resistir info - 10 nov 2012
por Ellen Brown
[*]
Na edição de 2012 de
Occupy Money
que saiu na semana passada, a professora
Margrit Kennedy
escreve que uns espantosos 35% a 40% de tudo o que compramos vai para juros.
Estes juros vão para banqueiros, financeiros e detentores de
títulos, os quais ficam com 35% a 40% do nosso PIB. Isso ajuda a
explicar como a riqueza é sistematicamente transferida do homem comum
para a Wall Street. Os ricos ficam progressivamente mais ricos a expensas dos
pobres, não por causa da "cobiça da Wall Street" mas
sim por causa da matemática inexorável do nosso sistema
bancário privado.
Este tributo oculto aos bancos será uma surpresa para grande parte das
pessoas. Muitas delas pensam que se pagarem os seus cartões de
crédito a tempo e não contraírem empréstimos
não estarão a pagar juros. Isto, afirma a Dra. Kennedy,
não é verdade. Comerciantes, fornecedores, grossistas e
retalhistas, todos eles, ao longo da cadeia de produção, dependem
do crédito para pagarem as suas contas. Eles têm de pagar pelo
trabalho e pelos materiais antes de terem um produto para vender e antes de o
comprador final pagar pelo produto 90 dias depois. Cada fornecedor na cadeia
acrescenta juros aos seus custos de produção, os quais são
transferidos para o consumidor final. A Dra. Kennedy menciona encargos de juros
que rondam os 12% para a colecta de lixo, os 38% para a água de beber,
os 77% para o arrendamento de habitação pública na sua
Alemanha nativa.
Seus números são extraídos da investigação do economista Helmut Creutz, escritos em alemão e decifrando
publicações do Bundesbank. Eles aplicam-se a despesas de
famílias alemãs para bens e serviços de uso diário
em 2006, mas números semelhantes encontram-se nos lucros do sector
financeiro nos Estados Unidos, onde
compreenderam uns colossais 40% dos lucros dos negócios estado-unidenses em 2006
. Isso foi cinco vezes os 7% feitos
pelo sector bancário em 1980. Activos de bancos, lucros financeiros,
juros e dívida têm estado a crescer exponencialmente.
O crescimento exponencial dos lucros no sector financeiro verificou-se a
expensas dos sectores não financeiros, onde o rendimento na melhor das
hipóteses cresceu linearmente.
Em 2010,
1% da população possuía 42% da riqueza financeira
, ao passo que 80% da população possuía apenas
5% da riqueza financeira. A Dra. Kennedy observa que os 80% da base paga o
encargos dos juros ocultos que os 10% do topo arrecadam, tornando o juro um
imposto fortemente recessivo que os pobres pagam aos ricos.
O crescimento exponencial é insustentável. Na natureza, o
crescimento sustentável progride numa curva logarítmica que
cresce cada vez mais vagarosamente até parar de crescer (a linha
vermelha no primeiro gráfico acima). O crescimento exponencial é
o reverso: começa vagarosamente e aumenta ao longo do tempo, até
que a curva passa a subir verticalmente (o gráfico abaixo). O crescimento
exponencial é considerado em parasitas, cancros e ... juros compostos.
Quando o parasita esgota a sua fonte de alimentação, a curva de
crescimento entra em colapso súbito.
As pessoas geralmente supõem que se pagarem as suas contas dentro do
prazo não
estarão a pagar juros compostos mas, mais uma vez, isto não
é verdade.
O juro composto está incorporado na fórmula da maior parte das hipotecas
, as quais compreendem 80% dos empréstimos nos
EUA. E se os cartões de crédito não forem pagos dentro do
período de graça de um mês, os encargos de juros são
compostos diariamente.
Mesmo que pague dentro do período de graça, o dono do
cartão
está a pagar 2% a 3% pela utilização do cartão
, uma vez que os comerciantes transferem seus encargos mercantis para o
consumidor.
Os cartões de débito, o quais equivalem a cheques, também
envolvem encargos. O Visa-MasterCard e os bancos em ambos os extremos destas transacções cobram uma comissão média de
44 centavos por transacção
– embora o custo para eles seja cerca de quatro centavos.
Como recapturar os juros: possuir o banco
As implicações de tudo isto são espantosas. Se
tivéssemos um sistema financeiro que devolvesse o juro arrecadado do
público directamente para o público, poderia ser removido 35% do
preço de tudo o que compramos. Isso significa que poderíamos
comprar três ítens pelo preço actual de dois e que nossos
cheques de pagamento poderiam ir 50% mais além do que vão hoje.
O reembolso directo para o povo é um sistema difícil de realizar,
mas há um modo pelo qual poderíamos recuperar colectivamente os
juros pagos a bancos. Poderíamos fazer isto transformando os bancos em
serviços de utilidade pública e os seus lucros em activos
públicos. Os lucros retornariam ao público, ou pela
redução de impostos ou pelo aumento da disponibilidade de
serviços públicos e infraestrutura.
Ao tomarem emprestado dos seus próprios bancos de propriedade
pública, os governos poderiam ao mesmo tempo eliminar o seu fardo de
juros. Isto foi demonstrado alhures com resultados excelentes, incluindo entre
outros países o
Canadá
, a
Austrália
e a
Argentina
.
Em 2011, o governo federal dos EUA pagou US$454 mil milhões em juros
sobre a dívida federal
[NT]
– aproximadamente um terço do total de US$1100 mil milhões
pagos em impostos sobre o rendimento pessoal naquele ano. Se o governo tivesse
estado a tomar emprestado directamente do Federal Reserve – o qual tem
poder para criar crédito na sua contabilidade e
agora transfere seus lucros directamente para o governo
– os impostos sobre o rendimento pessoal poderiam ser cortados em um
terço.
Tomar emprestado do seu próprio banco central sem juros pode até
permitir, ao mesmo tempo, que um governo elimine a sua dívida nacional.
Em
Money and Sustainability: The Missing Link
(na pg. 126), Bernard Lietaer e
Christian Asperger, et al., menciona o exemplo da França entre 1946 e
1973. A lei então mudou, proibindo esta prática e exigindo ao
Tesouro que, ao invés, tomasse emprestado do sector privado. Os autores
incluem um gráfico mostrando o que teria acontecido se o governo
francês houvesse continuado a tomar emprestado sem juros versus o que
aconteceu. Ao invés de cair de 21% para 8,6% do PIB, a dívida
disparou de 21% para 78% do PIB.
"Neste caso não de pode culpar nenhum governo
perdulário", escrevem os autores. "Os juros compostos
explicam tudo!"
Mais do que uma solução apenas federal
Não é apenas o governo federal que poderia assim eliminar seus
encargos
de juros. Governos estaduais e locais também poderiam eliminá-la..
Considere-se a Califórnia. No fim de 2010 o estado tinha compromissos
gerais
e dívidas em títulos de US$158 mil milhões. Destes, US$70
mil milhões, ou 44%, eram devidos a título de juros. Se o estado
houvesse incorrido naquela dívida junto ao seu próprio banco
–
o qual então devolvia os lucros para o estado – a
Califórnia podia ser US$70 mil milhões mais rica do que hoje. Ao
invés de cortar serviços, liquidar activos públicos e efectuar despedimentos colectivos de empregados, aquele estado podia estar a
acrescentar serviços e a reparar sua infraestrutura decadente.
O único estado dos EUA que possui actualmente o seu próprio banco
de depósitos é o Dakota do Norte. O Dakota do Norte é
também
o único estado que escapou à crise bancária de 2008
, ostentando desde então um considerável excedente
orçamental. Ele tem a mais baixa taxa de desemprego do país, a
mais baixa taxa de arrestos hipotecários e a mais baixa taxa de incumprimento em dívidas sobre cartões de crédito.
Globalmente,
40% dos bancos são de propriedade pública
e estão concentrados em países que também escaparam
à crise bancária de 2008. Estes são os países BRIC
– Brasil,
Rússia, Índia e China –, os quais abrigam 40% da
população global. Os BRICs cresceram economicamente em 92% na
última década, ao passo que economias ocidentais estiveram a
afundar-se.
Cidades e municípios também poderiam estabelecer os seus
próprios bancos; mas nos EUA este modelo ainda tem de ser desenvolvido.
No Dakota do Norte, enquanto isso, o Bank of North Dakota subscreve as
emissões de títulos de governos municipais, salvando-os dos
caprichos dos "vigilantes de títulos" e dos especuladores, bem
como das altas comissões dos subscritores da Wall Street e do risco de
saírem no lado errado dos swaps de taxa de juro exigidos como
"seguro" pelos subscritores.
Uma das muitas cidades esmagadas por este esquema de "seguro" da Wall
Street é Filadélfia, a qual perdeu US$500 milhões
só em swaps de juros. (Como os swaps funcionam e a sua
ligação ao escândalo LIBOR foi explicado num artigo
anterior,
aqui
). Na semana passada, o Philadelphia City Council efectuou
audiências acerca do que fazer em relação a esta perda de
receitas. Em outro artigo de 30 de Outubro intitulado
"Can Public Banks End Wall Street Hegemony?"
, Willie Osterweil discutiu a
solução apresentada nas audiências por um
inflamado discurso de Mike Krauss
, director do Public Banking Institute.
A solução de Krauss era fazer tal como a Islândia: apenas
afastar-se. Ele propôs "um incumprimento estratégico
até que os bancos negociem em termos melhores". Osterweil chamou-o
de "radical", uma vez que a cidade perderia sua calssificação de crédito favorável e poderia ter
perturbações para conseguir empréstimos. Mas Krauss tinha
uma
solução para esse problema: a cidade podia constituir o seu
próprio banco e utilizá-lo para gerar crédito para a
cidade a partir das receitas públicas, tal como bancos da Wall Street
geram crédito agora a partir daquelas receitas.
Uma solução radical para a qual chegou o momento
A banca pública pode ser uma solução radical, mas é
também uma solução óbvia. Isto não é
ciência espacial. Ao desenvolver um sistema de banca pública, os
governos podem manter os juros e reinvesti-los localmente. Segundo Kennedy e Creutz, isso significa poupanças públicas de 35% a 40%. Os custos
podem ser reduzidos de cabo a rabo, impostos podem ser cortados ou
serviços podem ser acrescidos; e pode ser criada estabilidade de mercado
para governos, tomadores de empréstimos e consumidores. A banca e o
crédito podem tornar-se serviços de utilidade pública,
alimentando a economia ao invés de dela se alimentarem.
08/Novembro/2012
[NT] Em Portugal, o Orçamento de Estado para 2013 prevê pagamentos
de juros no montante 7164,4 mil milhões de euros, o que equivale a 4,3%
do PIB português.
[*] Procuradora e presidente do Public Banking Institute. Em Web of Debt , o mais recente dos seus onze livros, ela mostra como um cartel privado usurpou o poder de criar moeda, retirando-o do povo e atribuindo-o a si próprio, e como nós o povo podemos recuperá-lo. Seus sítios web são http://WebofDebt.com , http://EllenBrown.com e http://PublicBankingInstitute.org .
O original encontra-se em www.globalresearch.ca/its-the-interest-stupid-why-bankers-rule-the-world/5311030 .
Tradução de JF.
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