quadros – Regime função pública | 5.160,6 | 4.762,1 | -7,7% |
Pessoal contratado a termo | 168,1 | 175,2 | +4,2% |
Pessoal em regime de tarefa ou avença | 12,8 | 39,2 | +205,0% |
Despesas de representação | 16,1 | 19,3 | +20,0% |
Combustíveis e Lubrificantes | 42,5 | 53,8 | +26,6% |
Entre 2010 e 2011, como mostram os dados do quadro 1, as despesas com a generalidade dos trabalhadores dos Serviços Integrados (inclui todas as direcções gerais de todos os Ministérios) diminuem em -7,7% (menos -398,5 milhões €), mas as despesas destinadas à contratação de trabalhadores a prazo, a trabalhadores em regime de tarefa e avençados ("recibos verde"), as despesas de representação e em combustíveis aumentam significativamente.
Assim, a dotação destinada à contratação de trabalhadores à tarefa e avençados sobe 205% em 2011 nos Serviços Integrados da Administração Pública. Isto quando o governo reduz e congela os salários dos trabalhadores da Administração Pública. Em 2011, para além dos 214,3 milhões € destinados à contratação de trabalhadores a prazo e em regime de tarefa ou avença nos Serviços Integrados, ainda existem mais 225,4 milhões € com o mesmo fim inscritos nos orçamentos dos Serviços e Fundos Autónomos (institutos e outros organismos). Portanto, no conjunto de toda a Administração Central encontram-se inscritos 439,7 milhões € para a contratação de trabalhadores precários. É clara a intenção do governo de substituir trabalhadores com vínculo permanente por trabalhadores com vínculo precário. É certamente um mau exemplo que o governo dá também aos patrões privados que encontrarão neste comportamento um estímulo para aumentar ainda mais a precariedade em Portugal.
Outro ponto que caracteriza bem a política do governo de Sócrates é o aumento das despesas de combustíveis em 26,6%, quando afirma que está a substituir a frota do Estado, em que tem gasto milhões de euros, precisamente com o objectivo de reduzir este tipo de despesas. Em 2011, nos Serviços Integrados estão previstos 53,8 milhões € para "combustíveis e lubrificantes" mas existem ainda inscritos nos orçamentos dos Serviços e Fundos Autónomos mais 20,4 milhões €, o que soma 74,2 milhões € só para "combustíveis e lubrificantes". O aumento significativo nas despesas com combustíveis desmente também aqui as declarações do governo.
Mas é a nível das despesas de representação que o escândalo é ainda maior. Quando se reduzem em cerca de 1.432,5 milhões € aos trabalhadores da Função Pública, o governo aumenta em 20%a dotação para despesas de representação nos orçamentos dos Serviços Integrados. Em 2011, nos orçamentos dos Serviços Integrados estão inscritos 19,3 milhões € a que se devem juntar ainda mais 10,8 milhões € que se encontram inscritos nos Orçamentos dos Serviços e Fundos Autónomos com o mesmo fim. Ao todo, são 30,1 milhões € para despesas de representação. Só no orçamento de 2011 da Presidência do Conselho de Ministros estão inscritos para despesas de representação 1.414.675 euros. Desta forma os governantes e chefias poderão ser compensados pelos cortes nos vencimentos, o que não acontecerá com os restantes trabalhadores. É evidente a politica de "dois pesos e duas medidas".
QUEM PODERÁ SER BENEFICIADO COM O AUMENTO DA DOTAÇÃO PARA DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO EM 2011
O quadro seguinte mostra quais são os governantes e as chefias da Administração Pública que têm direito a despesas de representação e quais são os seus montantes em 2010.
Quadro 2 – Governantes e chefias com direito a despesas de representação
| | | representação |
Remuneração base Presidente República | 1 | 7.630,04 € | 3.052,01 € |
Presidente da Assembleia da República | 1 | 6.104,03 € | 2.441,61 € |
Primeiro-Ministro | 1 | 5.722,53 € | 2.289,01 € |
Ministros | 17 | 4.959,52 € | 1.983,81 € |
Secretários de Estado | 36 | 4.578,02 € | 1.373,41 € |
Cargos de Direcção Superior de 1º Grau | 1.331 | 3.734,06 € | 778,03 € |
Cargos de Direcção Superior de 2º Grau | 4.536 | 3.173,95 € | 583,81 € |
Cargos de Direcção Intermédia de 1º Grau | 2.987,25 € | 311,21 € | |
Cargos de Direcção Intermédia de 2º Grau | 2.613,84 € | 194,79 € |
Os que constam do quadro somam 5.923 (mas ainda não inclui a totalidade, embora os que faltam sejam em número muito mais reduzido) têm direito a despesas de representação num universo de cerca de 650 mil trabalhadores da Administração Pública.
O GOVERNO VAI GASTAR EM 2011, 1317 MILHÕES € COM A AQUISIÇÃO DE SERVIÇOS, MAS MUITOS DELES PODIAM SER FEITOS PELOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
O quadro construído com dados constantes Mapas Informativos dos Serviços Integrados e dos Servidos Autónomos anexos à Proposta de Orçamento do Estado para 2011, revela o volume de verbas que o governo pretende gastar com aquisição de serviços a privados, quando uma parte importante deles podiam ser realizados internamente por trabalhadores da Administração Pública.
Quadro 3 – Dotações inscritas no Orçamento de Estado para 2011 destinadas a aquisição de serviços a privados
| Milhões € |
Estudos Pareceres, Projectos, Consultoria | 150,5 |
Assistência Técnica | 108,7 |
Outros Trabalhos especializados | 617,1 |
Publicidade | 47,0 |
Vigilância e segurança | 90,9 |
Outros serviços | 303,1 |
SUBTOTAL | 1.317,2 |
Ao mesmo tempo que corta 1.432,5 milhões € nos salários nominais dos trabalhadores da Administração Pública, o governo tenciona gastar, em 2001, 1.317, milhões € com a aquisição a privados de "estudos, pareceres, projectos, consultoria"; com "assistência técnica"; com "outros trabalhos especializados"; com publicidade (entre 2010 e 2011, as despesas com publicidade aumentarão 32,9%); com "vigilância e segurança"; e com "outros serviços". Tudo isto não deixa de ser insólito numa altura de grave crise financeira do Estado, e mais quando se sabe que existem na Administração Pública trabalhadores com as competências necessárias para fazer muitos destes serviços. É evidente que a austeridade não se aplica a todos os sectores da Administração Pública, e estas elevadas dotações para aquisição se serviços permitirão a muitos privados fazerem bons negócios.
20/Outubro/2010
[*] Economista, edr@netcabo.ptEssa eu publiquei simplesmente por ser uma prática nada rara entre diversos setores da vida pública. Aumenta-se o próprio salário, mas a administração e o povo? Dê-lhes democracia.
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