darussia.blogspot - Quinta-feira, Agosto 02, 2012
A
demissão de Kofi Annan do cargo de enviado especial da ONU e da Liga
àrabe para a Síria veio mostrar uma vez mais o que já se sabe desde há
muito tempo: as Nações Unidas são incapazes de resolver qualquer
conflito armado, no máximo, conseguem congelá-lo sine die, mas nunca o resolver até ao fim.
Essa tarefa é deixada às partes do conflito, ou melhor, até que uma delas dê definitivamente cabo da outra.
No caso da Síria, a
chacina irá aumentar de intensidade e, visto que a oposição começou a
receber armamentos pesados: mísseis antiaéreos e tanques, o derrame de
sangue irá provocar muitos milhares de mortos e desalojados e é provável
que esse país se desintegre.
Os interesses
mesquinhos das grandes, médias e pequenas potências prevalecem em
relação ao principal direito humano, o direito à vida.
A Rússia teimou e
teima em defender regimes odiosos como o de Bashar Assad, não se
compreendendo muito bem a natureza de semelhante teimosia. Os negócios
de armas entre a URSS/Rússia e os países árabes apenas davam prejuízo,
pois Moscovo deixou-se muitas vezes enganar por promessas falsas.
Por exemplo, na
Líbia, o falecido Muammar Kadhafi conseguiu o perdão da dívida que tinha
em relação à URSS/Rússia, qualquer coisa como cinco mil milhões de
euros, em troca de promessas como abrir as portas às petrolíferas russas
em condições vantajosas ou adquirir novos armamentos. Mas ficou-se
pelas promessas, pois as empresas russas têm de concorrer em pé de
igualdade com outras e Moscovo dificilmente receberá o que quer que seja
em troca do armamento fornecido.
A única razão
plausível para a teimosia da Rússia no caso da Síria parece ser não
tanto a perda do último aliado no Médio Oriente, quanto o receio de ver o
conflito chegar às suas fronteiras.
Além disso, parecem
estar presentes na diplomacia russa mais duas importantes camponentes. O
que Bashar Assad está a fazer no seu país foi feito pelas autoridades
federais russas, e mais precisamente pelo Presidente Putin, na
Tchetchénia: o restabelecimento da "legalidade constitucional" entre
1990 e 1994.
Não nos podemos
também esquecer que o Kremlin se considera enganado, diria mesmo,
atraiçoado pelos países ocidentais no conflito líbio. Esta ferida é tão
profunda como foi e continua a ser a falsa promessa feita pelo chanceler
alemão Helmut Koll ao Presidente soviético Mikhail Gorbatchov de que a
NATO não se iria alargar a Leste caso Moscovo dissolvesse o Pacto de
Varsóvia.
As potências
da região, principalmente a Turquia, irão tentar resolver os seus
problemas e ambições, o que pode fazer alastrar o conflito. Os Estados
Unidos e a União Europeia poderão esperar que a queda de Bashar Assad
permita enfraquecer e isolar o Irão, mas ainda não é linear que eles
consigam controlar as forças islâmicas extremistas que aumentam as suas
potencialidades durante estes conflitos.
Este tipo de jogo já
fez com que a Irmandade Muçulmana tenha chegado ao poder no Egipto e
aquirido fortes posições na Líbia e na Tunísia. Ou seja, as forças
extremistas e radicais no Islão poderão transformar o Médio Oriente num
palco de combate entre sunitas e xiitas. Ora, como é sabido, as guerras
civis já são cruéis pela sua própria natureza, mas se a isso juntarmos
factores religiosos, teremos razões para assistir a combates com a
crueldade medieval, mas com armas modernas de destruição em massa.
Bashar Assad é um
ditador e assassino, mas os grupos que o combatem não parecem ser mais
tolerantes e democráticos. Podem-no ser logo após o derrube do actual
regime de Damasco, que parece cada vez mais eminente, mas, passado algum
tempo, revelam as suas reais intenções e formas de actuação. Não será
preciso esperar muito.
(Com isto não quero
defender o regime de Assad, nem a sua continuação no poder. É necessário
fazer uma transição, mas não desta forma caótica).
Sendo assim, a área
de desestabilização aproximar-se-á perigosamente da Rússia e do seu
tendão de Aquiles: o Cáucaso. Além da actuação de guerrilhas islâmicas
no interior do seu território: Daguestão, Inguchétia, Tchetchénia, há
conflitos congelados nessa região onde Moscovo tem sérias
responsabilidades: o conflito com a Geórgia devido à Abkházia e Ossétia
do Sul, bem como a contenda entre a Arménia e o Azerbaijão em torno de
Nagorno-Karabakh.
Na Ásia Central, a
guerra civil voltou ao Tadjiquistão. E também aqui vemos Moscovo a
apoiar um regime hediondo como é o do Presidente Emomali Khakhmon que
esmaga qualquer tipo de oposição a ferro e fogo.
É de salientar que o Tadjiquistão faz fronteira com o Afeganistão, onde a situação também não é nada famosa.
E ainda não é tudo.
Recentemente, um atentado terrorista em Kazan, capital da Tartária matou
um dirigente religioso muçulmano e feriu outro. As autoridades locais
tentam fazer querer que esse incidente não passou de mais um episódio da
luta pelo controlo das viagens dos peregrinos tártaros a Meca.
Porém, analistas
locais consideram que por detrás dos atentados podem estar grupos
wahabistas, que aumentam as suas actividades nesse enclave muçulmano no
coração da Rússia, a apenas algumas centenas de quilómetros de Moscovo.
Eu diria que se
trata de um bom momento para que os dirigentes russos e ocidentais
pensem a sério no futuro comum, mas parece que continuarão a
preocupar-se mais com os seus interesses mesquinhos.
Por isso, esperam-nos tempos difíceis...
A teimosia russa ao meu ver decorre essencialmente do interesse em barrar o expansionismo ocidental no Oriente Médio (haja visto o patrocínio desses na "Primavera Árabe). Outra situação é seu consequente efeito de "bola de neve" (como cita José Milhazes) sobre o Cáucaso, área estratégica principalmente do ponto de vista energético para a Rússia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário