le monde diplomatique Brasil - 05 de Novembro de 2012
PALESTINA
O Mediterrâneo sempre teve grande importância para a população de Gaza e
figura como um horizonte sem limites que, há décadas, ajuda a suportar o peso
do conflito entre Israel e Palestina. Para os pescadores ativos, contudo, o mar
tornou-se, com os anos, sinônimo de perigo e frustração
por Joan Deas
Desde 1993, a zona de pesca
autorizada por Israel aos pescadores de Gaza não parou de ser reduzida.
Inicialmente fixada em 20 milhas náuticas1 pelos Acordos de Oslo,
foi progressivamente reduzida por razões de segurança – notadamente para evitar
o tráfico de armas e de pessoas, antes intenso, mas atualmente mais controlado.
De 12 milhas em 2002, passou a 6 milhas em 2006, para chegar ao limite de 3
milhas depois da operação Chumbo Grosso, em dezembro de 2008 e janeiro de 2009.
Hoje, segundo o Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas
(Ocha, na sigla em inglês), 85% das águas de pesca estão com o acesso parcial
ou totalmente interditado,2 violando as normas internacionais.
“Três milhas não são
suficientes”, diz um grafite no muro ao lado da entrada do porto, cujo acesso é
sujeito a uma autorização das autoridades portuárias de Gaza. Situado no
coração da cidade, o único porto em atividade ainda exibe as marcas dos
bombardeios israelenses de 2008-2009. Em reconstrução, é composto de um grande
portão de concreto, de algumas estruturas pré-fabricadas que servem de
escritório para a administração e de galpões de madeira destinados aos
materiais dos pescadores.
Nas primeiras vezes que se
aventurou no mar, Nasser Abu Amira, de 45 anos, ajudou o pai a recolher a rede;
a pesca é um ofício de família. Agora, seus quatro filhos o acompanham a cada
noite e, um dia, herdarão as hasakas, pequenas embarcações que
constituem a única fonte de renda familiar. Como a maior parte de seus colegas,
Amira já perdeu as contas de seus conflitos com a Marinha israelense. “A
estratégia deles é fazer círculos ao redor do barco para tentar virá-lo ou
atirar nos motores para destruí-los. Na última vez, mandaram a gente se despir
e nadar até eles, nos algemaram e nos levaram a Ashdod [cidade israelense ao
norte da Faixa de Gaza] para nos interrogar.” A história desses homens, em
geral liberados algumas dezenas de horas depois sem seus materiais de trabalho,
é apenas uma gota d’água na inundação de relatos similares que descrevem abusos
israelenses.
Embarcamos por volta da 1 hora da
madrugada. Como muitos pescadores atingidos pelo colapso dos estoques de peixe,
Amira utiliza a técnica de iluminação. Sai ao mar ao redor das 18 horas, atraca
dois ou três barcos munidos de projetores de luz e retorna à noite com seu equipamento
para capturar peixes que confundem a luz artificial com a do sol nascente. Mas
os primeiros problemas não demoram a aparecer. A forte poluição da zona atraiu
uma miríade de pequenas medusas que pesam muito sobre as redes dos barcos:
impossível içá-las a bordo. São necessárias cerca de duas horas para esvaziar a
rede de dejetos e poder usar o sistema de manivela do barco. Mas, no mar, o
tempo é contado: todas as redes devem ser recolhidas antes do nascer do sol,
que dispersará os peixes aglutinados ao redor dos projetores.
Essa poluição é uma consequência
direta do bloqueio israelense. Segundo um relatório do Ocha, todos os dias são
despejados no mar 90 milhões de litros de dejetos sem tratamento, resultado das
restrições israelenses que impedem a importação de materiais de tratamento
adequados. Os pescadores, proibidos de jogar suas redes além das 3 milhas,
ficam restritos a essas águas com vida aquática pobre e ultrassalgadas.
Contudo, 100 metros além do limite já é suficiente para melhorar a qualidade da
pesca, o que incentiva os pescadores a se arriscar. Entre julho de 2011 e abril
de 2012, verificou-se 150 incidentes com a Marinha israelense, incluindo
sessenta detenções, doze feridos e vinte casos de sabotagem ou confisco de
material3 − período calmo em comparação aos anos anteriores, quando
foram computadas várias mortes.
Nessa noite, não ocorreu nenhum
incidente. Voltamos no início da manhã, com o barco relativamente cheio apesar
do contratempo. Os tripulantes estavam satisfeitos: “Você nos trouxe sorte,
volte quando quiser!”. De fato, o barco de Amira era o mais carregado de peixe:
sete caixotes no total, por uma noite completa de pesca – resultado que parece
ridículo em relação aos esforços, tempo e materiais exigidos. No total, eles
ganharão 500 shekels (R$ 264), dos quais devem deduzir impostos e taxas antes
de repartir entre todos.
De volta ao porto, improvisamos
um churrasco com a pesca da noite. De repente, ao longe, explosões. Ninguém
parece prestar atenção: “Ah, você sabe, estamos tão acostumados que nem sequer
as escutamos mais. É nosso cotidiano. Se tivéssemos de virar a cabeça a cada
estrondo que escutamos no mar, ficaríamos loucos. Não poderíamos viver. E é
preciso viver”.
Joan Deas
Jornalista
Ilustração: Alves
1. 1 milha náutica = 1.852 metros.
2. “Five years of blockade. The humanitarian situation in the Gaza strip” [Cinco anos de bloqueio. A situação humanitária na Faixa de Gaza], Ocha OPT, Jerusalém, jun. 2012. Disponível em: www.ochaopt.org.
3. “Israeli authorities’ violations against the Palestinian fishermen – Gaza strip” [Abusos das autoridades israelenses contra pescadores palestinos – Faixa de Gaza], Genebra, maio 2012. Disponível em: www.euromid.org/marsad.
2. “Five years of blockade. The humanitarian situation in the Gaza strip” [Cinco anos de bloqueio. A situação humanitária na Faixa de Gaza], Ocha OPT, Jerusalém, jun. 2012. Disponível em: www.ochaopt.org.
3. “Israeli authorities’ violations against the Palestinian fishermen – Gaza strip” [Abusos das autoridades israelenses contra pescadores palestinos – Faixa de Gaza], Genebra, maio 2012. Disponível em: www.euromid.org/marsad.
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