"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, novembro 13, 2012

Funções sociais do Estado: Como o governo e a "troika" estão a procurar destrui-las

resistir info - 12 nov 2012

por Eugénio Rosa [*]
Governo e "troika" estão empenhados em destruir aquilo que muitos designam como "Estado social" através do estrangulamento financeiro. Para tornar claro isso, e para se poder ficar com uma ideia das consequências para os portugueses dos cortes enormes nas despesas com as funções sociais do Estado, ou seja, com a educação, a saúde e segurança social constantes do OE-2013, assim como do novo corte de 4.000 milhões € acordado pelo governo e "troika" interessa analisar os que já se verificaram ou estão a ser aplicados, até porque os novos cortes (os do OE-2013 e 4000 milhões €) vêem-se adicionar aos já realizados até ao fim de 2012.

O quadro seguinte, construído com dados da execução orçamental divulgada todos os meses pelo Ministério das Finanças, torna claro o que está em jogo, e quais serão as consequências inevitáveis dos cortes já feitos por este governo e "troika", e dos novos anunciados por eles.


Quadro 1 – Despesas pagas pelo Estado nas áreas sociais, Período Janeiro/Setembro de cada ano

FUNÇÕES
2010
Milhões €
2011
Milhões €
2012
Milhões €
2011/2010
Milhões €
2012/2011
Milhões €
2012-10
Milhões €
Educação 6.142,6 5.664,7 4.909,8 -477,9 -754,9 -1.232,8
Saúde 7.220,0 6.683,3 5.938,2 -536,7 -745,1 -1.281,8
Segurança e Acção Social 8.798,5 8.378,2 8.785,0 -420,3 406,8 -13,5
Habitação e serviços coletivos 206,1 144,1 113,5 -62,0 -30,6 -92,6
Serviços culturais e recreativos 251,1 203,6 521,3 -47,5 317,7 270,2
SOMA 22.618,3 21.073,9 20.267,8 -1.544,4 -806,1 -2.350,5
PIB_pm (3 primeiros trimestres) 107.616,6 104.276,6 99.117,0      
% Funções Sociais/PIB 21,0% 20,2% 20,4%      
% Educação /PIB 5,7% 5,4% 5,0%      
% Saúde /PIB 6,7% 6,4% 6,0%      
Fonte: Síntese execução orçamental, Outubro 2012, DGO, Ministério das Finanças
Os dados do quadro referem-se apenas aos primeiros nove meses de cada ano (Jan./Set.), no entanto os cortes em despesas com serviços essenciais para a população são tão elevados que chocam pelas consequências que inevitavelmente estão a ter sobre vida dos portugueses, empurrando muitos para a miséria. E isto porque, tomando como base a despesa realizada pelo Estado nos primeiros nove meses de cada ano, verificou-se, entre 2010 e 2012, ou seja, em apenas dois anos um corte nas despesas com a educação e saúde superior a 2.500 milhões €. O corte nas transferências para a Segurança Social à primeira vista parece ser menor, o que não é verdadeiro já que o valor de 2012 inclui as transferências do OE para financiar um plano de emergência assistencialista (cantinas para os pobres) no valor de 176 milhões € e o pagamento das pensões aos bancários (522 Milhões €), despesas estas que até 2012 não existiam.

Apesar destes elevados cortes nas despesas sociais do Estado fundamentais para a população, na proposta de OE-2013, é feito outro corte enorme. Os dados do quadro 2, retirados do Relatório que acompanha o OE para 2013, mostram a sua dimensão.


Quadro 2 – Cortes despesas com as funções sociais do Estado entre 2012 e 2013 constantes OE-2013

 
2012- Milhões €
2013- Milhões €
Educação 6.733,6 6.753,5
Saúde 10.470,3 8.507,4
Segurança social e ação social 12.348,8 12.828,5
Habitação e serviços coletivos 196,9 159,3
Serviços culturais e comunicações 602,7 214,6
SOMA 30.352,3 28.463,3
Subsidio Natal   -437,1
Aumento contribuições para CGA (15%-20%)   -110,0
    27.916,2
CORTES EFETIVOS ENTRE 2012 E 2013 -2.436,1
Fonte: Relatório OE-2013
Na proposta de OE-2013 estão inscritos 28.463,3 milhões € para despesas com as funções sociais do Estado, valor este que já é inferior ao inscrito no OE-2012 em 1.889 milhões €. Mas mesmo este valor, que já é enorme, é ainda inferior ao valor real. E isto porque no valor de 2013 estão incluídos o subsidio de Natal aos funcionários públicos (que é reposto em 2013, mas que o governo se apropria depois através do aumento do IRS) e o aumento das contribuições de 15% para 20% das entidades publicas para a CGA, despesas estas que não existiam em 2012, as quais somam 547,1 milhões €. Se deduzirmos este valor ao inscrito no OE-2013 – 28.463,3 milhões € -, para poder ser comparado com o valor de 2012, ficam 27.916,2 milhões €, o que significa que o corte nas despesas com as funções sociais do Estado, constante do OE-2013, atinge 2.436,1 milhões €, a adicionar ao corte realizado no período 2010-2012 que foi de 2.350,5 milhões €. Cortes gigantescos, mesmo sem contar com os novos 4.000 milhões € anunciados pelo governo, que se forem concretizados agravarão as condições de vida dos portugueses, a juntar ao resultante do aumento brutal da carga fiscal que analisamos em outro estudo. E esta redução ainda não entra com o efeito da inflação pois os dados considerados são a valores nominais.

No quadro anterior existem rubricas em que os valores de 2013 ou são iguais ou superiores aos de 2012, podendo gerar a ideia falsa de uma melhoria. No entanto, a verdade é outra. Por ex., no valor inscrito para a educação em 2013 – 6753,5 milhões € - se deduzirmos o valor do subsidio de Natal e o aumento de despesa determinada pela subida da taxa contributiva das entidades públicas para a CGA de 15% para 20%, o valor que resta é inferior ao de 2012 em mais de 300 milhões €. O mesmo se pode dizer em relação à Segurança Social cujo aumento é explicado pelo aumento da transferência do OE para financiar o chamado Plano de Emergência (cantinas para pobres, uma forma "moderna" de sopa para os pobres) e pela reposição, em 2013, de 1,1 subsidio aos pensionistas que custará à Segurança Social mais 300 milhões €. Em suma, se deduzirmos todas estas importâncias o que fica em 2013 para os encargos que existiam em 2012 é muito inferior ao inscrito no OE- 2012. E ainda se quer cortar mais 4.000 milhões € em 2013-2014


A POLITICA DE AUSTERIDADE, CAUSADORA DA RECESSÃO ECONÓMICA, ESTÁ A DESTRUIR AS FUNÇÕES SOCIAIS DO ESTADO VITAIS PARA TODA A POPULAÇÃO


A viabilidade e a sustentabilidade das funções sociais do Estado (educação, saúde, segurança social) dependem de um financiamento adequado e sustentado. E este não é possível de ser garantido pelo Estado sem crescimento económico. A politica de austeridade, ainda por cima aplicada em plena crise e recessão económica, está a matar, pela via do estrangulamento financeiro, as funções sociais do Estado, já que as receitas do Estado estão a diminuir (quadro 3).


Quadro 3 – Quebra nas receitas fiscais e nas da Segurança Social e aumento das despesas com o desemprego e com o pagamento de juros pelo Estado, Janeiro a Setembro

DESIGNAÇÃO
2011
2012
2012-2011
EXECUÇÃO DO OE DO ESTADO
Milhões de euros
RECEITAS FISCAIS - Estado 25.113 23.876 -1.237
Impostos diretos 10.414 9.966 -448
Impostos indiretos 14.699 13.910 -789
JUROS PAGOS PELO ESTADO 4.165 4.998 +833
EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO DA SEGURANÇA SOCIAL      
Contribuições e quotizações 10.227 9.736 -491
Subsídio desemprego e apoio ao emprego 1.549 1.904 +355
REDUÇÃO DAS RECEITAS FISCAIS E DAS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL 30.399 29.455 -1.728
AUMENTO DESPESA COM SUBSIDIO DE DESEMPREGO E JUROS 5.713 6.902 1.188
Fonte: Síntese da Execução Orçamental de Outubro de 2012, DGO, Ministério das Finanças
Como consequência da recessão económica, causada pela politica de austeridade, só no período Janeiro/Setembro, as receitas fiscais em 2012 foram inferiores às de 2011 em 1.237 milhões €, e as de contribuições para a Segurança Social diminuíram, no mesmo período, em 491 milhões €; desta forma, o Estado e a Segurança Social perderam 1.728 milhões €. Em contrapartida as despesas com o subsidio de desemprego e com o pagamento de juros pelo Estado passou, no mesmo período, de 5.713 milhões e para 6.902 milhões €, ou seja, sofreram um forte acréscimo de 1.188 milhões €. Com esta politica de austeridade, que está a destruir a economia e a sociedade portuguesa, não existem funções sociais do Estado que resistam. Também por esta razão, é urgente substitui-la por uma politica de crescimento económico. E é necessário começar a debatê-la porque este governo e a "troika" não têm nenhuma e são incapazes de a ter.
10/Novembro/2012
[*] Economista, edr2@netcabo.pt

Nenhum comentário: