"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, agosto 03, 2012

ONU volta a mostrar impotência absoluta

darussia.blogspot - Quinta-feira, Agosto 02, 2012


A demissão de Kofi Annan do cargo de enviado especial da ONU e da Liga àrabe para a Síria veio mostrar uma vez mais o que já se sabe desde há muito tempo: as Nações Unidas são incapazes de resolver qualquer conflito armado, no máximo, conseguem congelá-lo sine die, mas nunca o resolver até ao fim.
Essa tarefa é deixada às partes do conflito, ou melhor, até que uma delas dê definitivamente cabo da outra.
No caso da Síria, a chacina irá aumentar de intensidade e, visto que a oposição começou a receber armamentos pesados: mísseis antiaéreos e tanques, o derrame de sangue irá provocar muitos milhares de mortos e desalojados e é provável que esse país se desintegre.
Os interesses mesquinhos das grandes, médias e pequenas potências prevalecem em relação ao principal direito humano, o direito à vida.
A Rússia teimou e teima em defender regimes odiosos como o de Bashar Assad, não se compreendendo muito bem a natureza de semelhante teimosia. Os negócios de armas entre a URSS/Rússia e os países árabes apenas davam prejuízo, pois Moscovo deixou-se muitas vezes enganar por promessas falsas.
Por exemplo, na Líbia, o falecido Muammar Kadhafi conseguiu o perdão da dívida que tinha em relação à URSS/Rússia, qualquer coisa como cinco mil milhões de euros, em troca de promessas como abrir as portas às petrolíferas russas em condições vantajosas ou adquirir novos armamentos. Mas ficou-se pelas promessas, pois as empresas russas têm de concorrer em pé de igualdade com outras e Moscovo dificilmente receberá o que quer que seja em troca do armamento fornecido.
A única razão plausível para a teimosia da Rússia no caso da Síria parece ser não tanto a perda do último aliado no Médio Oriente, quanto o receio de ver o conflito chegar às suas fronteiras.
Além disso, parecem estar presentes na diplomacia russa mais duas importantes camponentes. O que Bashar Assad está a fazer no seu país foi feito pelas autoridades federais russas, e mais precisamente pelo Presidente Putin, na Tchetchénia: o restabelecimento da "legalidade constitucional" entre 1990 e 1994.
Não nos podemos também esquecer que o Kremlin se considera enganado, diria mesmo, atraiçoado pelos países ocidentais no conflito líbio. Esta ferida é tão profunda como foi e continua a ser a falsa promessa feita pelo chanceler alemão Helmut Koll ao Presidente soviético Mikhail Gorbatchov de que a NATO não se iria alargar a Leste caso Moscovo dissolvesse o Pacto de Varsóvia.
As potências da região, principalmente a Turquia, irão tentar resolver os seus problemas e ambições, o que pode fazer alastrar o conflito. Os Estados Unidos e a União Europeia poderão esperar que a queda de Bashar Assad permita enfraquecer e isolar o Irão, mas ainda não é linear que eles consigam controlar as forças islâmicas extremistas que aumentam as suas potencialidades durante estes conflitos.
Este tipo de jogo já fez com que a Irmandade Muçulmana tenha chegado ao poder no Egipto e aquirido fortes posições na Líbia e na Tunísia. Ou seja, as forças extremistas e radicais no Islão poderão transformar o Médio Oriente num palco de combate entre sunitas e xiitas. Ora, como é sabido, as guerras civis já são cruéis pela sua própria natureza, mas se a isso juntarmos factores religiosos, teremos razões para assistir a combates com a crueldade medieval, mas com armas modernas de destruição em massa.
Bashar Assad é um ditador e assassino, mas os grupos que o combatem não parecem ser mais tolerantes e democráticos. Podem-no ser logo após o derrube do actual regime de Damasco, que parece cada vez mais eminente, mas, passado algum tempo, revelam as suas reais intenções e formas de actuação. Não será preciso esperar muito.
(Com isto não quero defender o regime de Assad, nem a sua continuação no poder. É necessário fazer uma transição, mas não desta forma caótica).
Sendo assim, a área de desestabilização aproximar-se-á perigosamente da Rússia e do seu tendão de Aquiles: o Cáucaso. Além da actuação de guerrilhas islâmicas no interior do seu território: Daguestão, Inguchétia, Tchetchénia, há conflitos congelados nessa região onde Moscovo tem sérias responsabilidades: o conflito com a Geórgia devido à Abkházia e Ossétia do Sul, bem como a contenda entre a Arménia e o Azerbaijão em torno de Nagorno-Karabakh.
Na Ásia Central, a guerra civil voltou ao Tadjiquistão. E também aqui vemos Moscovo a apoiar um regime hediondo como é o do Presidente Emomali Khakhmon que esmaga qualquer tipo de oposição a ferro e fogo.
É de salientar que o Tadjiquistão faz fronteira com o Afeganistão, onde a situação também não é nada famosa.
E ainda não é tudo. Recentemente, um atentado terrorista em Kazan, capital da Tartária matou um dirigente religioso muçulmano e feriu outro. As autoridades locais tentam fazer querer que esse incidente não passou de mais um episódio da luta pelo controlo das viagens dos peregrinos tártaros a Meca.
Porém, analistas locais consideram que por detrás dos atentados podem estar grupos wahabistas, que aumentam as suas actividades nesse enclave muçulmano no coração da Rússia, a apenas algumas centenas de quilómetros de Moscovo.
Eu diria que se trata de um bom momento para que os dirigentes russos e ocidentais pensem a sério no futuro comum, mas parece que continuarão a preocupar-se mais com os seus interesses mesquinhos.
Por isso, esperam-nos tempos difíceis...
 
A teimosia russa ao meu ver decorre essencialmente do interesse em barrar o expansionismo ocidental no Oriente Médio (haja visto o patrocínio desses na "Primavera Árabe). Outra situação é seu consequente efeito de "bola de neve" (como cita José Milhazes) sobre o Cáucaso, área estratégica principalmente do ponto de vista energético para a Rússia. 

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